domingo, 28 de junho de 2020

Lei dos Sefarditas entregou Portugal numa bandeja / A nacionalidade por naturalização dos descendentes de judeus sefarditas: em busca de um equilíbrio de valores e princípios




OPINIÃO
Lei dos Sefarditas entregou Portugal numa bandeja

Em 1497, alguns judeus sefarditas, por firme convicção religiosa, abandonaram Portugal, com dignidade. Não permitamos que outros se aproveitem da sua memória e aviltem os seus sagrados valores.

Paulo de Morais
29 de Junho de 2020, 0:15

A Lei da Nacionalidade, que veio permitir a descendentes de judeus sefarditas adquirir nacionalidade portuguesa, sem quaisquer limites, é uma lei bondosa, com pressupostos generosos; concede a nacionalidade aos “herdeiros” dos judeus expulsos por D. Manuel I em 1497. Mas, na prática, esta Lei tem-se revelado um erro crasso, pois transformou-se num incentivo ao tráfico descontrolado de passaportes.

Quando D. Manuel expulsou os judeus sefarditas não imaginaria certamente que, mais de 500 anos volvidos, ainda se sentiriam efeitos dessa sua retumbante decisão. À época, aquando da publicação do édito de expulsão, a maioria, dezenas de milhar, optaram por se converter ao cristianismo, tornando-se cristãos-novos. Foram muto poucos os que abandonaram o reino, segundo Alexandre Herculano. Penso que terá sido a percepção (errada!) de que estes poucos sefarditas teriam escassos sucessores que inspirou a alteração à Lei que, desde 2015, atribui a nacionalidade portuguesa a todos os descendentes dos judeus então expulsos. Foi um colossal erro de cálculo: os descendentes dos que saíram podem hoje ser da ordem das centenas de milhões, volvidas que são mais de 15 gerações.

Sendo quase ilimitado o número de cidadãos em condições de obter a cidadania portuguesa, pela via da descendência sefardita, é expectável que a cidadania seja atribuída apenas aos que tenham alguma ligação a Portugal: a quem ostente um apelido português e possua o domínio do ladino, a língua que nos aproxima, critérios que a Lei considera factores de conexão efectiva ao país. Mas, na prática, não tem sido assim! Nos últimos anos, apenas se tem imposto aos candidatos à nacionalidade a apresentação de um certificado passado pela Comunidade Judaica Portuguesa. Assim, usando este alçapão, muitos milhares obtiveram a nacionalidade portuguesa de pleno direito.

Assistiu-se até a uma agressiva campanha de propaganda, visando a venda de passaportes portugueses, junto dos muitos milhões de potenciais interessados. A Comunidade Judaica do Porto anunciou profusamente, nos últimos anos, que atribuiria certificados “a quem não tivesse apelido português e não conhecesse o ladino”, anunciando mesmo que “nem sequer seria necessário o candidato vir pessoalmente a Portugal para obter a nacionalidade”. Esta Comunidade – sob o domínio do jurista João Roseira Garrett – tornou-se assim um dos maiores prescritores de passaportes portugueses. Para tal, Garrett muito tem beneficiado do apoio de sua tia, uma das maiores defensoras da lei vigente, Maria de Belém Roseira. Mas também algumas sociedades de advogados exploram este verdadeiro filão, como a Mayer Jardim, em cuja página de abertura de site se publicita precisamente a venda de nacionalidade portuguesa.

Esta legislação facilitista foi desvirtuada e transformou-se num instrumento de tráfico de passaportes, através do qual se mercantiliza a condição de cidadão português

A agressividade comercial deste negócio acentuou-se nos últimos meses. Porquê? Porque Espanha, que até 2019 também concedia nacionalidade aos descendentes de sefarditas da Castela e Aragão (embora em condições muito mais rigorosas), cancelou essa possibilidade. Tal facto tornou mais apetecível e mais valioso o passaporte português, agora a única via de obter a condição de cidadão europeu. Não é pois de admirar que na América Latina, na Turquia e em Israel se tenha intensificado a “venda” agressiva de passaportes portugueses. Há empresas que vão ao ponto de os publicitar em anúncios de rua ou até de apresentar Portugal numa bandeja, como sucede com a israelita Portugalis. Como o passaporte português concede cidadania europeia, há sites a anunciar que, com este documento oficial, se “pode obter benefícios fiscais na Europa, entrar nos Estados Unidos sem visto, trabalhar e viver na Europa indefinidamente e estudar de graça em instituições de ensino europeias”. Bem valioso!

