ET TU Roseta !?
A Helena começa nítidamente a "Fazer Contas à Vida"...
OVOODOCORVO
É preciso merecer o poder que se tem
A demissão da ministra, depois de o Presidente o ter
praticamente exigido, pode abrir espaço ao Governo para rapidamente iniciar um
novo ciclo.
Helena Roseta
19 de Outubro de 2017, 6:50
Ninguém pode assistir sem dor e sem revolta ao colapso do
sistema nacional de protecção civil. Quando as pessoas desamparadas, um pouco
por todo o Norte e Centro do país, tentavam apagar as chamas com baldes e
enxadas e acabavam a chorar os seus mortos, não se pode dizer-lhes que sejam
resilientes. Nem falar em férias sacrificadas. Nem voltar a remeter para
relatórios. Não se pode. O Estado falhou e o Governo não foi capaz de perceber
a dimensão da tragédia. Como disse o Presidente da República, é preciso
“humildade cívica e ruptura com o que não provou ou não convenceu”.
Sabemos que há causas estruturais que não se vencem de um
dia para o outro e que os problemas mudam de natureza quando mudam de escala. É
o que está a acontecer em Portugal com os fogos florestais. Mas a verdade é que
não estivemos à altura. Depois de Pedrógão, uma tragédia imensa que nos apanhou
de surpresa, tínhamos o dever da vigilância, da previsão e da prontidão para
mobilizar os meios que impedissem um novo desastre. Não fomos capazes.
Sou deputada, faço parte das bancadas que apoiam este
Governo, pelo qual me bati e bato. Irei votar contra a moção de censura do CDS.
Mas por isso mesmo não posso deixar de dizer ao Governo e ao primeiro-ministro:
é preciso merecer o poder que se tem. É preciso coragem para reconhecer os erros
e mudar o que tem de ser mudado. Devemos isso aos que morreram pela nossa
inépcia.
Não quero voltar a ouvir notícias sobre os locais de difícil
acesso onde os bombeiros não chegam. Não somos capazes de abrir os aceiros que
são necessários? Não temos forças militares e autarquias para promover as
tarefas de defesa de um território que fomos deixando ao deus-dará? Não
conseguimos organizar nas nossas aldeias pontos de refúgio seguros? Isto não
podia ter sido feito em quatro meses? Andámos tão empolgados em campanhas
eleitorais que nos esquecemos do nosso dever primeiro, cuidar dos nossos
concidadãos mais frágeis e esquecidos?
Sabia-se do clima e da meteorologia, das elevadas
temperaturas, do furacão Ophelia e da seca generalizada. E que no Outono as
pessoas começam a fazer as suas queimadas. Ninguém se preocupou em alertar o
país rural para o perigo dessa prática este ano? O Governo esteve à espera de
relatórios independentes, sabemos bem, mas que medidas imediatas tomou? Por que
é que o Ministério da Administração Interna não conseguiu sequer programar
devidamente a disponibilidade de meios aéreos e no terreno? Desculpem, mas isto
tem um nome: incompetência.
Sei que este é um momento muito difícil para quem tem a
responsabilidade de governar. Mas mais difícil é para quem perdeu vidas, bens,
animais, culturas, casas, floresta. Não chegam os pêsames e as promessas de
solidariedade. Cada um deve avaliar se está à altura do que lhe é pedido. A
ministra da Administração Interna percebeu finalmente que tinha de sair pelo
seu pé. Teve até ao fim a confiança do primeiro-ministro, faltou-lhe a dos
governados. O seu pedido público de demissão, depois de o Presidente o ter
praticamente exigido, pode abrir espaço ao governo para rapidamente iniciar um
novo ciclo, tomar as decisões que se impõem e fazer a reforma do sistema
nacional de protecção civil, garantindo o papel do Estado na defesa do
território e das populações, sem os quais Portugal não pode subsistir.
Arquitecta; presidente da Assembleia Municipal de Lisboa
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