Embora o título deste artigo possa parecer estranho a quem
desconhece a realidade da vida quotidiana em Amsterdão, a verdade é que a
vivência do trânsito em Amsterdão é de tal forma caótica e perigosa, que se
tornou num Pesadelo arbritário, sem regras e respeito pelo próximo.
Uma das discussões que reinam agora é a de expulsar as “Scooters”
das ciclovias para as vias principais, onde terão que “competir” com os
automóveis. As “scooters” dominam pela sua velocidade e presença as ciclovias.
As bicicletas em grande número não respeitam os sinais de trânsito e têm vindo
a invadir os passeios. Tudo isto cria um semtimento de impunidade arbitrária,
com grande perigo para os peões de todas as idades que se sentem expostos a um
festival de egocentrismo e de atitudes arrogantes e egoístas por parte dos
ciclistas e “scooters”.
Ser peão em Amsterdão é estar exposto a uma verdadeira “Roleta
Russa” diária onde o perigo, a frustração, a irritação e o sentimento de
impotência dominam.
OVOODOCORVO
Amesterdão tem bicicletas a mais?, perguntam os seus
habitantes
Uma ONG holandesa encontrou uma forma de pôr quem vive na
capital a pensar e a questionar o espaço onde vivem. É um exemplo do modo de
vida dos Países Baixos, cujos monarcas visitam Portugal esta semana.
JOÃO RUELA RIBEIRO Amesterdão 10 de Outubro de 2017, 7:30
Egbert Fransen quer acabar com as bicicletas no centro de
Amesterdão. Não é preciso ser um grande conhecedor da capital holandesa para
saber que esta é uma proposta no mínimo controversa. Mas esta é a missão que
este antigo empresário escolheu e que desempenha há uma década – pensar e
questionar a sua cidade e o próprio conceito de cidade. E essa “febre” está a
espalhar-se pela Europa.
Os cálculos de Fransen apontam para que haja cerca de 1,2
milhões de bicicletas nesta área urbana onde vivem 800 mil pessoas. “São
demasiadas”, diz. E nota-se. Enquanto na maioria das cidades o perigo vem do
tráfico automóvel, em Amesterdão são as bicicletas a alta velocidade que
assustam os transeuntes mais distraídos. “Nós sabemos usar bicicletas, mas os
turistas não”, acrescenta Fransen, com um olhar que não disfarça o
aborrecimento.
Uma das soluções que apresenta seria vedar o centro
turístico a bicicletas pessoais e estender o sistema de aluguer já existente –
mas sobretudo utilizado por turistas – a todos os habitantes.
Fransen recebe-nos num edifício castanho, que está de costas
para um dos milhares de canais de Amesterdão, chamado Pakhuis de Zwijger, que à
letra significa “armazém do silencioso”. O nome é inspirado pelo cognome de
Guilherme de Orange, fundador da dinastia Orange-Nassau e líder da revolta
contra o domínio da coroa espanhola nos Países Baixos. Por se recusar a falar
com o monarca espanhol Filipe II, este passou a chamá-lo
"silencioso".
Mas actualmente é raro o dia que o edifício da Pakhuis de
Zwijger seja silencioso. É ao fim do dia que o burburinho começa a fazer-se
ouvir. Todas as noites, a equipa de Fransen organiza em média três iniciativas,
desde conferências, mesas-redondas, projecções de filmes ou documentários, ou
simples conversas com um orador.
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“Começámos a crescer devagar, com 30, 40 pessoas. Agora,
temos entre 400 a 500 pessoas todas as noites aqui no edifício”, diz. Em 2016,
durante os dez meses em que esteve aberta, passaram pela Pakhuis 75 mil pessoas
e 25 mil acompanharam através de live-streaming."
Diálogo
E que faz aqui tanta gente todas as noites? Amesterdão tem
uma tradição de grupos de debate sobre os temas mais variados, mas Fransen
queria algo diferente. “Eu estava um bocado cansado dessa forma de comunicação,
porque se trata sempre de uma oposição – alguém perde e alguém ganha o debate.
O que eu queria era um diálogo sobre a cidade. Colocar um assunto em cima da
mesa, ver o que nos liga e usar as diferenças para uma co-criação.”
