O futuro incerto do Largo de S.
Paulo, arquétipo do pombalino
Em Lisboa, Manuel Salgado empenhou-se
na escolha de um modelo de “desenvolvimento” que permite a destruição
sistemática de todas as características do pombalino.
ANTÓNIO SÉRGIO ROSA DE CARVALHO
4 de Outubro de 2017, 6:19
No período de transição na Câmara Municipal de Lisboa (CML)
de Santana/Carmona para o de Salgado/Costa, houve conversações entre Maria José
Nogueira Pinto e Manuel Salgado sobre o futuro da intenção de candidatar a
baixa a Património Mundial.
Esta intenção era baseada no valor único da Baixa Pombalina
como conjunto Urbano de Reconstrução/Iluminista no Ocidente, processo cuja
importância internacional foi ilustrada de forma completa e abrangente, na obra
de José Augusto França.
No entanto, a dimensão patrimonial mais importante do
pombalino é invisível. Ela é representada pela estrutura anti-sísmica,
desenvolvida em série e estandardização de elementos, por engenheiros
militares, a chamada “gaiola”. Esta, junto às tipologias de fachadas, com
subtis variações, e constituídas pelas guilhotinas, mansardas, portas e famosos
telhados duplos de Carlos Mardel, constituem o arquétipo do projecto único,
concebido com Eugénio dos Santos na Casa do Risco.
Ao longo do séc. XIX, na concretização deste grandioso
plano, o arquétipo de Mardel/Santos foi sendo alterado através de aumento de
andares. Mas ele mantém-se inalterado em dois locais: no Rossio, no bloco do
lado da Praça da Figueira, e no Largo de S. Paulo, no seu bloco sul, com
traseiras partilhadas com o Mercado da Ribeira.
Ora, se o referido bloco no Rossio aguarda, há anos, por um
projecto de hotel e encontra-se em estado lastimoso, o referido bloco sul do
Largo de S. Paulo tem projecto anunciado por uma promotora imobiliária para a
sua transformação, também, num hotel.
Depois de um curto período inicial positivo de descoberta
orgânica e espontânea do potencial dos bares “vintage” na Rua Nova do Carvalho,
rapidamente, passou-se à comercialização massificada da zona, através da
criação da Rua Cor de Rosa, escandalosa transformação da via pública em
plataforma contínua de “botellón” ruidoso e orgiástico com autorização
entusiástica e colaboradora de José Sá Fernandes.
Este destruidor e colonizador “fenómeno” alastrou
rapidamente, invadindo o Largo de S. Paulo com a sua carga diária de intenso
ruído nocturno e devastação, e respectiva degradação da envolvente em
sobrecarga humana e produtora de toneladas de lixo.
Manuel Salgado, embora continue a afirmar a intenção de
candidatura à UNESCO, empenhou-se na escolha deste modelo de “desenvolvimento”,
ao permitir a destruição sistemática de todas as características do pombalino,
respectivamente a “gaiola” e respectivos interiores, e permitindo a alteração
das características exteriores, chegando ao ponto de estimular sistematicamente
a substituição das famosas mansardas de Mardel e respectivas janelas por
telhados de zinco. Assim, desenvolveu-se um “fachadismo” omnipotente e
omnipresente e destruidor de toda a autenticidade e carácter único do
pombalino.
A pergunta fundamental agora é: que tipo de intervenção
Salgado vai permitir no referido bloco sul do Largo de S. Paulo, que continua
intacto nas suas características exteriores e interiores do pombalino
(incluindo os silhares de azulejos pombalinos da Fábrica do Rato) e que
constitui um dos últimos monumentos-arquétipos do projecto da Casa do Risco da
reconstrução pombalina?
Um hotel vai forçosamente trazer exigências de tranquilidade
e civilidade na envolvente, e provavelmente isto ilustra uma consciência
crescente por parte da CML, de que a zona atingiu um ponto de saturação
insustentável e um ponto de ruptura de degradação e decadência.
Mas os novos “moradores” não irão ser, certamente, os
“lisboetas”.
Historiador de Arquitectura
Sem comentários:
Enviar um comentário