segunda-feira, 25 de julho de 2022

O sono da razão liberta demónios



O sono da razão liberta demónios
António Sérgio Rosa de Carvalho
06/03/2014 - 01:25 / PÚBLICO
As “massas” são movidas apenas por um ressentimento “anti-sistema”.
A Europa, paraíso relativo, de estabilidade, liberdade, democracia, abundância e tolerância, construída no pós-guerra em nome da Razão e Humanismo encontra-se em profunda crise.
Depois dos filósofos pós-modernistas-pós existencialistas terem dedicado carreiras inteiras à relativização dos fundamentos/alicerces que sustentavam os valores humanistas/iluministas nos labirintos contorcidos do estruturalismo e pós-estruturalismo, as suas elites terem abdicado da responsabilidade de Ser, e termos sucumbido ao materialismo e ao consumo de massas, não podemos ficar surpreendidos que essas mesmas “massas” tenham “cheirado” a oportunidade e o espaço disponível para ressuscitar o irracional, e libertar os seus demónios.
O eclipse das elites responsáveis, permitiu o festim orgiástico dum capitalismo amoral e movido apenas pela ganância, que está a minar os fundamentos dos ideais Europeus, que constituíram sistemas político-sociais equilibrados e notáveis em várias social-democracias europeias, num progresso civilizacional único.
As “massas” sentindo-se manipuladas, são movidas apenas por um ressentimento “anti-sistema” confundindo-o, irracionalmente, com inconformismo radical.
Em França, este ressentimento une aliados anteriormente inimagináveis: minorias étnicas transformadas em racistas, confundindo anti sionismo com anti-semitismo, ao lado da Direita Radical, Conservadores Estáticos e Intelectuais de Esquerda, todos unidos no antigo tema, sempre disponível a ser ressuscitado e reutilizado. O Semitismo confundido com o Sionismo e um “certo” tipo de Capitalismo Internacional, irresponsável e manipulador.
Bode expiatório sempre disponível, e elemento aglutinador para todos os ódios e frustrações.
Tempos confusos e assustadores. Os “demónios” não necessitam de programa, pois a sua dinâmica é sustentada pela surpresa paralisante do horror e do instinto cego e primário.
Num artigo recentemente publicado no jornal de referência holandês Volkskrant, uma conhecida política e parlamentar, ao meditar sobre a profunda e preocupante crise Europeia, no que respeita a representatividade da classe política e credibilidade das Instituições Europeias, usava duas metáforas para ilustrar qual tem sido, até agora, a atitude. A primeira é a que a forçada dinâmica Europeia, pode ser comparada a uma bicicleta. É imperativo continuar a pedalar. Se se interromper o processo, cai-se. A segunda é que, para ser aceite como pró-Europeu, não se pode exprimir dúvida ou crítica.
Perante as ameaças que pairam no horizonte, e os demónios que têm sido libertados na perspectiva das próximas eleições europeias, estas atitudes tornaram-se insustentáveis.
A Europa sofre de um problema de imagem e comunicação. Com o desenvolvimento (exclusivamente desconstrutivo e utilitarista) de reformas necessárias, tem-se dado atenção exclusiva às questões financeiras, confirmando a imagem da “Europa da Banca”. Isto associado à imagem da Europa como instituição cara, hermética, politicamente clientelista, hiperburocrática e não dirigida “às pessoas” (défice democrático) tem confirmado a ideia, errada, de que um verdadeiro pró-europeu não exprime críticas ou apresenta dúvidas.
Esquecemo-nos de que a grande maioria dos Europeus está preocupada (ou mesmo assustada com estes “sinais dos tempos”) e deseja a sobrevivência da União Europeia, através de o ressurgimento de uma verdadeira elite de dirigentes capazes de liderar em nome dos Valores e da primazia do Ser, reequilibrando o processo.
Muitos políticos pensarão que o “sistema” vai acordar e reagir com os resultados das eleições Europeias. Mas o “sistema” está dependente da fibra, qualidade, carisma e determinação da Política e dos seus representantes. É deles que depende a defesa dos ideais e valores que garantem o “Acordar da Razão”, deste obscuro período de letargia que na sua inércia tem permitido o espaço e criado o vazio, disponíveis para o ressurgimento de tão assustadores demónios.
Historiador de Arquitectura

1 comentário:

Ricardo disse...

Muito bom este artigo,quero dizer que da edição do Publico mencionada retirei dois artigos para buscar na net,este mesmo concerteza e o da página seguinte com o titulo "O discurso,a realidade e os pobres" de José António Pinto.São ambos artigos "obrigatórios" de ler tendo em conta o contexto actual.