sábado, 15 de outubro de 2022

A penúria da política britânica pós-“Brexit” / The penury of post-Brexit British politics

 



EDITORIAL

A penúria da política britânica pós-“Brexit”

 

Afinal, a recuperação do controlo da soberania imaginado no “Brexit” é uma mentira. No caso do “Miniorçamento” de Liz Truss, quem impôs as regras foram os mercados.

 

Manuel Carvalho

14 de Outubro de 2022, 21:30

https://www.publico.pt/2022/10/14/mundo/editorial/penuria-politica-britanica-posbrexit-2024143

 

A política britânica da era pós-“Brexit” tinha-se transformado numa série cómica, principalmente com a chegada a Downing Street de Boris Johnson. Pouco mais de um mês após a nomeação de Liz Truss, deu lugar a um drama. Um país europeu reconhecido pela qualidade do seu pessoal político, pela estabilidade institucional, pela razão e ponderação da acção dos governos parece agora a encenação de uma novela cómica protagonizada por maus actores. Más notícias para o Reino Unido, más notícias para a Europa.

 

A demissão do ministro das Finanças, Kwasi Kwarteng, apenas 38 dias de tomar posse e 24 horas após o próprio ter garantido que não ia a lugar nenhum é um sinal de desnorte que descredibiliza a primeira-ministra. Mais grave ainda é a causa da barafunda, um plano económico (um “Miniorçamento”) com que os conservadores pretendiam recuperar a glória do thatcherismo e que acaba por ser derrotado por imposição dos agentes aos quais pretendia agradar: os mercados financeiros.

 

É espantoso ver o FMI ou os gurus da banca internacional a oporem-se ao travão a um aumento dos impostos sobre empresas ou ao corte das taxas aplicadas aos mais ricos. Mas ainda mais inacreditável é a incapacidade de Truss e do agora demitido Kwarteng em preverem as consequências dos seus planos. Falhar as previsões acontece em qualquer país, mas errar de forma tão clamorosa e recuar de forma tão humilhante em tão curto período de tempo não é hábito na política britânica.

 

Truss agiu acossada com o propósito de salvar a pele. Tinha de afastar Kwarteng para evitar um novo ataque à libra, o disparo dos juros sobre as obrigações do Estado, a ameaça das agências de rating ou uma nova intervenção do Banco de Inglaterra. Mas, ao fazê-lo sob pressão, enterrou a sua credibilidade e a respeitabilidade do Reino Unido. Será a partir de agora uma “primeira ministra zombie”, como a designou Robert Shrimsley, no Financial Times. Só não sai de imediato porque seria insustentável demiti-la tão poucos dias após a demissão de Johnson.

 

O Reino Unido parece ter entrado numa deriva preocupante. Mesmo fora da União, o país continua a ser uma economia determinante, um poder militar importante e um aliado na oposição à Rússia indispensável. A solidez da democracia britânica evitará a ruptura das matrizes fundamentais do país, acredita-se. Mas é penoso ver os britânicos neste estado e saber que em muitas chancelarias europeias há quem se ria do destino que eles próprios traçaram.

 

Afinal, a recuperação do controlo da soberania imaginado no “Brexit” é uma mentira. No caso do “Miniorçamento”, quem impôs as regras foram os mercados.


EDITORIAL

The penury of post-Brexit British politics

 

After all, the recovery of control of sovereignty imagined in "Brexit" is a lie. In the case of Liz Truss's "Mini-Budget," the markets were the ones who imposed the rules.

 

Manuel Carvalho

October 14, 2022, 21:30

https://www.publico.pt/2022/10/14/mundo/editorial/penuria-politica-britanica-posbrexit-2024143

 

British politics of the post-Brexit era had become a comic series, especially with the arrival in Downing Street of Boris Johnson. Just over a month after Liz Truss's appointment, it gave way to a drama. A European country recognised for the quality of its political staff, institutional stability, reason and weighting of government action now seems to be the staging of a comic novel starring bad actors. Bad news for the UK, bad news for Europe.

 

The resignation of Finance Minister Kwasi Kwarteng, just 38 days after he took office and 24 hours after he himself assured that he was not going anywhere is a sign of dismay that discredits the prime minister. Even more serious is the cause of the barafunda, an economic plan (a "Mini-budget") with which the Conservatives wanted to regain the glory of Thatcherism and which ends up being defeated by the imposition of the agents to whom it intended to please: the financial markets.

 

It is amazing to see the IMF or international banking gurus owe the brake snowfall to an increase in corporate taxes or to cut rates on the wealthiest. But even more unbelievable is the inability of Truss and the now-dismissed Kwarteng to predict the consequences of their plans. Failure to predict happens in any country, but to err so clamorously and retreat so humiliatingly in such a short period of time is not a habit in British politics.

 

Truss acted bereaved for the purpose of saving his skin. It had to fend off Kwarteng to prevent a further attack on the pound, the triggering of interest on state bonds, the threat of rating agencies or a new intervention by the Bank of England. But in doing so under pressure, it buried its credibility and the respectability of the United Kingdom. She will now be a "zombie prime minister", as Robert Shrimsley has called it in the Financial Times. It just doesn't come out right away because it would be untenable to fire her so few days after Johnson's resignation.

 

The UK seems to have gone into a worrying drift. Even outside the Union, the country remains a decisive economy, an important military power and an ally in opposition to indispensable Russia. The solidity of British democracy will prevent the rupture of the country's fundamental headquarters, it is believed. But it is painful to see the British in this state and to know that in many European chancelleries there are those who laugh at the fate they themselves have traced.

 

After all, the recovery of control of sovereignty imagined in "Brexit" is a lie. In the case of the "Mini-budget", the markets were the ones who imposed the rules.


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