Primeiro dia: Generalitat ganha,
Rajoy perde
É nos símbolos e nas imagens que
reside o sucesso independentista. Ao contrário, o Estado revelou a perda de
controlo do território catalão e da polícia autonómica.
Jorge Almeida Fernandes
1 de Outubro de 2017, 21:49
Foi apenas o primeiro acto de uma história interminável. É
como tal que o episódio deve ser olhado — a pensar nos muitos e alucinantes
“dias seguintes”. Ao fim da tarde deste domingo, os independentistas estavam em
manifesta vantagem, cumprindo o guião traçado pela Generalitat. Inversamente, o
Governo de Mariano Rajoy mostrou a perda de autoridade na Catalunha. O caminho
pode estar aberto para uma Declaração Unilateral de Independência (DUI), o que
não significará a efectiva independência da Catalunha.
O que aconteceu não foi um referendo — que exige legalidade
e outras regras — mas uma intensa jornada de mobilização e propaganda. O mais
importante para os independentistas não são os votos. A sua estratégia era
ocupar os locais de voto para mostrar imagens como as de Carles Puigdemont
(presidente da Generalitat), Oriol Junqueras (vice-presidente) ou Ada Colau
(presidente de Barcelona) a votarem tranquilamente.
É aqui, nos símbolos, que reside a vitória independentista.
Nas imagens de longas filas de pessoas à espera de votar, apesar da polícia e
da proibição dos tribunais. E, sobretudo, nas imagens da “repressão”, dos
confrontos entre polícias e pequenas multidões que defendiam as urnas. E também
imagens da passividade cúmplice dos Mossos d’Esquadra, a polícia catalã — e
inclusive as de “mossos” a chorar. Estas imagens confortam a sua cultura de
vitimização e já correm o mundo. Através delas, a Generalitat espera mudar a
relação de forças no plano internacional.
A voz de Madrid foi inaudível no domingo. A mobilização
independentista foi um sucesso e o Estado mostrou que não controlava o
território catalão. Os tribunais foram incapazes de fazer cumprir a lei. O
Governo não conseguiu sequer manter a lealdade da polícia catalã. Escreveu o El
Confidencial que “o Estado democrático está apetrechado para responder a ameaças
externas, como o terrorismo, mas não está preparado para enfrentar uma
sublevação nascida no seu próprio seio e que utiliza os instrumentos
institucionais que o próprio Estado lhe concedeu para o destruir.”
Independência?
A independência catalã é uma realidade longínqua ou
improvável. Pouco importa. O parlament catalão reúne-se na quarta-feira. A DUI
é um tema que divide os nacionalistas. Mas não pode ser excluída. É tentador
aproveitar um momento de mobilização com os sentimentos anti-espanhóis à flor
da pele. Os sectores radicais podem impô-la. Diz-se que Puigdemont apreciaria
ser o sucessor de Lluís Companys que proclamou, por poucas horas, um “Estado
catalão” no dia 6 de Outubro de 1934. Não importa que seja mais um acto
falhado. Seria mais um marco num “processo” que os nacionalistas concebem como
permanente e interminável.
A aventura da DUI poderá seduzir a Generalitat. Primeiro,
mudando o quadro da negociação com Madrid, que passaria a ser entre um Estado e
uma região secessionista. Poderia também aumentar o pânico da Europa e, assim,
tentar “mediações” internacionais. Mas poderia ter também um efeito de
boomerang numa UE que teme uma catastrófica desagregação.
Negociação?
Não é arriscado dizer que as negociações para a resolução do
conflito não estão na ordem do dia. Ninguém concebe que, depois de cortadas
todas as pontes, Rajoy e Puigdemont possam negociar o que quer que seja. Em
primeiro lugar porque é inimaginável que possam recuar. Isto significa a mais
grave crise política em Espanha desde a Transição democrática de 1978.
Tudo está em jogo e em aberto. Conseguirá Rajoy sobreviver e
fazer aprovar o orçamento? Haverá eleições antecipadas? Que arranjos
partidários se poderão antever? Não há resposta.
E na Catalunha? O heteróclito bloco independentista só
mantém a sua coesão em torno do tema da independência. Só se sustenta através
da fuga para a frente. É como a bicicleta que não pode parar. Se houver
fissuras quanto à táctica a seguir nos próximos tempos, as eleições autonómicas
poderiam tornar-se inevitáveis, com grande risco de fractura do bloco
independentista.
Não podemos pensar apenas em Rajoy e na Generalitat. Na
Andaluzia há visíveis sinais de nervosismo perante a hipótese de uma negociação
entre Madrid e Barcelona. Mexer no sistema das autonomias e nas finanças é uma
feroz discussão que envolve todas as regiões de Espanha.
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