sexta-feira, 3 de março de 2017

Fernando Medina opõe-se à aplicação de restrições legais ao alojamento local / Os efeitos da Turistificação de Lisboa por ANTÓNIO SÉRGIO ROSA DE CARVALHO


Os efeitos da Turistificação de Lisboa
Cada vez mais gente e menos lisboetas. Câmara entrega a gestão da habitação ao aluguer online de alojamento para férias

ANTÓNIO SÉRGIO ROSA DE CARVALHO
23 de Novembro de 2016, 9:45

Fernando Medina não acompanha a Imprensa internacional. Se o fizesse, ter-se-ia apercebido de uma avalanche de notícias na Imprensa local de Nova Iorque e de várias cidades Europeias sobre os efeitos perversos conjugados e interactivos da Turistificação desenfreada, da Globalização desmedida e da Gentrificaçào galopante na vida quotidiana dos habitantes locais nestas cidades.

Um clamor profundo, uma agitação permanente de insatisfação e um desejo urgente e imperativo de mudança, de regulamentos, de fiscalização e de liderança por parte dos habitantes, ameaça traduzir-se em consequências políticas, e faz acordar os autarcas.

Temos ouvido sobre as situações em Barcelona e Berlim e das condições impostas à AIRBNB que vão desde a proibição total na capital alemã até à imposição de um rigoroso regulamento na cidade da Catalunha.

Numa longa luta do Municipal com a Airbnb [aluguer de alojamento para férias], Nova Iorque quer agora proibir o aluguer de alojamentos através da AIRBNB por um período inferior a 30 dias. Medida destinada a proteger a cidade dos efeitos perversos das estadias curtas / low cost do turismo barato, massificado, predador e desinteressante. Densidade intensa de ocupação do espaço físico sem interesse económico e mais valias financeiras, a não ser, para os estabelecimentos também eles “predadores” do comércio tradicional, ou seja, “comes e bebes” e “quinquilharia” pseudoturística em dezenas de lojas asiáticas e afins.

A 6 de Outubro, o “Guardian” publicou um conjunto de três artigos sobre a interligação destes temas, tendo um deles sido dedicado à relação de Amsterdão com a AIRBNB.

Embora Amsterdão tenha imposto um regulamento claro à Airbnb, ocupação máxima de 60 dias por ano e o máximo de quatro pessoas por edifício, os efeitos sociais de descaracterização dos bairros têm sido devastadores. O investimento especulativo junto à forte subida do preço da habitação (também no aluguer a “expats” do mundo empresarial ) está a expulsar progressivamente os habitantes locais, transformando os bairros em plataformas rotativas e contínuas de “idas e vindas” de forasteiros híper individualizados e indiferentes aos locais, e a transformar os antigos bairros em locais alienados onde ninguém se conhece e onde reina o anonimato.

Amsterdão tem fiscalizado intensamente a ocupação através da Airbnb mas é confrontada com a recusa pela própria Airbnb de fornecimento de dados. Num espaço limitado fisicamente como a pitoresca Amsterdão, a invasão turística low-cost / aluguer Airbnb, está a levar a efeitos explosivos no trânsito, no comércio local onde pululam as lojas de vocação turística e de souvenirs e está a provocar uma avalanche de insatisfação traduzida em irritação ou animosidade explícita para com o turismo.

De tal forma que, muito recentemente, a autarquia fez um discurso explícito inteiramente dedicado a estes temas, onde anunciou uma atitude de exigência e fiscalização ainda mais rigorosa para com a Airbnb, medidas legislativas em conjunto com Haia que tornem possível a escolha do tipo de lojas a instalar em cada rua e uma atitude nítida de selecção do tipo de turismo, numa definição e escolha dirigida à clara diferenciação entre o turismo desejável e indesejável.

Numa entrevista publicada a 18 de Janeiro no PÚBLICO, o Director Ibérico da Airbnb anunciava orgulhoso: “A evolução em 2015 face ao ano anterior foi de 65%. Portugal está no 11.º lugar mundial em termos de anúncios na Airbnb, num ranking liderado pelos EUA. A Airbnb captou um milhão de pessoas em 2015.”

Orgulhoso, e claro, satisfeito. A Airbnb não está sujeita a qualquer tipo de regulamento, exigência ou fiscalização em Portugal. Mais. A AIRBNB colabora com a Autarquia e o Governo, de forma a que os impostos sejam cobrados ao Alojamento Local. Estes aumentaram.

Mas os efeitos devastadores são ignorados ou mesmo negados por Fernando Medina que se tem mostrado irónico ou furtivo sobre estes problemas fundamentais para o presente e o futuro estratégico da cidade de Lisboa.

Que este se torne o tema fundamental de discussão de todas as forças políticas em direcção às eleições autárquicas, é um imperativo. Não se trata de cor política, mas de um tema Universal de Ecologia Urbana e de equilíbrio salutar no organismo vivo que constitui uma verdadeira cidade.

A Turistificação desenfreada, a Globalização desmedida e a Gentrificação galopante estão a matar as cidades.

