quarta-feira, 17 de junho de 2015

Câmara quer aprovar duplicação da área de dois restaurantes à beira-rio / Uma concessão por meio século dada pela ATL e autorizada pela CML

Depois de ampliados os pavilhões serão ligados um ao outro por cima de espaço não concessionado

Câmara quer aprovar duplicação da área de dois restaurantes à beira-rio

Técnicos municipais dizem que a ampliação só pode ser aceite se for declarada de “excepcional importância para a cidade”. Edifícios serão ligados por cima do espaço público por uma ponte em forma de golfinho

José António Cerejo / 17-6-2015/ PÚBLICO

A Câmara de Lisboa discute hoje duas propostas que, a serem aprovadas, permitirão a quase duplicação da superfície de pavimento e a ligação entre si dos restaurantes BBC e Piazza di Mare, na zona ribeirinha de Belém. Nos termos do artigo 53º do Plano Director Municipal (PDM) não é permitida naquele local a realização de obras que aumentem a área de construção preexistente. O plano contempla uma única excepção que não é invocada na proposta subscrita pelo vereador Manuel Salgado: a “excepcional importância para a cidade” dos edifícios a construir.
Os dois restaurantes, situados junto ao Museu da Electricidade, foram encerrados há meses e os seus interiores estão já, apesar de os projectos ainda não estarem aprovados, a ser demolidos. Explorados anteriormente por uma empresa que foi despejada pela câmara em Novembro por falta de pagamento de rendas, os edifícios estão agora na posse de duas sociedades do grupo Azinor, cujos gerentes têm residência em Luanda. Para lá dos investimentos que tem efectuado em Angola, o grupo tem em Lisboa uma dezena de unidades hoteleiras, entre as quais os hotéis Sana (três), Evolution (no Saldanha) e Myriad (na Torre Vasco da Gama).
Nos pavilhões antes ocupados pelo BBC e pelo Piazza di Mare, o grupo Azinor pretende agora instalar restaurantes e espaços de realização de eventos sociais.
Nos termos das propostas levadas à reunião de câmara, os actuais edifícios, que têm um piso e uma superfície de pavimento total de 1904 m2, passarão a ter dois pisos e uma superfície de 3492 m2 (mais 83%). Este aumento, explica Salgado na proposta, resulta da “criação de um piso em mezanino” e da construção de escadas e elevadores nas extremidades de cada um dos blocos.
Nos terraços serão ainda erguidos dois “volumes paralelipédicos revestidos a chapa metálica e vidro”, sendo a restante área destinada a esplanada coberta por uma “estrutura de ensombramento”. A ligar os dois pavilhões é proposta uma passagem aérea coberta, consubstanciando “um elemento escultórico em forma de golfinho”. Esta passagem, com 20 metros, será construída sobre uma faixa de terreno municipal na qual existem actualmente quatro árvores de grande porte.
A eventual violação do PDM por via do aumento da área de construção não é abordada em nenhuma das informações dos técnicos camarários que acompanham as propostas. O PÚBLICO questionou a autarquia sobre esta matéria ao fim da tarde de ontem, mas não obteve resposta. Outras perguntas feitas anteontem obtiveram resposta já à hora do fecho desta edição e estão disponíveis na edição online.
A arquitecta que apreciou os projectos manifestou, no entanto, várias reservas que não foram tidas em conta nos despachos de dois dos seus superiores hierárquicos e do vereador Manuel Salgado. Na opinião daquela técnica, “a construção proposta ultrapassa o limite de 10 metros de altura de fachada máxima admitida para as novas construções, sendo que este limite se encontra excepcionado nos casos em que câmara considere que se reveste de excepcional importância para a cidade”. Por outro lado, considera que os projectos apresentam um défice de pelo menos 24 lugares de estacionamento. No seu entender, e do chefe da Divisão de Projectos Estruturantes, estas questões terão de ser decididas superiormente, em especial a da aceitação pela câmara da excepcional importância dos edifícios a construir.
Contrariando esta posição, o director de departamento e o director municipal de Gestão Urbanística entenderam que a questão da altura da fachada não se coloca. No que toca ao estacionamento, o director de departamento achou que ele devia ser “reforçado”, mas o director municipal, Catarino Tavares, entendeu que os lugares existentes no local cumprem o previsto no PDM.

Salgado concordou com o seu número dois pelo que a proposta que subscreveu propõe a aprovação dos projectos tal como estão. Quanto ao estacionamento acrescenta um dado novo: os promotores pediram a isenção da criação de novos lugares porque já lá estão 95 — os mesmos que Catarino Tavares diz serem 87 — e porque “a menos de 100 metros” será construído “um novo parque de estacionamento público”.

Uma concessão por meio século dada pela ATL e autorizada pela CML

Posição contratual cedida era de 35 anos mas o novo contrato é de 50


A entrega dos dois pavilhões ao grupo Azinor foi feita por cinquenta anos e foi negociada com a Associação de Turismo de Lisboa (ATL), que lhos atribuiu em Novembro passado. De acordo com a ATL, o negócio assumiu a forma de cessão da posição dos antigos concessionários — a empresa Espaço Poente — ao grupo Azinor no contrato inicialmente celebrado por eles com a Administração do Porto de Lisboa (APL). Esta cessão de posição, diz a ATL, foi feita “a pedido do antigo concessionário no decurso da concessão”, pelo que a associação “não tinha o espaço disponível para o colocar no mercado”. A intervenção da ATL neste processo deve-se a um protocolo celebrado com o município em 2012, através do qual a autarquia lhe transmitiu a gestão de um conjunto de espaços e edifícios ribeirinhos anteriormente pertencentes à Administração do Porto de Lisboa (APL) e que o Governo fez passar para a câmara em 2009 mediante o pagamento à APL de 14,5 milhões de euros. Foi por via deste protocolo que a ATL, uma associação privada presidida por inerência pelo presidente da Câmara de Lisboa, assumiu o lugar de concessionária no contrato com a Espaço Poente que o município havia herdado da APL. Este contrato era válido por 35 anos, mas a concessão atribuída ao grupo Azinor tem um prazo de 50 anos, pelo que não se trata propriamente de uma cessão da anterior posição contratual da Espaço Poente. Em resposta ao PÚBLICO, a ATL diz que o prazo negociado foi “autorizado pela câmara dado o volume de investimento previsto eo business plan apresentado pelos interessados”. Os novos concessionários pagarão por mês 24 mil euros (IVA incluído) e assumiram o pagamento das dívidas da Espaço Poente ao município (cerca de 350 mil euros), à ATL (cerca de 980 mil) e ao Fisco (cerca de 280 mil). Segundo a ATL, a concessão dos espaços cuja gestão a câmara lhe entregou e que se encontram livres é feita “com recurso a consultas ao mercado”. O protocolo celebrado com a câmara em 2012 diz apenas que a ATL pode “ceder” a terceiros os bens que lhe foram transmitidos pelo município desde que aqueles “disponham de idoneidade pessoal, técnica e financeira”. Se fosse a câmara a concessionar teria de o fazer por hasta pública.

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