(…) “A StayAway
Covid controla-nos de forma cómoda, barata e eficaz, por isso os governos
preferem este tipo de mecanismos a gastar mais dinheiro na saúde pública, e
aproveitam-se dos preguiçosos, que somos quase todos nós, que não se importam
de trocar a sua privacidade por um falso sentimento de segurança. Aliás, é o
que fazem já todos os dias, aceitando aplicações aparentemente grátis em troca
de serviços, numa cultura crescente de promiscuidade na rede, que vai do
bullying nas escolas com fotografias às fake news. Sabem quem ganha com isto?
Quem sabe o que “isto” é: as grandes empresas de tecnologia e os serviços de
informação.”
JOSÉ PACHECO
PEREIRA / PÚBLICO / https://www.publico.pt/2020/10/17/opiniao/opiniao/voo-passaro-1935571
(…)”No combate à
covid, passámos da histeria ao desleixo em apenas três meses. Como já várias
vezes referi, a verdade está algures no meio, que é sempre o melhor sítio para
ela se esconder, porque quase ninguém a encontra
Porquê, então,
embirrar com uma app? Há boas e más razões para isso. As boas: 1) ninguém quer
ter um polícia a dizer “passe para cá o telemóvel”; 2) a app não serve para
nada se à obrigatoriedade de a instalar não se juntar a obrigatoriedade de
declarar que se tem covid. Mas também há más razões, que se prendem com um
certo libertarianismo fácil de sofá. Compreendo mal que enchamos a boca com
frases do género “uma vida não tem preço”, e depois não estejamos dispostos a
pagar o baixíssimo preço de instalar uma app cheia de garantias de privacidade
se ela puder ajudar a salvar vidas.
Este “se” é muito
importante – compete ao Governo demonstrar que a app serve mesmo para alguma
coisa. Eu ainda não estou convencido. Mas, se servir, não me choca que a sua
instalação seja obrigatória. Sim, é uma compressão da nossa liberdade, só que
uma compressão justificada perante os valores em causa.”
JOÃO MIGUEL
TAVARES / PÜBLICO / https://www.publico.pt/2020/10/17/opiniao/opiniao/levem-nao-toquem-telemovel-1935522
OPINIÃO
StayAway Covid: um pequeno passo na resposta à crise, um
grande passo na perda de liberdades
A proposta de obrigatoriedade de utilização de uma
aplicação móvel coloca em causa liberdades fundamentais e direitos individuais,
sem uma finalidade objetiva e de uma forma desproporcional. Além disso, faz-nos
questionar que rumo estamos a tomar e que modelos de governação procuramos
legitimar.
Paulo Fontes
17 de Outubro de
2020, 0:25
O número de casos
de infeção por covid-19 continua a aumentar, tendo o Governo português
introduzido medidas mais restritivas e colocando o país novamente em estado de
calamidade. Se a recomendação de utilização da app StayAway Covid de forma
facultativa já gerava graves preocupações, a recente proposta de lei para
tornar o seu uso obrigatório torna-as ainda mais prementes. Esta proposta
levanta demasiadas questões, a vários níveis, relacionadas com a liberdade e
privacidade dos utilizadores, com a aplicação da medida, com a discriminação de
(tantas) pessoas e com a verdadeira utilidade e fiabilidade da aplicação.
No que concerne à
liberdade e privacidade dos utilizadores, retira-lhes a possibilidade de poderem
escolher que aplicações têm nos seus dispositivos. Há ainda que referir que,
apesar de a app se encontrar entre as aplicações que usam um modelo
descentralizado menos invasivo de rastreio por Bluetooth, em que os dados são
armazenados nos telemóveis, não está isenta de perigos para os seus
utilizadores. Isso mesmo foi referido pela Comissão Nacional de Proteção de
Dados quando fez uma avaliação, em junho, sublinhando ainda a importância do
caráter voluntário de instalação.
No que concerne à
aplicação da medida, colocam-se também várias questões. Por exemplo, como é que
vai ser feita a fiscalização pelas forças de segurança policial? Aleatoriamente
na rua? Quem vai avaliar se as pessoas têm um smartphone “capaz de ter a
aplicação instalada” e sob que critérios? Os agentes vão ter formação para
perceberem quais os modelos de smartphone que podem ou não ter a aplicação
instalada? E como será a interação com uma determinada pessoa, questionando se
tem ou não a aplicação? Vão obrigar a pessoa a mostrar o telemóvel, a colocar o
seu código de desbloqueio, se tem o Bluetooth ligado (condição essencial para
que a aplicação esteja em funcionamento)? Sendo que a aplicação precisa de uma
ligação móvel ou wifi, a inexistência de saldo poderá ser considerada punível?
E nas localizações onde não há rede móvel ou de dados que funcione? Isto
levantará questões discriminatórias, desfavorecendo claramente pessoas em
situação de maior vulnerabilidade financeira.
Refere-se no
documento da proposta de lei que a obrigatoriedade da utilização da aplicação
acontecerá “em contexto laboral ou equiparado, escolar, académico, nas forças
armadas e de segurança, e na Administração Pública”. Isso significa que quando
as pessoas saírem do seu local de trabalho já podem desinstalar a aplicação,
antes de irem para o seu tempo livre em casa? E, se assim for, em que sentido
irão as forças de segurança fazer a fiscalização? Irão aos locais de trabalho
(ou equiparados) pedir para verificar os telemóveis de quem ali está?
As respostas que
dermos a esta crise têm de ser proporcionais à sua necessidade, ser efetivas e
eficazes, focadas nas pessoas e nas comunidades, e estarem completamente
centradas e alicerçadas nos direitos humanos. Sem exceção
Quanto a questões
de utilidade e fiabilidade da aplicação, não será a instalação obrigatória que
os resolverá. Se bem que, segundo dados da Pordata, a utilização por pessoas
com atividade laboral ativa (incluindo funcionários das forças armadas e de
segurança, e da Administração Pública) e estudantes faria com que a aplicação
fosse instalada por cerca de sete milhões de habitantes, voltamos a levantar
algumas dúvidas: dessas pessoas, quantas têm smartphones compatíveis? Das
pessoas que a instalem, quantas terão a aplicação ativa fora do contexto
laboral (ou académico/escolar)? Vamos, além da obrigatoriedade de ter a
aplicação instalada, obrigar a ter o Bluetooth ligado e (aparentemente
necessário para a aplicação funcionar no caso de alguns telemóveis com sistema
Android), obrigar também a ter o GPS ligado?
São demasiadas
questões para acreditarmos que este mecanismo é a resposta que procuramos e
precisamos. As respostas que dermos a esta crise têm de ser proporcionais à sua
necessidade, ser efetivas e eficazes, focadas nas pessoas e nas comunidades, e
estarem completamente centradas e alicerçadas nos direitos humanos. Sem
exceção.


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