À espera da (re)inauguração, novo terminal de cruzeiros
divide comerciantes de Alfama
por O Corvo • 16 Outubro, 2017 •
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O novo terminal de cruzeiros de Lisboa, em Santa Apolónia,
cuja abertura está prevista para o próximo mês, está a dividir opiniões. A
infra-estrutura, projectada pelo arquitecto Carrilho da Graça, tem dado que
falar pelo seu arrojo formal e pela relação que estabelece com a envolvente,
mas também pelo aumento do turismo de massas que poderá provocar. A diferentes
percepções sobre a obra são também perceptíveis na área envolvente. Apesar de
reconhecerem a importância da obra, os comerciantes de Alfama e Santa Apolónia
consideram que, neste momento, há outras prioridades. Requalificar a zona
envolvente da estação de caminho-de-ferro, controlar o alojamento local no
bairro e não deixar que o comércio dependa só do turismo são algumas das suas
reinvindicações.
Texto: Sofia Cristino
Depois de ter recebido
os primeiros passageiros a 19 de setembro, o novo terminal de cruzeiros de
Lisboa, em Santa Apolónia, voltou a fechar, logo de seguida, para a conclusão
das obras, que afinal ainda estarão em curso. Apesar de oficialmente não haver
data prevista para a inauguração do edifício projetado pelo arquitecto Carrilho
da Graça, um operário de construção civil, que está precisamente a trabalhar na
fase de acabamentos desta infra-estrutura, garante a O Corvo que o terminal
abre no próximo dia 10 de novembro. “O terminal já devia ter sido feito há
muito tempo. Espero é que venha muito dinheiro com esta obra”, comenta,
enquanto bebe um café num estabelecimento comercial das redondezas. Contactada
por O Corvo, a Lisbon Cruise Terminals, entidade responsável pela gestão da
infra-estrutura, escusa-se a adiantar uma data concreta para a sua reabertura.
A nova gare terá uma
capacidade de 1,8 milhões de passageiros, o que poderá trazer muitas vantagens
para os comerciantes das redondezas, reconhecerem alguns deles a O Corvo. Mas,
entre eles, também existe quem discorde da perspectiva de grandes benefícios
económicos e tema que se esteja a abrir a porta a uma “espécie de turismo
selvagem”. Um deles é Vasco Duarte, o proprietário da sapataria Ondina, a
funcionar há 130 anos na Rua dos Remédios, epicentro de Alfama, o qual lamenta
as transformações que o bairro histórico tem vindo a sofrer nos últimos anos.
“O bairro está
desprovido de portugueses, 80% do bairro é turistas, e isso é mau porque
descaracteriza a cidade, marginaliza o português”, lamenta, antes de admitir as
vantagens com tal cenário. “Os meus clientes são maioritariamente estrangeiros,
para não dizer quase todos. Por isso, a construção do novo terminal acaba
também por ser positiva, neste momento estamos a viver do turismo”, considera.
“Há aqui um problema muito grande, também, que é a falta de polícias, numa zona
onde acaba por haver alguns roubos, há muitos carteiristas. Turismo sim, mas
turismo com segurança”, defende.
Carlos Elvas,
barbeiro no Salão Alfama, na mesma rua, partilha a opinião do vendedor de
sapatos. “O novo terminal vai trazer mais turistas e, consequentemente, mais
dinheiro. O turismo é a minha salvação nos dias de crise, dá para a água e para
a luz, como eu costumo dizer”, diz entre sorrisos. Por outro lado, salienta que
é o alojamento local o que mais ganha com este tipo de infra-estruturas. “O
alojamento local, que já devia ter parado, vai beneficiar muito com isso”,
adianta. Um cliente do Salão Alfama, empresário de animação turística, também
comenta: “Veja lá, se quatro barcos trouxerem oito mil pessoas, o dinheiro que
vai entrar aqui”.
Um pouco mais a
baixo, na Estação de Santa Apolónia, situada ao lado do novo terminal, há quem
reaja com indignação à construção da obra. “Faz-se o terminal num lado e esta
zona fica toda degradada? Não faz sentido nenhum. O ambiente, aqui, deixa muito
a desejar”, comenta Joaquim Santos, comerciante numa loja de guloseimas e
chocolates dentro da estação. “Acho que o terminal vai juntar muitas pessoas.