Seduzidos por estes apelos, só em 2019, solicitaram passaporte, através deste sistema, mais de 25.000 candidatos, a maioria dos quais não conhece Portugal; já nos primeiros quatro meses deste ano, os pedidos de nacionalidade por via da descendência de judeus sefarditas foi o dobro dos pedidos de nacionalidade por todos os outros motivos. Esta legislação facilitista foi assim desvirtuada e transformou-se num instrumento de tráfico de passaportes, através do qual se mercantiliza a condição de cidadão português.

Em 1497, alguns judeus sefarditas, por firme convicção religiosa, abandonaram Portugal, com dignidade. Não permitamos que outros, cuja religião é apenas o dinheiro, se aproveitem da sua memória e aviltem os seus sagrados valores.

OPINIÃO
A nacionalidade por naturalização dos descendentes de judeus sefarditas: em busca de um equilíbrio de valores e princípios

Dá-se plena expressão ao nobre objetivo da Lei de 2013, de promover o regresso dos descendentes de judeus sefarditas ao seio do povo português.

Constança Urbano de Sousa
20 de Maio de 2020, 0:50

Muito se tem escrito e dito sobre proposta do PS que visa alterar o regime especial de naturalização dos descendentes de judeus sefarditas, adjetivando-a, incompreensivelmente, de antissemita ou qualificando-a como um erro histórico.

O primeiro equívoco reside logo na perceção de que se trata de dar a nacionalidade portuguesa a judeus sefarditas, ou seja, judeus originários da Península Ibérica. Tal não é assim, pois a lei aplica-se aos seus descendentes, independentemente de serem, hoje, judeus, cristãos, muçulmanos ou simplesmente não terem nenhuma religião. Em segundo lugar, não se pretende revogar este regime especial (o que seria um erro histórico), mas tão só densificar o seu objetivo que é e sempre foi “promover o retorno dos descendentes dos judeus expulsos ou dos que fugiram do terror da Inquisição ao seio do seu povo e da sua nação portuguesa”, como se lê no projeto de Lei do PS que deu origem a este regime, em 2013. Ou, como pretendeu o CDS-PP, concretizar o genuíno desejo dos descendentes de judeus sefarditas de recuperar a nacionalidade portuguesa dos antepassados, que esbarrava no facto de a Lei prever uma forma de naturalização puramente discricionária de descendentes de portugueses, para além da dificuldade inerente a uma prova documental que teria de recuar mais de 500 anos.

Por isso, em 2013, PS e CDS-PP propuseram, em nome de uma reabilitação ou justa reparação histórica, um regime especial que permite conceder a nacionalidade portuguesa aos que descendem de judeus sefarditas com base em elementos de prova objetivos como o apelido, o idioma familiar (ladino), a genealogia ou a memória familiar.

E foi este regime que permitiu a milhares de descendentes de judeus originários da Península Ibérica adquirir a nacionalidade portuguesa, pouco importando se, hoje, são judeus, se alguma vez visitaram Portugal ou se falam uma palavra de português, já que a lei a este respeito não faz qualquer exigência.

Por outro lado, ninguém pode ignorar que, muitas vezes, a mais nobre das intenções corre o risco de ser desvirtuada. O facto de Portugal estar integrado na União Europeia dá à nacionalidade portuguesa uma dimensão adicional inerente à Cidadania Europeia, permitindo a livre circulação e direito de residência em qualquer Estado-Membro e a isenção de vistos para entrar em cerca de 185 países do Mundo. E esta é uma vantagem inegável de quem tem um passaporte português, mas da qual também decorrem obrigações adicionais perante estes nossos parceiros.