Historiador de Arquitectura

Fernando Medina opõe-se à aplicação de restrições legais ao alojamento local
POR O CORVO • 3 MARÇO, 2017 •

O presidente da Câmara Municipal de Lisboa confessa ser contra a aplicação, neste momento, de restrições legais à actividade de exploração comercial do alojamento local em apartamentos. “Defendo a imposição de regras relacionadas com a qualidade de vida das pessoas que vivem nesses prédios, mas tenho dúvidas quanto à aplicação de restrições administrativas importadas de outros países”, afirmou Fernando Medina, durante a última reunião descentralizada do executivo camarária, realizada na noite de quarta-feira (1 de março), durante a qual o assunto foi amplamente debatido. “É errado atribuir ao alojamento local a parte principal da pressão sobre os preços que se está a registar na habitação, nas zonas do centro histórico da cidade”, afirmou ainda. A culpa, diz, é das taxas de juro baixas, que são um isco para os investidores imobiliários.

O encontro – realizado no Palácio da Independência, no Largo de São Domingos, e destinado a auscultar residentes das freguesias de Misericórdia, Santa Maria Maior e Santo António – acabou, aliás, por ser dominado pela discussão em torno da crescente pressão da actividade turística sobre a qualidade de vida e, em particular, da habitação. Foram muitas as vozes, de moradores e de autarcas, a queixarem-se do aparente rumo em sentido único que os bairros do coração da capital estarão a tomar, numa reunião que terminou à 1 hora da madrugada. Tanto que, a certa altura, quando um munícipe perguntou se a ideia prevalecente na autarquia seria a de assumir a especialização dessa área como distrito turístico, Medina deu início a uma longa digressão retórica, em tom justificativo. “A especialização de uma zona só na função turística ditará o fim dessa zona enquanto fonte de atracção turística. Isso é claro”, afirmou.

O autarca socialista reconheceu a complexidade do cenário, admitindo a necessidade de serem encontrados “instrumentos” para lidar com a nova realidade, mas sempre foi avisando que “não existem medidas neutrais” e “que não tenham outros impactos”. “Esta situação está a evoluir rapidamente. Há aqui uma realidade muito particular, de um conjunto muito reduzido de freguesias onde o fenómeno da intensidade turística é muito superior à restante”, afirmou, antes de avançar para uma explicação do que considera serem as principais causas do actual fenómeno turístico, com consequências bem dramáticas no mercado de arrendamento para habitação de longa duração – as quais, diz, “não resultam, em primeiro lugar, do fenómeno da dimensão do turismo”.

Para o presidente da câmara, a pressão na procura de apartamentos “resulta de uma situação prolongada de taxas de juro muito baixas e de afluxos de investimento para aquisição de casa própria, seja por estrangeiros ou por nacionais”. Diagnóstico que leva Fernando Medina a pedir “prudência em fazer analogias com os casos de outros países e com as medidas dos outros países, com realidades muito diferentes”, os quais impuseram fortes restrições legais à exploração com fins turísticos de casas particulares – como sucedeu em cidades como Berlim, Nova Iorque ou Barcelona.

“Todas as questões relacionadas com o alojamento local têm por trás uma questão clara de distribuição de rendimentos. Há países onde as medidas restritivas foram adoptadas por pressão da indústria hoteleira, porque, no fundo, a restrição do alojamento local significa a limitação da oferta de camas”, afirmou. Algo que, sugeriu, não faria sentido aplicar na capital portuguesa, por possuir características muito particulares.

“Mais de 70% da oferta do alojamento local de Lisboa corresponde a unidades isoladas em prédios. Isto significa que a parte mais importante da oferta de alojamento local da cidade não é uma oferta organizada por proprietários de prédios inteiros, mas que é assegurada por particulares, que têm as suas casas colocadas no mercado. Ora, isto tem um efeito do ponto de vista económico, social e das condições de vida de muitas pessoas nesta cidade”, considerou, admitindo que “é precisamente neste prédios que se dão os maiores conflitos com a qualidade de vida dos residentes”.

“Num edifício onde haja um ou dois apartamentos dedicados ao alojamento local e, em simultâneo, haja quatro ou seis de residentes permanentes, a entrada contínua de pessoas causa mais críticas e problemas do que num edifício inteiramente dedicado” a esta actividade, disse. Por isso, Fernando Medina prefere que se criem formas de atacar os problemas relacionados com a qualidade de vida dos residentes, e não se proceda a um ataque cego à actividade do alojamento local.

O autarca confessou-se sensível aos argumentos de quem se queixa “do entra e sai permanente dos prédios, ao barulho e ao lixo”, questões que, entende, devem ser imputadas directamente aos donos dos prédios. “Os proprietários não podem, pura e simplesmente, desresponsabilizar-se, argumentarem que põem o seu prédio numa plataforma ou o entregam a um intermediário e dizerem que não querem saber o que lá vai acontecer. Acho até que têm de ter uma responsabilidade acrescida”, afirmou. Uma das formas de o fazer, avançou, seria terem um “contributo adicional” para os condomínios, “por ser evidente que as despesas e encargos causados nos prédios são claramente superiores aos dos um utilizador permanente”.

Se Fernando Medina garante estar decidido em tomar medidas neste campo, já a colocação de um freio legal na actividade da exploração do alojamento local encontra nele uma expressão bem menos entusiástica. “Temos de ter muita prudência em querer mimetizar esses casos, porque eles se aplicam a realidades que são muito diferentes da nossa”, aconselhou, referindo que as restrições ao alojamento local iriam ter como consequência principal afectar os níveis de vida das muitas famílias que vivem desta actividade. “Se apertarmos muito, estaremos a tirar rendimento a essas pessoas e a atribuí-lo a outros – e, em particular, aos que têm uma actividade mais profissional”, explicou.


Texto: Samuel Alemão

Sem comentários: