“Os centros de Lisboa e Porto estão a ficar cheios, mas não
é de portugueses, é de estrangeiros. E isso tem muito que ver com o facto de as
casas reabilitadas não serem para os bolsos dos portugueses. Não podemos
afastar os portugueses dos centros das cidades, porque os estrangeiros não vêm
cá só pela pedra, mas também pelas pessoas, pelas comunidades que as formam, que
lhes dão o carácter genuíno”
Destaque de OVOODOCORVO
Zona ribeirinha oriental de Lisboa é
cada vez mais procurada para compra de casa
POR O CORVO • 19 OUTUBRO, 2017 •
Beato, Marvila, Xabregas ou Santa Apolónia são nomes que
fazem sorrir quase todas as empresas do sector presentes no Salão Imobiliário
de Lisboa 2017. Será por ali que, nos próximos anos, muitos dos seus comerciais
dispensarão atenções. A pressão da procura de casa para viver na capital, muito
influenciada pelo investimento estrangeiro, faz com que se comece a olhar com
insistência para bairros até agora negligenciados. E onde ainda há muito por
fazer em termos de reabilitação urbanística. Mas as imobiliárias também notam
que, fruto dos preços proibitivos para a classe média, há cada vez mais gente a
ir para os subúrbios. “As periferias voltam a ganhar dimensão no nosso
negócio”, diz um dos agentes ouvidos por O Corvo. Morar em Lisboa é, cada vez
mais, coisa de endinheirados.
Texto: Samuel Alemão
“Não tenho dúvidas de
que, nos próximos cinco a seis anos, vamos assistir a uma explosão de negócios
na zona que vai do centro de Lisboa até à Expo, sobretudo nas áreas do Beato e
de Marvila. Há por ali um enorme potencial, que muitos já perceberam”.
Guilherme Grossman, da imobiliária Consultan, é peremptório ao descrever a O
Corvo aquela que antevê como a mais importante dinâmica do mercado das casas na
capital. O que até não será surpresa, tendo em conta que a empresa é a
promotora do grande empreendimento “Prata”, em construção na zona de Braço de
Prata. É, então, uma boa altura para investir ali? “Se calhar, até já é um
pouco tarde. Quem se antecipou fez, certamente, um bom negócio”, considera o
empresário, para quem a capital portuguesa vai ter cada vez mais procura dos
compradores de propriedade. Uma sentimento reinante no Salão Imobiliário de
Lisboa (SIL) 2017, a decorrer entre esta quarta-feira (18 de outubro) e domingo
(22), na Feira Internacional de Lisboa.
O optimismo e a confiança na robustez do mercado imobiliário
nacionais são perceptíveis no certame, onde ninguém tem dúvidas em apontar a
maior cidade do país como o mais valioso quinhão do sector. O grande impulso
dos últimos anos nas compras e vendas de imóveis em Lisboa é para continuar,
ouve-se por ali, não se antecipando um abrandamento dos preços da habitação nos
próximos anos. Muito pelo contrário. “Estamos a falar de um crescimento
estrutural e não apenas conjuntural. Isto veio para ficar, porque se deve a uma
série de factores, que vão desde a retoma económica até à internacionalização
do sector. Lisboa e Porto passaram a ser vistas como bons investimentos a nível
internacional, como valores seguros”, explica João Pedro Pereira, membro do
conselho executivo da ERA, para quem a cidade está repleta de oportunidades de
investimento. Questionado sobre as áreas que estarão em alta, prefere não
especificar, mas dá pistas. “Todas as zonas do centro que ainda estão algo
desqualificadas. Muitas delas estão debaixo do nosso nariz”.
