A guerra do BCP, a venda da Cimpor e,
agora, as suspeitas de favorecimento pela Câmara de Lisboa, têm obrigado a
terceira geração dos Teixeira Duarte a sair da sombra. A contragosto
CLARA TEIXEIRA
Jornalista
Quase a fazer cem anos, a Teixeira Duarte mantém-se nas mãos
da família, tão discreta quanto numerosa, que criou a empresa em 1921. Fundada
por Ricardo Teixeira Duarte, antigo bastonário da Ordem dos Engenheiros, foi
sob a orientação do filho Pedro (na foto em cima), hoje com 98 anos, que foi
crescendo até se tornar na segunda maior construtora nacional a seguir à
Mota-Engil. A terceira geração, liderada por Pedro Maria, atual presidente do
conselho de administração, partilha com o patriarca o horror à exposição
pública, à vida mundana e às fotografias para a posteridade. Fora dos negócios,
a família é conhecida pela ligação estreita à Opus Dei, tendo participado na
fundação do Colégio Planalto, mas se não fosse a guerra do BCP e a luta pelo
controlo da Cimpor, o apelido Teixeira Duarte nunca teria saltado para as
páginas dos jornais. Nos últimos dias, a família e a empresa viram-se
envolvidas em nova polémica, relacionada com suspeitas de favorecimento num
contrato, após a venda de um apartamento ao presidente da Câmara de Lisboa.
Foi em 2007, há precisamente uma década, que o grupo
Teixeira Duarte e o seu enigmático presidente saíram da sombra para se
envolverem no assalto ao BCP, liderado pelo empresário Joe Berardo.
Surpreendentemente, apoiando o “inimigo” sem olhar a velhas alianças, uma vez
que o grupo era um dos três maiores acionistas do banco de Jorge Jardim
Gonçalves, com mais de 7% do capital.
Para além dos negócios, os destinos das famílias Jardim
Gonçalves e Teixeira Duarte estão unidos pelos sagrados (para eles, católicos
praticantes e ortodoxos) laços do matrimónio. O relacionamento começou antes,
quando Rodrigo, o mais novo dos cinco filhos de Jardim Gonçalves, teve Antónia,
um elemento do clã Teixeira Duarte, como professora de música. As famílias
começaram a frequentar-se, descobrindo afinidades, até que João Afonso, um dos
mais novos dos dez filhos de Pedro Teixeira Duarte, começa a namorar com Sofia,
a segunda filha do fundador do BCP. Do casamento, nascem 14 filhos, sete
raparigas e sete rapazes, todos eles com Maria no nome. Quase ao mesmo tempo, a
construtora revela-se como um dos acionistas mais fiéis do núcleo duro do BCP,
ocupando um lugar no Conselho Geral e de Supervisão do banco, presidido por
Jardim Gonçalves.
Preocupado com a dependência do BCP, que lhe financiava a
tesouraria mas também a dispendiosa aquisição da Cimpor, Pedro Maria Teixeira
Duarte – o sucessor natural do pai após a morte precoce do primogénito Ricardo,
professor, investigador e criador da plataforma de ensaios sísmicos do LNEC –,
terá tentado encontrar uma terceira via para o imbróglio do banco. Sem sucesso.
Retirou o apoio a Jardim, defendeu a sua saída do BCP e, no final, mesmo tendo
apoiado a tomada do poder por Carlos Santos Ferreira e Armando Vara, durante a governação
de José Sócrates, foi obrigado a abrir mão da Cimpor para a brasileira Camargo
Corrêa, em 2012, tendo perdido uma fortuna com a desvalorização da participação
no BCP. Além disso, o grupo foi um dos mais afetados com a travagem brusca da
construção e obras públicas durante os anos da troika. Uma crise da qual a
construtora ainda não recuperou, admitindo continuar a despedir trabalhadores,
apesar da internacionalização bem sucedida dos seus negócios (construção,
hotelaria, distribuição alimentar e automóveis) em países como Angola,
Moçambique ou Venezuela.
FAMÍLIAS DESAVINDAS
Na sua biografia, escrita por Luís Osório (O Poder do
Silêncio, D. Quixote), Jardim Gonçalves elogia as qualidades de Pedro Maria,
mas não lhe perdoa os defeitos, acusando-o de se ter “portado mal”. “Ganhou
relevo no BCP e perdeu o bom senso”, diz. Inevitavelmente, as famílias
desentenderam-se. Sofia e João Afonso, que ficou isolado na defesa do sogro,
mudaram-se em 2011 para Madrid, numa espécie de exílio. Nas raras ocasiões em que
tem encontrado Pedro Maria, o fundador do BCP confessa que se limita a
dirigir-lhe um aceno. “O problema é dele para mim, eu não tenho qualquer
problema com ele”, diria em entrevista ao jornal Sol.