A associação, que hoje funciona como uma organização
não-governamental, foi fundada por Fransen em 2006 e durante os primeiros três
anos teve de ter um funcionamento comercial para ser sustentável. Hoje, tem
fontes de financiamento próprio, através do arrendamento de espaço para
escritórios e reuniões durante o dia e de um restaurante no rés-do-chão, e
também através de concursos públicos que vai ganhando. Mas a independência é
uma prioridade para Fransen. Há empresas que contratam a Pakhuis para organizar
debates ou conferências, “mas nenhum destes parceiros pode interferir nos
conteúdos”, garante o director.
A semana em que visitamos a Pakhuis é dedicada à solidão na
cidade – e trata-se de uma encomenda feita precisamente pela câmara municipal.
“Há cada vez mais pessoas sozinhas a chegar às cidades, ano após ano”, diz
Fransen, que afasta um mito. “Não são apenas os idosos a sentir solidão, também
entre os mais jovens, os estudantes, talvez por causa das redes sociais”,
acrescenta.
A Pakhuis entra em campo como uma espécie de “rede social”
com presença física, pondo em contacto o maior número possível de interessados
em dado tema. A força desta ONG é a rede que foi estabelecendo daquilo que
designam como “city-makers”, que muitas vezes são pessoas que iniciam sozinhas
uma iniciativa no próprio bairro. Fransen dá os exemplos de uma mulher que
começou a arranjar abrigos para refugiados na zona leste da cidade e de um
médico de 85 anos que presta cuidados a sem-abrigo.
“As instituições, como a autarquia, sabem que estamos nas
veias da cidade, conhecemos muita gente e estamos muito bem organizados”,
assume Fransen, defendendo a sua posição com a força dos números: “Se
organizarmos sessões em torno da questão da solidão, por exemplo, é certo que
iremos ter 300 pessoas, se for a câmara a fazê-lo, é possível que tenham cem.”
A pergunta que está subjacente à acção da Pakhuis de Zwijger
está longe de ser simples: “A quem pertence a cidade?” É quando se colocam
questões deste género que as relações com o poder político e económico podem
azedar. “Há temas em que alguns políticos nos consideram um bocado chatos”, diz
o director, sem esconder um certo orgulho.
Um dos tópicos que tem gerado maior discussão em Amesterdão
é a construção de edifícios altos. Arranha-céus são uma imagem rara na capital
holandesa, onde se tenta preservar uma harmonia arquitectónica. Porém, explica
Fransen, há uma pressão crescente por parte das construtoras e do sector
imobiliário para que se desenvolvam prédios elevados nas zonas mais recentes da
cidade.
Outro tema que preocupa a Pakhuis é a separação urbana entre
zonas de ricos e pobres, por causa da subida dos preços das rendas. “Nem todos
os partidos políticos apreciam este tema”, diz Fransen, sem se alongar muito
mais. “Às vezes acham que somos demasiado activistas, mas achamos que, como uma
plataforma independente, temos de colocar estas questões”, justifica.
Rede europeia
A certa altura, a equipa do Pakhuis decidiu perceber qual
era a situação noutras cidades europeias. “Em todas acontece o mesmo: nos
bairros, as pessoas estão a tomar iniciativa pelas próprias mãos, estão a
voluntariar-se", contou. O director diz que têm actualmente uma rede de
city-makers espalhados pela Europa com quem tentam manter o contacto constante
– Fransen estava de partida para Helsínquia, quando falou com o PÚBLICO.
“Podemos aprender muito uns com os outros”, afirma.
Por vezes, não é necessário um elevadíssimo grau de
planeamento ou especialização para fazer alguma diferença entre uma comunidade.
Basta uma mesa com comida.
Uma vez por mês, a Pakhuis organiza um encontro entre grupos
de refugiados que serve como uma espécie de boas-vindas, em que têm um primeiro
contacto com habitantes da cidade e com refugiados que chegaram há mais tempo –
por vezes, há até quem saia daqui com propostas de trabalho, diz Fransen. Na
semana anterior, decidiram convidar também um grupo de idosos que vivem
sozinhos. “Foi uma confusão e um caos total”, diz o director. Mas teve uma
parte importante: “Todos falaram uns com os outros.”
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