LISBOA
Conversão de garagem modernista em Continente gera
críticas
PCP, BE e Fórum Cidadania lamentam aprovação do projecto
e pedem maior debate sobre a Almirante Reis. BE diz que as obras arrancaram sem
licença, Sonae desmente e a câmara encontrou “trabalhos de limpeza”.
João Pedro Pincha
24 de Abril de
2021, 7:32
Uma garagem
modernista da Rua da Palma que está classificada como Imóvel de Interesse
Público vai ser transformada num supermercado Continente. O projecto de
arquitectura foi aprovado na semana passada pela Câmara de Lisboa e motivou
críticas do PCP, do BE e do Fórum Cidadania Lx.
A Garagem Liz
situa-se junto ao Chafariz do Desterro e encontra-se em avançado estado de
degradação, embora ainda lá funcionem alguns negócios. Segundo a proposta
aprovada na autarquia com os votos favoráveis do PS, do CDS e do PSD, a Modelo
Continente Hipermercados (Sonae MC) é uma das inquilinas do espaço e pretende
transformá-lo num supermercado com parque de estacionamento no piso superior.
Está prevista “a substituição das caixilharias exteriores, mantendo o desenho
do alçado original, a demolição da compartimentação interior existente” e “a
reconstrução da cobertura”, lê-se no documento que foi a votos.
Esta não é a
primeira vez que a cadeia de retalho do grupo Sonae (também proprietário do
PÚBLICO) instala superfícies comerciais em antigas garagens. Aconteceu, por
exemplo, na Av. Defensores de Chaves. Mas tratando-se de um edifício modernista
de 1933, projectado por Hermínio Barros com pormenores Arte Nova, que está
classificado como Imóvel de Interesse Público desde 1983 e que integra a Carta
Municipal do Património, várias vozes se levantaram contra o projecto.
João Ferreira,
vereador do PCP e candidato autárquico pela CDU, foi uma delas. “Estamos a
falar de um edifício classificado que vai sofrer uma alteração profunda.
Recomendava-se um outro tipo de uso que não um supermercado”, opina. Para além
das dúvidas que lhe suscita o projecto arquitectónico, o eleito comunista diz
que “há um conjunto de problemas de tráfego que não estão resolvidos” porque,
apesar de não ter “a dimensão de um supermercado”, “estamos perante mais uma
grande superfície”.
Sobre este ponto,
João Ferreira acrescenta ainda que “o impacto no comércio local não foi
acautelado”, o que testemunha “uma total ausência de planeamento para um eixo
estruturante da cidade como é a Almirante Reis”. O vereador acusa o executivo
de Fernando Medina de ter “uma visão que deixa nas mãos do promotor o
desenvolvimento da cidade”, lembrando que mais acima foi aprovado o projecto
para o quarteirão da Portugália que prevê 25% de uso turístico. “Uma via
estruturante da cidade é o que o mercado quer que seja”, critica. “Temos mesmo
de pensar no que queremos para ali.”
O BE foi mais
longe ao afirmar em comunicado, assinado pela candidata autárquica Beatriz
Gomes Dias, que “as obras no local iniciaram-se antes de o projecto ser
aprovado” e que “vai questionar formalmente Fernando Medina sobre a legalidade
deste início de obras”. Questionada pelo PÚBLICO, a Sonae MC diz que “ainda não
iniciou as obras na Garagem Liz” e que estas “terão início após licenciamento”.
Ainda só foi aprovado o projecto de arquitectura, faltando a autarquia
pronunciar-se sobre os projectos de especialidades antes de emitir o alvará de
construção.
Já a câmara
informou que “a fiscalização deslocou-se hoje [sexta-feira] ao local e foi
possível visualizar a existência de trabalhos de limpeza e zonas desactivadas”.
Contudo, “não se encontrava ninguém no local”, pelo que o município decidiu
“notificar o proprietário para aceder ao imóvel e aferir devidamente a natureza
da intervenção e adoptar medidas”, “por forma a garantir que não está em causa
a destruição de valores patrimoniais eventualmente existentes”.
No mesmo
comunicado, o BE diz também – erradamente – que este é um dos processos
urbanísticos que está a ser investigado pelo Ministério Público e que levou
inspectores da Polícia Judiciária a fazer buscas na autarquia esta terça-feira.
Mas o “edifício Continente” referido pela câmara no comunicado que lançou sobre
essas buscas é outro, fica no Lumiar. Fonte bloquista justifica que se baseou
numa notícia do Expresso.
Beatriz Dias
acusa Fernando Medina de ter “uma política urbanística de mãos dadas com os
grandes negócios” e de ter aprovado o projecto “à medida do grande investidor”,
referindo que tanto a Direcção-Geral do Património Cultural como o departamento
de Mobilidade da câmara emitiram pareceres com condicionantes antes de o
supermercado ser aprovado. “O Bloco mantém que esta obra não deve continuar e o
património deve ser preservado”, diz o comunicado, que também “exige a máxima
transparência” sobre o assunto.
O Fórum Cidadania
Lx, por sua vez, lamentou em carta endereçada a Medina que a câmara não tenha
exercido o direito de preferência para adquirir a garagem e reabilitá-la para
“oferecê-la à população como estacionamento para residentes e comerciantes”. O
movimento cívico diz-se preocupado com a intervenção prevista no imóvel. “É
preciso que todos tenhamos a consciência [de] que não é apenas a fachada que
está classificada mas sim o edifício como um todo, por ser um testemunho
notável de um momento histórico particular, com a sua cuidada proposta estética
e técnica plasmada num novo sistema construtivo que se celebrava com orgulho.”

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