António Costa, primeiro-ministro de
Lisboa
Costa vive e respira dentro de uma
bolha política, que ele domina como ninguém. Quando as arestas da realidade
mais bruta explodem essa bolha, o que sobra do primeiro-ministro?
João Miguel Tavares
19 de Outubro de 2017, 6:37
António Costa não tem jeito para lamechices, abracinhos ou
demasiada proximidade no contacto com pessoas que não conhece. É uma espécie de
timidez que compreendo bem, e que pode até ser louvável num político: num meio
excessivamente teatral, Costa recusa poses dissimuladas e olhares marejados.
Mas uma coisa é ser-se reservado; outra, bem diferente, é adoptar uma postura
de onde foi removido qualquer vestígio de empatia. Quando António Costa
discursou perante os portugueses na segunda-feira somente a sua gravata esteve
de luto. Aquilo que Costa depois recebeu de Marcelo não chegou a ser uma lição
de política – foi uma lição da mais básica humanidade. Alguma coisa ele
aprendeu: a atitude humilde e penitente desta quarta-feira, no Parlamento, já
foi uma evolução, ainda que claramente contranatura. Mas as dúvidas acerca da
sua capacidade de liderança em momentos de urgência permanecem inalteradas.
Como todos os políticos, nós ainda estamos a conhecer
António Costa. O verdadeiro José Sócrates revelou-se somente com o caso da
licenciatura; o verdadeiro Passos Coelho revelou-se após o episódio do
irrevogável; é muito provável que o verdadeiro António Costa só se esteja a
revelar agora, com a dupla tragédia destes fogos de Verão. Tanto Sócrates como
Passos eram primeiros-ministros há dois anos. Tal como António Costa o é agora.
Não se trata apenas de coincidência – é o tempo necessário para um governante
mostrar o que vale para além do seu estado de graça. É quando deixa de cheirar
a novo e surge perante os portugueses mais parecido consigo próprio, nas suas
qualidades e nos seus defeitos. As qualidades de António Costa são conhecidas:
uma enorme capacidade de alcançar consensos e de manobrar habilmente por entre
as ruelas da política portuguesa. Mas o seu grande defeito pode ser temível –
não conseguir ir além disso. António Costa já provou ser competente a governar
o Parlamento. Está muito longe de provar que é competente a governar o país.
Quando olhamos para os seus dois anos como
primeiro-ministro, aquilo que vemos é uma gestão política confinada ao eixo
Terreiro do Paço-São Bento, com incursões pontuais a Bruxelas. O governo leva
muito mais tempo a reunir com o Bloco e com o PCP do que a pensar no futuro de
Portugal, até porque as grandes reformas estão bloqueadas à esquerda. A chamada
“geringonça” é uma máquina carente de assistência técnica permanente, pelo que
não é de espantar que quando o país real telefona para São Bento a linha esteja
ocupada. Não são só os bombeiros e a GNR que não conseguem contactar a
Protecção Civil – o Portugal profundo também não consegue falar com o
primeiro-ministro.
António, rapaz de Lisboa, começou na política aos 14 anos,
aos 22 já estava na Assembleia Municipal, e excepto o curto ano em que foi
deputado europeu sempre viveu e trabalhou nos meios políticos da capital. A
falta de empatia de António Costa após a dupla tragédia deste Verão pode ter a
ver com isto: o primeiro-ministro sempre olhou para o país a partir do Terreiro
do Paço. Foi tanta a frieza com que reagiu ao apocalipse do fim-de-semana que é
como se o Portugal profundo fosse para ele uma entidade abstracta, tão distante
como as colónias para Salazar. Costa vive e respira dentro de uma bolha
política, que ele domina como ninguém. Quando as arestas da realidade mais
bruta explodem essa bolha, o que sobra do primeiro-ministro? Ainda é cedo para
uma avaliação final, mas até agora sobrou muito pouco.
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