Há muitos turistas e estamos quase com uma espécie de turismo selvagem. Há
turistas que não trazem nada e turismo selvagem não é turismo de qualidade. Há
muita gente, está tudo a perder a identidade. Já nada é típico”, considera. Já
Bruno Verício, empregado de um quiosque ao lado, discorda: “Se o terminal
trouxer três mil pessoas, e vierem cá 150 pessoas, já é muito bom. Também acho
que a obra embeleza a cidade”, afirma.
Ao sair da estação,
no Largo dos Caminhos de Ferro, o proprietário do Café Lisboa Tejo, Manuel
Pires, estranha a pré-inauguração do terminal. “Acha normal abrir e fechar no
mesmo dia? Isso foi por causa das eleições autárquicas!”, diz. E reforça: “No
dia da inauguração, só mostraram o outro lado, não o que está por trás. Não faz
sentido”. Mas os reparos encontram razões mais antigas. “Esta zona piorou muito
nos últimos anos, já foi uma das melhores da cidade, um dos ex-líbris de
Lisboa. A estação recebeu políticos importantes, como Mário Soares. Agora, está
completamente degradada”, lamenta. Joaquim Santos, o dono da loja de doces, é
da mesma opinião. “O passado é passado e devemos seguir em frente, mas tem de
se respeitar o passado. E isso não está a acontecer”, repara.
Basta olhar em redor
da estação para encontrar motivos de queixa. A começar pela limpeza ou falta
dela. “Os turistas ficam chocados quando vêm aqui e até já comentaram comigo. O
cheiro nauseabundo que se sente, a falta de higiene que existe, os sem-abrigo
que atiram as caixas de comida para o chão, enfim”, enumera o dono do café
Lisboa Tejo.
Mesmo ao lado, no
restaurante Sol Brasil, Freden Miranda concorda. “Esta zona é uma porcaria, só
há drogados aqui. Não há uma esquadra da polícia e os gerentes da estação não
fazem nada. Todos os dias há confusão e brigas, que envolvem facas e garrafas.
Há muito lixo e, quando chamamos a polícia, só aparece dentro de uma hora”, observa.
E até há uma coisa em que Freden e Manuel Pires, do Café Lisboa Tejo,
concordam. “Apesar de tudo, quantos mais turistas, melhor para o nosso
negócio”. O segundo até vê razões para algum optimismo. “Acredito que o novo
terminal valorizará muito a zona. Já começa a haver uma saturação e tem de
haver um equilíbrio”, diz.
O presidente da Junta
de Freguesia de Santa Maria Maior, Miguel Coelho (PS), também está optimista.
Acredita que o novo terminal terá um “impacto positivo na economia local”. O edil,
todavia, ressalva que poderão haver “impactos complicados na ‘pressão’
adicional de pessoas sobre o espaço público”.
Referindo-se aos
habitantes da junta de freguesia que preside, Miguel Coelho considera que
acabam por ser eles quem menos beneficia com o aumento do turismo, mais
precisamente, com o alojamento local. Em depoimento escrito a O Corvo, atacou a
polémica lei das rendas produzida pela actual líder do CDS-PP, Assunção
Cristas, enquanto ministra do executivo anterior. “A componente do turismo que
nos cria problemas é a que se prende com o alojamento local, uma vez que ainda
permanecem as consequências do pacote legislativo conhecido como ‘Lei Cristas’
sobre as pessoas da freguesia”, afirma.
“Essas consequências incidiram directamente na ausência
quase total de habitações para o mercado de arrendamento permanente, assim como
têm favorecido uma ‘espécie’ de expulsão dos habitantes tradicionais – por via
de não renovação de contratos a termo ou por via da realização de ‘obras
profundas’ –, não havendo sequer na legislação nenhum tipo de proteção para as
pessoas com idade superior a 65 anos”, defende.
O novo terminal
representa um investimento de 22,7 milhões de euros. O sistema de acesso aos navios
será feito através de duas mangas ligadas a uma passerelle com uma extensão de
600 metros, conectada ao terminal por três passadiços. Com o terminal de
cruzeiros, Lisboa ganha ainda um novo miradouro, um terraço com vista de 360º
aberto a toda a gente. A empreitada é da responsabilidade do LCT – Lisbon
Cruise Terminals, que, desde 2014, tem a concessão do terminal de cruzeiros do
Porto de Lisboa.
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