quarta-feira, 17 de abril de 2024

7 de Outubro de 2020: O regime está podre – e Marcelo é cúmplice

 



João Miguel Tavares

OPINIÃO

O regime está podre – e Marcelo é cúmplice

 

Marcelo é tão responsável pela nomeação de José Tavares para o Tribunal de Contas como António Costa. O contínuo apodrecimento do regime democrático português é um trabalho que está a ser feito a duas mãos.

 

7 de Outubro de 2020, 11:18

https://www.publico.pt/2020/10/07/opiniao/opiniao/regime-podre-marcelo-cumplice-1934275

 

De António Costa já se sabe que podemos esperar cada vez menos. Após um primeiro mandato em que ele, por causa do impacto da Operação Marquês e das próprias características da “geringonça”, fez algum esforço por se afastar da cultura socrática que afundou moralmente a democracia portuguesa e arrastou o país para a bancarrota, aquilo a que temos assistido nos últimos tempos é pouco menos do que um filme de terror.

 

Tenho obsessivamente chamado a atenção para isso nesta página. Por vezes são casos que ganham alguma dimensão pública, como o da procuradora Ana Mendes de Almeida, afastada por opção do Governo de um concurso europeu importantíssimo que ganhou por mérito próprio. Outras vezes são casos que passam praticamente despercebidos, mas cuja relevância é gigantesca, como a nomeação de Vítor Escária para seu chefe de gabinete. Há ainda casos clássicos de velhos boys preparados para todos os fretes ao poder, como está a acontecer com a destruição da independência do Conselho Geral Independente da RTP.

 

A conjugação destas histórias dispersas não deixa margem para dúvidas: o PS entrou em modo bulímico, açambarcando tudo o que pode, controlando tudo o que mexe e não deixando ponta solta se puder atá-la. O cheiro dos milhões da bazuca cruzado com o cheiro da crise fez disparar a pituitária socialista, que age como um vampiro que há muitos anos não vê pescoço. O objectivo é sempre o mesmo: controlo, controlo, controlo. O padrão é evidente: poder, poder, poder.

 

 Mas se de António Costa podemos esperar cada vez menos, a pergunta que se impõe é: onde está Marcelo? O que anda ele a fazer? Que utilidade dá à sua popularidade estratosférica? O Presidente da República foi cúmplice no afastamento de Joana Marques Vidal, foi cúmplice na nomeação de Mário Centeno para o Banco de Portugal e volta a ser cúmplice no pontapé nos fundilhos do presidente do Tribunal de Contas.

 

Às vezes Marcelo parece que está a brincar connosco. Na terça-feira ao final da tarde deixava um recado no Expresso: dizia que Vítor Caldeira tinha sido “um óptimo presidente do Tribunal de Contas”, que o elogiou “várias vezes”, e que aguardava que António Costa lhe propusesse um novo nome dentro “da mesma linha” e “exactamente com o mesmo grau de exigência”. Na terça-feira ao início da noite estava a nomear José Tavares.

 

Ainda que em Belém possam faltar bons conselheiros a Marcelo Rebelo de Sousa, imagino que pelo menos não lhe falte internet. Tendo em conta a sensibilidade na escolha do novo nome para o Tribunal de Contas, podia ao menos ter pesquisado um bocadinho – e, como não o tenho por conta de político amador, acho obviamente que pesquisou

Assim que recebi a notícia, a primeira coisa que fiz foi googlar “conselheiro José Tavares”. E a única coisa que me apareceu, acerca da sua intervenção pública no reino de Portugal nos últimos anos, foram notícias em que o seu nome aparece cruzado com o de Paulo Campos, com o de Mário Lino, com o de Guilherme Dray e com essa monumental desgraça que foram as PPP rodoviárias no tempo de José Sócrates – todos juntinhos (inclusive ao fim-de-semana) num cambalacho para garantir que as subconcessões rodoviárias recebiam o visto favorável do Tribunal de Contas. Entretanto, Luís Rosa já contou a edificante história no Observador.

 

Ainda que em Belém possam faltar bons conselheiros a Marcelo Rebelo de Sousa, imagino que pelo menos não lhe falte internet. Tendo em conta a sensibilidade na escolha do novo nome para o Tribunal de Contas, podia ao menos ter pesquisado um bocadinho – e, como não o tenho por conta de político amador, acho obviamente que pesquisou. Donde, Marcelo é tão responsável por esta nomeação como António Costa. O contínuo apodrecimento do regime democrático português é um trabalho que está a ser feito a duas mãos.

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