quinta-feira, 21 de março de 2024

Ponto de partida para os votos da emigração: “Não há maioria de esquerda”

 


LEGISLATIVAS 2024

19 março 2024 às 00h58

Ponto de partida para os votos da emigração: “Não há maioria de esquerda”

 

O politólogo Adelino Maltez, ao DN, garante que há dois dados sobre as eleições que não podem ser ignorados: a esquerda não capitalizou o suficiente e “o Chega foi quem mais venceu em termos de conquista eleitoral”. É com base neste princípio que Marcelo vai decidir.

 

Vítor Moita Cordeiro

https://www.dn.pt/7916706733/ponto-de-partida-para-os-votos-da-emigracao-nao-ha-maioria-de-esquerda/

 

Esta quarta-feira, serão conhecidos os resultados dos votos da Emigração, que vão acrescentar mais dados à equação incompleta das eleições de dia 10 de março, com PS e Aliança Democrática (AD) com uma diferença de dois mandatos. Mas os quatro deputados que serão eleitos com a decisão dos emigrantes portugueses na Europa e  fora do Velho Continente  poderão não ser suficientes para trazer um resultado inequívoco, e Marcelo Rebelo de Sousa terá de fazer uma escolha que determinará a força política que formará o próximo Governo.

 

“A única leitura correta dos resultados eleitorais é difusa: não há maioria de esquerda em Portugal e o Chega foi quem mais venceu em termos de conquista eleitoral. São dados relevantes para uma interpretação. Seria absurdo ignorá-los e nem um presidente de esquerda faria isso”, considerou ao DN o professor catedrático de Ciência Política do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa (ISCSP) José Adelino Maltez.

 

 “É a primeira vez que há uma maioria no hemiciclo deste género em Portugal. É nova. Como é que se vai resolver o assunto? Não sei. É o novo normal”, continua o politólogo, acrescentando que as eleições de 10 de março trouxeram uma maioria de direita à política portuguesa “que tem como sustentáculo um partido que se inscreveu na internacional europeia, dita da extrema-direita ou da direita radical”.

 

As mais recentes eleições legislativas em Portugal traçaram um novo horizonte de governação, com a AD, a coligação pré-eleitoral entre PSD, CDS e PPM, a eleger 79 deputados, se considerarmos que aos 1 758 035 eleitores que votaram nesta coligação se juntaram os 52 992 que, na Madeira, deram três mandatos ao PSD junto com o CDS.

 

Logo a seguir, ficou o PS, que, com 1 759 998 votos, elegeu 77 deputados. Perante este cenário, os quatro mandatos que faltam atribuir pelos círculos da Europa e de Fora da Europa podem fazer a diferença.

 

Mas o dia 10 de março trouxe também uma novidade ao equilíbrio político entre a esquerda e a direita: o Chega passou de um grupo parlamentar com 12 deputados para um com 48 e angariou 1 108 797 votos.

 

“Todas as notícias sobre as eleições portuguesas em jornais estrangeiros ressaltaram este ponto. Isto é uma leitura que é obrigatória fazer dos resultados eleitorais. Não digo que o Presidente tente um Governo entre o Chega e o PSD, porque ouviu as palavras sagradas do PSD.

 

Não pode forçar. Mas isso não significa construir um Governo de esquerda ou ajudar a construí-lo. Até porque o Presidente é eleito pela direita e diz que é de direita”, continua Adelino Maltez, aludindo a uma das promessas que o líder da AD, Luís Montenegro fez e sublinhou várias vezes durante a campanha, caso não conseguisse uma maioria absoluta, que foi o que aconteceu: “Desafiar todos os outros partidos a respeitarem a vontade popular e a encontrarem instrumentos no Parlamento que façam com que o Governo possa executar o seu programa, excluindo o Chega.” A lançar achas a esta fogueira complexa, Montenegro ainda prometeu que só governa se “ganhar as eleições”.

 

As probabilidades matemáticas existem, tanto à esquerda como à direita, mas é necessário perceber o que vai a jogo neste último dia antes de se apurar todos os votos para as legislativas. Ou a AD vence e Montenegro avança com um Governo minoritário de direita, ignorando o Chega, como terceira força política, ou, caso não consiga ser a força política mais votada, quebra o que prometeu, ganha mesmo tendo perdido as eleições, e ainda convida o Chega para uma solução governativa e com estabilidade, pelo menos em termos de mandatos no hemiciclo. E ainda há oito deputados da Iniciativa Liberal que poderiam juntar-se.

 

Por outro lado, o PS também pode ser o partido mais votado, depois de apurados os votos dos emigrantes, mas, mesmo com mais deputados do que qualquer outra força política, e mesmo que se virasse para o Bloco de Esquerda, PCP, Livre e PAN e os convidasse para uma nova geringonça, não conseguiria uma maioria de deputados dentro da Assembleia da República.

 

Assim, continua Adelino Maltez, “é um problema de profecia e de luta interna dentro do PSD, porque há um grupo que advoga isso [entendimentos com o Chega], há outro que não, e, portanto, Montenegro está a preparar o seu Governo e está a tentar que aquilo resulte durante dois meses, também não vai demorar muito tempo, são dois meses para mostrar o que vale”.

 

Este período apontado pelo politólogo é uma referência às eleições europeias, que, defende, são “um teste às eleições nacionais” e vão ter um efeito de “segunda volta” das legislativas, mas com a surpresa de o Chega poder ter uma queda, por já ter cumprido o aquilo que alguns eleitores terão escolhido ao votar no partido liderado por André Ventura: “Dar uma confusão enorme na política portuguesa.”

 

No entanto, para o investigador do ISCSP, “em termos políticos não há crise absolutamente nenhuma. 70% do programa do PSD é 70% do programa do PS. Portanto, há uma grande estabilidade com todos os objetivos essenciais”, aconteça o que acontecer depois de conhecidos os mais de 300 mil votos que se esperam pelos círculos da emigração.

 

“A diplomacia não está em crise, a justiça não está em crise, não estamos numa fase de vazio de poder, as empresas não estarão em crise, querem é um ministro que não complica as coisas”, continua o professor catedrático, acrescentando que “até temos um Orçamento do Estado aprovado” e “nem temos um défice imprevisível e acelerado, não temos problemas com o FMI [Fundo Monetário Internacional] e somos governados na maior parte das coisas pela Europa”.

 

As decisões lá de fora

Começaram ontem a ser contados no Centro de Congressos de Lisboa  os 299 322 votos que, até ao final da semana passada chegaram a Portugal vindos dos dois círculos da emigração (Europa e Fora da Europa). Ao contrário do que aconteceu em 2022, nas últimas legislativas, este ano, estes votos, poderão fazer toda a diferença a determinar qual é o partido vencedor.

 

Ao DN, o presidente da Associação de Autarcas Portugueses em França  (CIVICA), Paulo Marques, explicou que se espera uma maior participação dos emigrantes nestas eleições porque houve uma maior sensibilização por parte do Conselho das  Comunidades, dos movimentos associativos, por parte dos autarcas portugueses na Europa e pelo facto de haver muitos “emigrantes jovens recentes”.

 

A juntar a todo o esforço para que, nesta eleições, já tinham sido ultrapassados os 173 792 votos da emigração registados em 2022, Paulo Marques acrescenta que tudo isto surge como resposta a “oito anos de distância” criada em relação aos emigrantes.

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