Só em 2009, já com 90 anos (e mais de 60 passados no grupo
familiar), é que Pedro Teixeira Duarte viria a ceder, em definitivo, a cadeira
do poder ao filho Pedro Maria, 63 anos, licenciado em gestão de empresas e um
exímio corredor de maratonas. Ele e alguns dos oito filhos – do casamento com
Madalena, irmã de Isabel Jonet e presidente da Ajuda de Mãe – colecionam
participações em algumas das provas mais conhecidas do mundo, como as maratonas
de Londres ou de Nova Iorque, mas também a de Lisboa.
Conservador, circunspecto e enigmático, homem de hábitos
frugais, não falha, tal como o pai e – arriscamos – boa parte da numerosa
família, a missa de domingo. Fora do seletivo mundo dos negócios, poucos lhe
terão ouvido a voz, não dá entrevistas e não se deixa fotografar (os
instantâneos à saída das mediáticas assembleias-gerais do BCP são a exceção).
Os concorrentes elogiam a solidez técnica da construtora e a gestão competente
de Pedro Maria, apesar da reestruturação em curso que prevê continuar a
despedir para dar a volta aos prejuízos de 9 milhões de euros no primeiro
semestre de 2017. A família tem estado a vender ações para reduzir a dívida,
que supera os mil milhões de euros, e a empresa admite alienar o Lagoas Park,
um parque empresarial no município de Oeiras onde tem a sua sede.
O APARTAMENTO DA HERDEIRA
Dez anos passados sobre a guerra do BCP, a Teixeira Duarte
está de regresso aos títulos dos jornais. Em véspera de eleições autárquicas, a
adjudicação, sem concurso, das obras de 5,2 milhões de euros de estabilização
do miradouro de São Pedro de Alcântara, no centro de Lisboa, à construtora da
família após uma das herdeiras – Isabel Maria Teixeira Duarte, que os jornais
apresentam como neta do fundador e prima do atual presidente – ter vendido um
apartamento de luxo nas Avenidas Novas a Fernando Medina, com alegado prejuízo,
conduziu à abertura de um inquérito do Ministério Público por eventuais
suspeitas de favorecimento. No mesmo edifício, restaurado pela construtora,
residem três ex-ministros: Jaime Silva (sogro de Medina e ex-ministro do PS),
Celeste Cardona (ex-ministra do CDS) e Ricardo Bayão Horta (ex-ministro do CDS
e ex-chairman da Cimpor durante o domínio da Teixeira Duarte), o que não
escapou à análise dos media. Talvez numa alusão a Jardim Gonçalves, quando
afirma, na sua biografia, que o problema das grandes construtoras é que têm
sempre “muitos interesses dependentes do Estado”
Os contratos da Teixeira Duarte
Depois de Fernando Medina ter comprado um apartamento a uma
herdeira do grupo Teixeira Duarte, a Câmara entregou à construtora, por ajuste
direto, alegando urgência nos trabalhos, a estabilização do miradouro de São
Pedro de Alcântara, no centro histórico da capital, apesar do voto contra do
CDS. A obra, orçada em 5,2 milhões de euros, foi considerada de “urgência
imperiosa”, apesar dos pareceres do LNEC não apontarem nesse sentido. Antes, a
Teixeira Duarte tinha sido escolhida, também por ajuste direto, para a
reparação dos viadutos metálicos de Alcântara, no valor de 350 mil euros.
O portal Base, onde são registados os contratos públicos do
Estado e autarquias, indica três outros contratos entre a Câmara de Lisboa e a
Teixeira Duarte. Dois são do tempo de António Costa e só um é assinado por
Fernando Medina: uma aquisição de serviços para introdução de dados em
relatórios geológicos, por ajuste direto, no valor de 69 mil euros.
Nos últimos cinco anos, a Teixeira Duarte ganhou obras, por
ajuste direto, nos municípios da Maia, Ovar, Santa Maria da Feira, Salvaterra
de Magos, Serpa, Odemira, Vila do Bispo, Sintra e Oeiras, com a empreitada mais
valiosa a ultrapassar um milhão de euros neste último concelho, onde a empresa
tem a sua sede.
(Artigo publicado na VISÃO 1281, de 21 de setembro de 2017)
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