EDITORIAL
A penúria da política britânica pós-“Brexit”
Afinal, a recuperação do controlo da soberania imaginado
no “Brexit” é uma mentira. No caso do “Miniorçamento” de Liz Truss, quem impôs
as regras foram os mercados.
Manuel Carvalho
14 de Outubro de
2022, 21:30
https://www.publico.pt/2022/10/14/mundo/editorial/penuria-politica-britanica-posbrexit-2024143
A política
britânica da era pós-“Brexit” tinha-se transformado numa série cómica,
principalmente com a chegada a Downing Street de Boris Johnson. Pouco mais de
um mês após a nomeação de Liz Truss, deu lugar a um drama. Um país europeu
reconhecido pela qualidade do seu pessoal político, pela estabilidade
institucional, pela razão e ponderação da acção dos governos parece agora a
encenação de uma novela cómica protagonizada por maus actores. Más notícias
para o Reino Unido, más notícias para a Europa.
A demissão do
ministro das Finanças, Kwasi Kwarteng, apenas 38 dias de tomar posse e 24 horas
após o próprio ter garantido que não ia a lugar nenhum é um sinal de desnorte
que descredibiliza a primeira-ministra. Mais grave ainda é a causa da
barafunda, um plano económico (um “Miniorçamento”) com que os conservadores
pretendiam recuperar a glória do thatcherismo e que acaba por ser derrotado por
imposição dos agentes aos quais pretendia agradar: os mercados financeiros.
É espantoso ver o
FMI ou os gurus da banca internacional a oporem-se ao travão a um aumento dos
impostos sobre empresas ou ao corte das taxas aplicadas aos mais ricos. Mas
ainda mais inacreditável é a incapacidade de Truss e do agora demitido Kwarteng
em preverem as consequências dos seus planos. Falhar as previsões acontece em
qualquer país, mas errar de forma tão clamorosa e recuar de forma tão
humilhante em tão curto período de tempo não é hábito na política britânica.
Truss agiu
acossada com o propósito de salvar a pele. Tinha de afastar Kwarteng para
evitar um novo ataque à libra, o disparo dos juros sobre as obrigações do
Estado, a ameaça das agências de rating ou uma nova intervenção do Banco de
Inglaterra. Mas, ao fazê-lo sob pressão, enterrou a sua credibilidade e a
respeitabilidade do Reino Unido. Será a partir de agora uma “primeira ministra
zombie”, como a designou Robert Shrimsley, no Financial Times. Só não sai de
imediato porque seria insustentável demiti-la tão poucos dias após a demissão
de Johnson.
O Reino Unido
parece ter entrado numa deriva preocupante. Mesmo fora da União, o país
continua a ser uma economia determinante, um poder militar importante e um
aliado na oposição à Rússia indispensável. A solidez da democracia britânica
evitará a ruptura das matrizes fundamentais do país, acredita-se. Mas é penoso
ver os britânicos neste estado e saber que em muitas chancelarias europeias há
quem se ria do destino que eles próprios traçaram.
Afinal, a
recuperação do controlo da soberania imaginado no “Brexit” é uma mentira. No
caso do “Miniorçamento”, quem impôs as regras foram os mercados.
EDITORIAL
The penury of
post-Brexit British politics
After all, the recovery of control of sovereignty
imagined in "Brexit" is a lie. In the case of Liz Truss's
"Mini-Budget," the markets were the ones who imposed the rules.
Manuel Carvalho
October 14, 2022,
21:30
https://www.publico.pt/2022/10/14/mundo/editorial/penuria-politica-britanica-posbrexit-2024143
British politics
of the post-Brexit era had become a comic series, especially with the arrival
in Downing Street of Boris Johnson. Just over a month after Liz Truss's
appointment, it gave way to a drama. A European country recognised for the
quality of its political staff, institutional stability, reason and weighting
of government action now seems to be the staging of a comic novel starring bad
actors. Bad news for the UK, bad news for Europe.
The resignation
of Finance Minister Kwasi Kwarteng, just 38 days after he took office and 24
hours after he himself assured that he was not going anywhere is a sign of
dismay that discredits the prime minister. Even more serious is the cause of
the barafunda, an economic plan (a "Mini-budget") with which the
Conservatives wanted to regain the glory of Thatcherism and which ends up being
defeated by the imposition of the agents to whom it intended to please: the
financial markets.
It is amazing to
see the IMF or international banking gurus owe the brake snowfall to an
increase in corporate taxes or to cut rates on the wealthiest. But even more
unbelievable is the inability of Truss and the now-dismissed Kwarteng to
predict the consequences of their plans. Failure to predict happens in any
country, but to err so clamorously and retreat so humiliatingly in such a short
period of time is not a habit in British politics.
Truss acted
bereaved for the purpose of saving his skin. It had to fend off Kwarteng to
prevent a further attack on the pound, the triggering of interest on state
bonds, the threat of rating agencies or a new intervention by the Bank of
England. But in doing so under pressure, it buried its credibility and the
respectability of the United Kingdom. She will now be a "zombie prime
minister", as Robert Shrimsley has called it in the Financial Times. It
just doesn't come out right away because it would be untenable to fire her so
few days after Johnson's resignation.
The UK seems to
have gone into a worrying drift. Even outside the Union, the country remains a
decisive economy, an important military power and an ally in opposition to
indispensable Russia. The solidity of British democracy will prevent the
rupture of the country's fundamental headquarters, it is believed. But it is
painful to see the British in this state and to know that in many European
chancelleries there are those who laugh at the fate they themselves have
traced.
After all, the
recovery of control of sovereignty imagined in "Brexit" is a lie. In
the case of the "Mini-budget", the markets were the ones who imposed
the rules.


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