Câmara embargou empreitada no Palácio
do Marquês de Tancos, mas as obras continuam
Os responsáveis pela obra dizem não
ter recebido qualquer notificação para a suspensão dos trabalhos de
reabilitação do palácio situado na Calçada do Marquês de Tancos, na zona da
Costa do Castelo.
Cristiana Faria
Moreira
CRISTIANA FARIA MOREIRA 19 de Outubro de 2017, 6:52
A Câmara Municipal de Lisboa decidiu embargar as obras de
requalificação que estão a decorrer no Palácio do Marquês de Tancos, na zona da
Costa do Castelo. Depois de realizar uma fiscalização ao imóvel, os serviços da
autarquia constataram que “estão a ser executadas obras em desconformidade com
o projecto aprovado”, sem detalhar, contudo, as desconformidades verificadas.
No entanto, o PÚBLICO visitou o palácio, que dará lugar a um
hostel, na manhã desta quarta-feira e verificou que as obras continuam. No
local, o director técnico da obra, Fernando Osório, referiu não ter
conhecimento da decisão nem ter recebido, até ao momento, “nenhum auto de
embargo”.
Cidadãos dizem que há património em risco no Palácio do
Marquês de Tancos
Cidadãos dizem que há património em risco no Palácio do
Marquês de Tancos
Há duas semanas, um grupo de cidadãos que pertencem ao Fórum
Cidadania Lisboa pediu à autarquia a intervenção naquela empreitada por
considerarem “escandaloso” o restauro que está a ser feito nos interiores
daquele “palácio emblemático” da cidade, que está classificado como Imóvel de
Interesse Público desde 1996.
Fernando Osório confirmou ao PÚBLICO que, a 4 de Outubro, a
Polícia Municipal se dirigiu ao palácio. “Trazia a queixa e esteve a
averiguar”, referiu. Também os serviços da câmara fiscalizaram a obra
recentemente, disse.
“A obra está licenciada pela câmara e tudo aquilo que aqui
se fez foi aprovado pela Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC). Não
existem quaisquer razões de embargo”, continuou o responsável, acrescentando
que, no decurso da obra, que arrancou no início de 2016, a câmara e a DGPC
visitaram “várias vezes” o espaço, sem detalhar quantas.
As críticas daquele grupo de cidadãos incidiam num conjunto
de painéis de azulejos, datados do século XVIII, que estariam a ser “entalados”
por placas cerâmicas mais recentes. “Não se trata de matéria apenas de mau
gosto, mas de atentado ao património ali existente, mormente ao seu património
azulejar”, escreviam os signatários na carta, recordando que essa é
precisamente “a sua maior mais-valia patrimonial”.
No apelo, assinado por 24 cidadãos, o Fórum Cidadania pedia
à DGPC e à câmara de Lisboa que interviessem na obra em curso e, se fosse caso
disso, embargassem a empreitada. O PÚBLICO tentou, sem sucesso, obter mais
esclarecimentos junto da câmara de Lisboa para perceber os motivos que levaram
à decisão de suspensão da obra.
O fim da empreitada está previsto para o início do próximo
ano. Dará lugar a um hostel que terá capacidade para 200 pessoas. O edifício,
que era propriedade da câmara de Lisboa, foi vendido em hasta pública em
Outubro de 2014, rendendo cerca de 5,5 milhões de euros (partindo de uma base
de licitação de cinco milhões) à autarquia. Foi adquirido pelo grupo francês
Repotel, através da 2 I Inter Investissements, que, na altura, comprou também o
Palácio de Monte Real, onde funcionava um lar de idosos da Santa Casa da
Misericórdia, por três milhões de euros.
“A câmara e o Património [DGPC] têm conhecimento do que aqui
foi feito. Eles sabem painel por painel tudo aquilo que nós fizemos”, reiterou
Fernando Osório.
Em relação às críticas levantadas pelos cidadãos, o director
técnico da obra refuta-as por completo. “Presumiram que estávamos a dar cabo
dos azulejos”, disse. “Fizemos tudo o que era necessário fazer”, continuou,
referindo-se ao restauro dos cerca de 40 mil azulejos, dos séculos XVII, XVIII
e XIX, que compõe as dezenas de painéis que existem no interior do palácio.
“Quando o edifício foi comprado à câmara isto estava uma
desgraça. [Os azulejos] estavam estragados” e fora do sítio, notou o
responsável, misturados com outras placas mais recentes que ali foram sendo
colocadas no lugar das que iam desaparecendo.
O restauro dos azulejos, indicou o responsável, ficou a cargo
de uma “empresa especializada”, a GPCR - Gabinete de Património Conservação e
Restauro, e demorou cerca de um ano e meio a ser concluído. “Foi feito um
trabalho louvável”, acredita o responsável.
Quanto à intervenção que foi criticada pelo grupo de
cidadãos, e que motivou o apelo à câmara de Lisboa, Fernando Osório explicou
que aquela divisão será um balneário e que “já funcionava como instalação
sanitária do anterior arrendatário”. Por isso, foi revestida por azulejos novos
para ser um balneário, sem contudo serem retirados os antigos azulejos. E
explicou que a solução encontrada passou pela instalação de uma segunda parede,
em pladur, colocada a fazer “uma espécie de caixa” por onde passarão canos da
água, mantendo assim afastados os antigos azulejos.
Questionado sobre se o excesso de água poderia pôr em risco
os velhos azulejos, o responsável assegurou que isso não será um problema dado
que o espaço será “ventilado”. “No entender da DGPC isso não constitui um
problema”, acrescentou.
As origens do Palácio do Marquês de Tancos remontam ao
século XVI quando era a residência da família Ataíde. Sobreviveu ao terramoto
de Lisboa de 1755. Foi passando de mãos em mãos durante cerca de século e meio
e, além de ter conservado os painéis de azulejos, manteve também a sua
estrutura original: a fachada horizontal, de linhas sóbrias, rasgada por longas
fileiras de janelas rectangulares e pelas varandas balaustradas em ferro.
Em 1981 acabou por ficar nas mãos da câmara de Lisboa, que o
cedeu à Companhia de Dança de Lisboa até 2007. Depois disso, albergou também a
sede da empresa municipal de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural
(EGEAC).
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