Cidadãos descontentes com novo regulamento da movida: “Isto
vai de mal a pior”
Grupo de cidadãos está a preparar carta para entregar na
Câmara do Porto. Novo regulamento, em discussão pública até ao fim do mês, não
é a solução que ansiavam. Policiamento permanente, fiscalização e pedagogia são
alguns dos pedidos
Mariana Correia
Pinto
22 de Junho de
2022, 7:08
Regulamento da
movida está em discussão pública até 30 de Junho
Agostinho Botelho
pôs a casa à venda. O privilégio de morar no centro do Porto transformou-se,
nos últimos anos, num pesadelo quase diário. Na Rua dos Mártires da Liberdade,
descansar fez-se um direito de cumprimento impossível. Os filhos mudaram-se, a
mulher está com uma depressão, ele sente-se fatigado de uma luta que diz
inglória. “Há sete anos que ando em reuniões de câmara, a apresentar queixas na
polícia, a chatear-me. E agora apresentam um regulamento que não resolve nada.
Isto vai de mal a pior”, diz ao PÚBLICO. Há dias, um grupo de cidadãos, com
moradores e comerciantes, reuniu-se para trocar ideias sobre o novo regulamento
da movida, apresentado pelo executivo no início de Maio e em discussão pública
até dia 30 deste mês. Este sábado, voltam a juntar-se para fechar uma “carta”,
com uma posição conjunta, a entregar à Câmara do Porto.
Patrícia
Figueiredo também se juntou ao grupo. Mora na Praça do Coronel Pacheco,
trabalha na Rua do Almada. Entre estes dois locais, tem testemunhado o
sofrimento de muita gente. A “tortura sonora” das noites e o direito a dormir
suspenso produziram níveis de ansiedade aumentados, muito stress, diagnósticos
de depressões. As ruas transformaram-se muitas vezes em casas de banho
públicas, o lixo espalhou-se, a segurança minguou. É uma realidade que Patrícia
Figueiredo, psicóloga de formação, ansiava ver em mudança com a ajuda do novo
regulamento. Mas o documento, diz, foi uma desilusão. “Prejudica ainda mais as
pessoas.”
O único negócio
que é “atingido” com esta nova regulamentação é “o dos pobres”, critica,
falando das mercearias e lojas de conveniência, cujos horários ficam mais
limitados. No resto, continua Patrícia, a possibilidade de alargar horários
existe e será agrura aumentada para moradores. É possível, por exemplo, que os
estabelecimentos solicitem um alargamento de horário por mais duas horas – algo
com o qual não concorda. As esplanadas podem funcionar até 30 minutos após o
encerramento do espaço fechado.
“Este novo
regulamento foi feito por causa das queixas dos moradores e vem piorar a nossa
vida.” O lamento de Agostinho Botelho, de 60 anos, junta-se a uma contundente
crítica à possibilidade de alargamento dos horários dos estabelecimentos –
mesmo que a venda de bebidas alcoólicas ao postigo e a possibilidade de
circular com o copo na mão passe a estar limitada até às 21h, como está
previsto. Para o morador da “rua mais barulhenta do Porto”, a situação – que é
já “caso de saúde pública” – só lá vai com mais policiamento. E de forma
permanente.
Agostinho Botelho
já perdeu a conta ao número de vezes em que ligou para a PSP ou para a Polícia
Municipal a pedir ajuda. Tal como perdeu a conta das irritações à conta do jogo
do empurra”: uma diz que a responsabilidade é da outra.” Na sua rua, chegam a
juntar-se “para cima de 1000 pessoas”, a beber, com colunas de músicas, a
consumir e traficar drogas, a conversar em alta voz até de madrugada. Quando a
polícia chega, dispersam, calam-se, desligam a música. Quando a polícia se
afasta, o problema volta. “É impossível descansar”, lamenta.
Pedagogia precisa-se
A conciliação
entre a vida de quem mora nestas zonas e de quem tem negócios nela não é
impossível. Palavra de Leonel Sousa, que tem um bar no Campo dos Mártires da
Pátria há uma década e acredita que é possível um “equilíbrio”. Esse objectivo,
porém, não será conseguido com o novo regulamento, avalia: “Não resolve o
problema dos moradores e inviabiliza o comércio.”
O foco, pede, tem
de ser colocado nos consumidores. Criar regras, apostar em polícia permanente,
ter fiscalização dissuasora, fazer pedagogia. “Sinto que sobre os comerciantes
recai todos os pesos: cumprir, fazer cumprir. Não é justo.” A prova de que não
é esse o caminho foi dada durante a pandemia, exemplifica: com os
estabelecimentos encerrados, a vida dos moradores não melhorou – pelo
contrário. “Houve mais agressões, insegurança, ruído, colunas de música,
bebidas na rua. É sobretudo a prática das pessoas que tem de mudar, não a dos
estabelecimentos.”
Patrícia
Figueiredo concorda. O novo regulamento devia prever uma “forte componente
pedagógica, quer nos aeroportos, quer nas ruas”, aponta, para logo lamentar que
a Câmara do Porto “ignore” essa necessidade. “Há espaço para essa pedagogia.
Avisar as pessoas [que estão a divertir-se nas ruas] que há gente a viver ali e
a tentar descansar. A maior parte é sensível a isso.”
A fiscalização é
outro problema do novo regulamento. “Esse parágrafo é exactamente igual ao do
anterior regulamento”, critica a moradora, referindo-se ao artigo 17.º do novo
regulamento, que, como o PÚBLICO confirmou, nada acrescenta ou altera
relativamente ao documento com quatro anos. “Não se diz quem, quando e como
fiscaliza.” E se há ponto em que moradores e comerciantes estão de acordo,
continua, o da segurança (ou da falta dela) é um deles: “Há falta de
policiamento. E uma demissão completa da câmara neste capítulo.”

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