Uma opinião partilhada por outros agentes do sector. É o
caso de Francisco Vasconcelos, director de expansão da Century 21, que acredita
haver “zonas de Lisboa que ainda não estão descobertas”, como toda a área
ribeirinha oriental. Marvila, Beato, Santa Apolónia e Xabregas são nomes que
andam na cabeça de toda a gente. Mas outras áreas se lhes acrescentam, como
Graça ou Mouraria, sugere Vasconcelos, que aponta uma “procura de habitação
infinitamente superior à oferta” como a razão para o desviar de atenções para
locais que até há pouco não eram tidos em conta pela classe média. Os
endinheirados, sobretudo estrangeiros, estão a contribuir decisivamente para
essa dinâmica. “A oferta em Lisboa, regra geral, está desfasada do poder
aquisitivo do português médio. Durante algum tempo, assistiu-se a um movimento
de regresso a Lisboa. Mas agora, com a subida dos preços, as periferias voltam
a ganhar dimensão na procura dessas pessoas”, diz o responsável da Century 21,
para quem não existe risco de “bolha imobiliária”, embora reconheça que a
concessão de crédito pelos bancos está a voltar a animar o mercado. E se há
outra vez muita gente a sair de Lisboa e a pedir dinheiro emprestado para
comprar casa nos subúrbios, também não falta quem o faça para adquirir imóveis na
capital. Nem que seja como forma de realizar um investimento tido como seguro,
salienta João Pedro Pereira, da ERA.
Um fenómeno
assinalado também por Nuno Martinez, broker da Remax Platina, que opera
sobretudo no Parque das Nações. “Se não ocorrer nada de anormal, algum factor
externo, este cenário de grande dinâmica de venda e compra de habitação
manter-se-á. Até porque há mais pessoas a recorrer ao crédito à habitação”, diz
o comercial, que não tem dúvidas sobre a manutenção da subida dos preços das casas
na cidade. E, por isso, vê como inevitável a expansão da procura à zona
ribeirinha oriental. Até porque facilmente ali se vislumbram grandes
potencialidades. “Toda aquela zona de Marvila, Beato, Santa Apolónia e Matinha,
até ao Parque das Nações, vai crescer muito. Aliás, isso já se está a notar no
Beato, como muitos empreendedores jovens a tomarem conta de estruturas que
estavam abandonadas”, afirma, antevendo a ocorrência de processos de
regeneração urbana similares ao verificado no LX Factory, em Alcântara, e na
zona do Intendente e da Avenida Almirante Reis. “Há sempre uma primeira vaga de
pessoas, mais ligadas às artes, que vão ocupar esses territórios”.
Sinal de que essa é mesmo uma tendência, um dos painéis
programados para a tarde de ontem, na zona de palestras do SIL 2017, dava o
mote. “Lisbon Golden Areas: Depois do Centro Histórico, Requalificação da
Frente Ribeirinha: Da Matinha a Belém” era o tema anunciado pela imobiliária
Castelhana – Lisbon Real Estate. Sem surpresas, há, porém, quem não se importe
de suportar o preço de viver nas zonas mais consolidadas e caras da cidade. É o
caso dos clientes do grupo luso-francês Libertas, que no seu portfólio tem
prédios no Chiado ou em Benfica, junto ao Estádio da Luz. E os que tem na Mouraria,
alguns em fase de acabamento, “estão todos vendidos”, salienta Adrien Blachere.
A empresa que representa opera sobretudo no mercado francês, de onde vêm
pessoas com poder de compra elevado quando comparado ao nacional, mas ainda
assim “sem capacidade para suportarem os valores duas a três vezes mais
elevados das casas em Paris”. Lisboa acaba assim por ser um excelente negócio.
Ou ainda mais o Seixal, onde a empresa comercializa um empreendimento.
Mais cauteloso em
relação a este fenómeno, Francisco Bacelar, presidente da Associação dos
Mediadores de Imobiliário de Portugal, sugere a O Corvo que se poderão estar a
cometer excessos nas vendas de imóveis a estrangeiros. “Os centros de Lisboa e
Porto estão a ficar cheios, mas não é de portugueses, é de estrangeiros. E isso
tem muito que ver com o facto de as casas reabilitadas não serem para os bolsos
dos portugueses. Não podemos afastar os portugueses dos centros das cidades,
porque os estrangeiros não vêm cá só pela pedra, mas também pelas pessoas, pelas
comunidades que as formam, que lhes dão o carácter genuíno”, critica, depois de
colocar água na fervura em relação ao bom momento do sector. Ao contrário de
outros, considera que o crescimento é “conjuntural, embora seja para durar mais
uns anos”. “Não estamos a viver a euforia das décadas de 80 e 90, mas começo a
ver com algum temor ao ver bancos a emprestarem a 100%, embora reconheça os
efeitos positivos que tal possa ter na economia”. Mas esta é, afinal, uma voz
dissonante num salão onde prevalece o optimismo com a perspectiva de bons
negócios.
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