Que o diga Blaise Baquiche, jovem britânico, que contou, recentemente, a sua “jornada pessoal para recuperar o passaporte europeu” ao The New European. Filho de mãe católica, educado numa escola anglicana, sabia que a família do pai era sefardita oriunda do Egipto. Como confessa, até ao “Brexit” nunca se sentiu judeu sefardita, mas foi esta sua condição de descendente que lhe permitiu alcançar o seu objetivo, manter-se cidadão da UE. Preferiu pedir a nacionalidade portuguesa, “por ser mais fácil que a espanhola”, pois o processo especial de naturalização de descendentes de judeus sefarditas em Espanha, que terminou em outubro de 2019, impunha requisitos adicionais, como a aprovação num teste de conhecimento de língua espanhola e prova de integração na sociedade espanhola, que ele não poderia cumprir. Assim, provou que era descendente de judeus sefarditas através da Ketuba (certificado matrimonial adornado em estilo sefardita, usado na comunidade do Cairo) dos seus avós paternos, originários do Egipto. Confessa que sentiu estranheza por pedir a nacionalidade de um país com o qual não tem qualquer conexão cultural ou emocional, mas esta foi a única via que encontrou para manter todos os seus direitos de cidadão da UE. Se Blaise fosse neto de um emigrante português originário de Bragança, do Porto ou dos Açores não teria, hoje, o seu desejado passaporte europeu, pois teria de ter provado uma efetiva ligação à comunidade nacional, materializada no conhecimento da língua portuguesa e em contactos regulares com Portugal, o que só é obrigatoriamente reconhecido se residir aqui 5 anos ou, sendo estudante, residir três anos (artigo 1.º e artigo 10.º-A do Regulamento da Nacionalidade).

A história de Blaise é semelhante à de várias pessoas que pedem a nacionalidade portuguesa por esta via. Porém, sendo a nacionalidade a expressão de um qualquer vínculo entre uma pessoa e a comunidade a que se pertence (porque se nasceu no território, porque o progenitor é português, porque se é membro de uma família portuguesa, porque aqui se reside e se partilham as venturas e desventuras de um Povo, porque com a comunidade se tem uma qualquer ligação efetiva e genuína) não deixa de causar apreensão que a nacionalidade portuguesa seja representada principalmente como um vantajoso passaporte europeu. Naturalmente existe também a história de muitos descendentes de judeus sefarditas, que sentem uma ligação afetiva e genuína a Portugal e à pátria dos seus ancestrais antepassados. E foi para eles que esta Lei foi pensada, tendo-lhes permitido, durante um período de sete anos, a possibilidade de concretizarem o seu desejo genuíno de recuperar a nacionalidade dos antepassados, sem necessidade de falar português ou sequer de visitar Portugal.   Mas a verdade é que tal como está formulada, a Lei também permite dar a nacionalidade portuguesa a quem não tem qualquer ligação efetiva ou mesmo afetiva ao País. Basta fazer como o Blaise ou pagar os serviços de alguém que o faça.

Pedir a demonstração de elementos que comprovem uma ligação atual a Portugal e, portanto, um interesse genuíno em fazer parte integrante do Povo português, não me parece ser um sacrifício, antes é uma consequência lógica de tal sentimento de pertença. E não se diga que a exigência de uma tal ligação, aferida de forma objetiva, anula o objetivo da lei, ou que a medida é antissemita. Por um lado, preserva-se um regime especial e mais vantajoso que permite a um descendente de judeu sefardita aceder à nacionalidade, fazendo, assim, uma discriminação positiva, em nome da conciliação histórica. Por outro lado, dá-se plena expressão ao nobre objetivo da Lei de 2013, iniciada em boa hora por Maria de Belém e José Ribeiro e Castro, de promover o regresso dos descendentes de judeus sefarditas ao seio do povo português e retomar com eles um laço de ligação genuína e efetiva, que terá expressão na nacionalidade portuguesa que não é, nem nunca poderá ser, apenas um passaporte europeu.

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