Aumento de turistas e estrangeiros tira antigos moradores de
Lisboa
MATHEUS GOUVEA DE ANDRADE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM LISBOA
FOLHA DE S.PAULO 23/10/2017
02h00
http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/10/1929364-aumento-de-turistas-e-estrangeiros-tira-antigos-moradores-de-lisboa.shtml
Não é só Madonna, que recentemente anunciou sua mudança para
Lisboa, que reclama de penar para achar casa na capital portuguesa.
Enquanto a popstar alugou um andar em um hotel para esperar,
estudantes e aposentados enfrentam cada vez mais dificuldade para achar um teto
em uma cidade onde um quarto passou a custar mais da metade do salário mínimo
local de €557 (R$ 1.340).
O mecânico aposentado Antonio Alves mostra a casa no bairro
lisboeta de Alfama da qual foi despejado
A alta nas locações de imóveis na cidade está, em larga
medida, atrelada ao aumento do turismo em Portugal. Só em julho deste ano o
país recebeu 2,2 milhões de turistas.
O site de locação para temporadas Airbnb anunciou aumento de
59% nas reservas de junho a agosto deste ano no país na comparação com o mesmo
período de 2016.
Já a Uniplaces, referência na locação de imóveis estudantis,
registrou salto de 11% no aluguel médio em Lisboa —menos, porém, que a alta em
Porto, de 40% sobre 2016.
O crescimento na busca por estadias turísticas em Lisboa
atrai investidores. "Com a crise internacional, o imóvel foi considerado
um bem seguro e mais rentável do que o investimento financeiro", diz João
Carlos Cabral, professor do departamento de Ciências Sociais e do Território da
Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa.
Não sem contratempos. "Quando o proprietário vê que
pode despejar o inquilino, ele o faz. No meu prédio, um terço dos apartamentos
são para o Airbnb. As pessoas foram morrendo, outros compraram, e alugam para
temporada. Pessoas que sempre viveram em Lisboa, de repente, tiveram de
sair", diz.
Antônio Alves, 71, vive desde 2007 na turística região da
Alfama, que frequenta desde os 5 anos, em uma pequena casa que aluga por €280.
Com uma ordem de despejo recebida em maio, o mecânico aposentado disputa na
Justiça o direito de ficar. "Onde vou achar casa por €280? Vi uma sem
janelas por €425. E quando vejo, já está alugado para um estrangeiro",
diz.
Cabral corrobora: "Há entrada de novo capital. Para
famílias que estão aqui há tempo, é difícil competir. "
O entorno da casa de Alves está em obras –cena frequente em
Lisboa e Porto–, o que ele atribui ao turismo.
Ele lamenta a possível saída. "O hospital onde trato o
coração é aqui em Lisboa, meus amigos estão aqui."
SEM SOBRA
A dificuldade para obter moradia levou a secretária
aposentada Lídia Cardoso, 69, ao Partido Unido dos Reformados e Pensionistas, o
Purp, criado em 2015.
Ela diz poder pagar o aluguel da casa em que vive há 45 anos
com sacrifício. "Não sobra. Lisboa é linda, há muita coisa para ver, mas
as pessoas não conseguem [aproveitar]." Para complementar a renda, ela
ajuda nas atividades domésticas em duas casas duas vezes na semana.
O Purp diz que 28,2% da população lisboeta tem mais de 60
anos, e a parcela –sem êxodo– tende a aumentar.
José Antônio Borralho, 70, mora há 49 anos na mesma casa, e
viu seu aluguel passar de €67 para €326 há dois anos, um salto de 386%.
"Foi complicado, mas felizmente havia a aposentadoria da minha
mulher", conta. Sem esse dinheiro, o segurança aposentado deixaria a
cidade.
A paulistana Beatriz Souza, 27, mestranda na Universidade de
Lisboa, busca quarto há mais de um mês. Dividida entre albergues e casas de
amigos, ela diz ter chegado a ver três casas por dia, às vezes com dez interessados.
Beatriz confere diariamente cinco sites especializados em
aluguel e grupos on-line –um que promete quartos a €300 tem 110 mil membros.
Seu colega André Filipe, vindo da região central do país,
esperou de março a agosto pela resposta sobre um alojamento da universidade.
Dos 48 mil alunos, só 3,5% deles conseguem alojamento. Filipe acabou alugando
um quarto em um site para dividir com a namorada por €430.
Além do turismo, Portugal oferece benefícios a estrangeiros
para a compra de apartamentos e visto de residência a quem compra um imóvel de
mais de €500 mil. "Um francês, por exemplo, tem grandes vantagens em
relação a seu país ", diz Cabral.
Para ele, o problema não é o turismo, mas o movimento
repentino. "Pessoas esperam mais de uma hora por um táxi. Não as culpo,
mas não houve preparo para o boom."
Sem comentários:
Enviar um comentário