quarta-feira, 1 de março de 2017

Cinco cenários à procura do futuro / Portugal não tem problema com três dos cenários do Livro Branco


Cinco cenários à procura do futuro
Juncker desafiou os Estados-membros a aceitar um debate sobre o futuro da União Europeia que não esteja refém das respectivas agendas políticas. Resta saber se terá sucesso.

Teresa de Sousa
TERESA DE SOUSA 2 de Março de 2017, 0:46

Jean-Claude Juncker apresentou ontem no Parlamento o Livro Branco da Comissão sobre o futuro da Europa. Não foi exactamente aquilo que se esperava inicialmente: um documento com uma visão do futuro, no momento em que a Europa tem de enfrentar o Brexit, uma situação internacional em mutação rápida e um novo ocupante da Casa Branca que a deixa entregue a si própria. Era este o desafio inicial para completar a Declaração que os líderes europeus devem subscrever no dia 25 em Roma na celebração dos 60 anos da integração europeia. As profundas divisões entre os governos europeus e na própria Comissão obrigaram-no a um exercício completamente diferente: apresentar cinco cenários possíveis para o futuro da Europa até 2025, na tentativa de lançar um debate entre os europeus e colocar os governos perante as suas próprias responsabilidades. Juncker acusa-os de se esconderem por trás da Comissão, responsabilizando-a por aquilo que não corre bem. Ontem, aproveitou o seu discurso no PE para voltar a afirmá-lo claramente: “O futuro da Europa não pode ficar refém de eleições, políticas partidárias ou gritos de triunfo dirigidos às suas opiniões públicas nacionais.”

Os cinco cenários partem de uma análise bastante sombria dos desafios que a Europa enfrenta. Desde a emergência de novos pólos de poder, ao risco do proteccionismo americano de uma Administração que abandonou os grandes pilares da sua política externa, passando pelos múltiplos conflitos que desestabilizam as suas fronteiras, ao terrorismo, à vaga incontrolável da imigração, ao seu lugar no mundo, activo ou meramente reactivo. O contraste entre a realidade descrita e a modéstia do exercício não podia ser maior. “São caminhos e as consequências desses caminhos”, justifica o comissário português, Carlos Moedas.

As várias velocidades
“A ideia mais forte que transparece do Livro Branco é a das várias velocidades”, disse ao Público o antigo comissário António Vitorino. Juncker já a tinha defendido publicamente, mesmo que não mereça total consenso dentro da própria Comissão. A formulação da proposta (cenário 3) refere alguns dos seus inconvenientes: a criação de cidadãos de primeira e de segunda ou a dificuldade em fazer avançar reformas tão importantes como a da zona euro. A ideia vai ao encontro da última iniciativa conjunta de Berlim e Paris. Ontem, os chefes da Diplomacia dos dois países, Sigmar Gabriel e Jean-Marc Ayrault, saudaram a iniciativa, insistindo na ideia de uma Europa mais flexível, capaz de integrar diferentes graus de ambição. O segundo objectivo de Juncker é devolver à Comissão um novo “folego”, numa altura em que, como o próprio presidente da Comissão reconhece, os governos se preocupam mais com as suas agendas internas (sobretudo aqueles que têm mais poder e que vão enfrentar eleições) do que com a necessidade de unir os 27 e olhar para o futuro. Ontem, o presidente da Comissão reafirmou que não tenciona cumprir outro mandato, mas acrescentou que não está nem cansado nem com falta de ideias para completar o actual.

As reacções ao Livro Branco foram audíveis logo a seguir ao seu discurso, revelando a influência de cada grupo político na sua elaboração. O PPE congratulou-se com o exercício e considerou que a prudência que ele revela é aconselhável quando o eurocepticismo está em marcha em quase todos os países. Sem tomar partido por nenhum deles, o eurodepuatado que falou em nome do PPE, o espanhol Esteban Gonxales Pons, disse que a Europa precisa de “alinhar as expectativas com a realidade” e criticou os Governos por criarem ilusões que depois não cumprem. “Este é um jogo errado e perigoso e o Brexit é uma das suas consequências”. Juncker é membro do PPE. O seu chefe de Gabinete, que participou activamente na elaboração do Livro Branco, é um alemão muito próximo de Wolfgang Schauble. Já Gianni Pittella, líder do grupo socialista, foi muito mais crítico, dizendo que esperava da Comissão uma proposta ambiciosa e não um menu à escolha, considerando-o um “claro erro político”. O eurodeputado italiano acrescentou ainda que o único cenário que serve a Europa é o último, de maior integração nos domínios essenciais e acusou Juncker de fazer o jogo dos que “querem enfraquecer a Europa ou mesmo acabar com ela.” O Governo português tem uma posição distinta. O chefe da diplomacia disse ao Público que, se a Comissão assumisse uma escolha, transformaria o Livro Branco numa “proposta fracturante” (ver texto ao lado), que enviesaria o debate. António Costa manifestou-se no Twitter, saudando a iniciativa como “um bom início para um debate indispensável.” O Presidente fez exactamente o mesmo.
  
Portugal não tem problema com três dos cenários do Livro Branco
Governo rejeita dois dos cinco cenário apresentados pela Comissão Europeia.

Teresa de Sousa
TERESA DE SOUSA 2 de Março de 2017, 0:44

O Governo português vê com bons olhos o Livro Branco apresentado ontem pelo presidente da Comissão, com cinco cenários para o futuro da Europa que passa a ser a 27. “Pensamos que é um instrumento muito útil”, disse ao PÚBLICO o chefe da diplomacia portuguesa. “Até pela sua natureza concisa”, que permite a toda a gente perceber bem as diferenças entre cada um deles. Augusto Santos Silva acrescentou que o exercício ainda não está completo, lembrando que a Comissão vai preparar cinco documentos com uma estratégia para os principais domínios da integração domínios da integração. “Para nós, essas políticas passam pela UEM, pelo financiamento da União Europeia como tal e pelo financiamento da zona euro”.

Augusto Santos Silva esclarece que há dois cenários que chocam com o interesse nacional, partilhado pelos dois grandes partidos, o 2 e o 4. O primeiro, que reduz a Europa ao Mercado Interno, “não permite completar a UEM, e afasta avanços nas políticas social e fiscal, podendo destruir as políticas de coesão e de convergência”. Quanto ao n.º 4, fazer menos com mais, é afastado pelo ministro porque “corresponde a uma tendência que já é visível, segundo a qual temos de avançar na segurança, defesa e política externa, abandonando as políticas de emprego, fiscal, social e regional”. Esta corrente “quer avançar nos domínios da soberania e na política comercial, mas não na coesão, na convergência e no emprego”.

Em contrapartida, não há nada nos cenários 1, 3 e 5 que belisque o interesse nacional. “O óptimo seria o 5” que prevê a conclusão da UEM, e a ideia cara ao Governo e ao PSD de dotar a união monetária de "uma capacidade financeira, fundamental”. É aquele que conforta “a posição do Governo de avançar paralelamente com a UEM e com a defesa”. O cenário 1, é um cenário “por defeito”, ou seja, permite avançar gradualmente na agenda europeia, adaptando-a àquilo que for surgindo. Finalmente, o cenário 3, da Europa a várias velocidades. “Não nos opomos à ideia, mas opomo-nos a que ela se aplique à zona euro”, diz o ministro, tal como não aceitamos a ideia de criar um núcleo central com os países fundadores. Quanto à defesa, o ministro considera que ela “não se reduz à contabilização do gasto público com os militares” mas a outros vectores igualmente importantes. Santos Silva lembra também que, nas actuais condições de aperto orçamental, é difícil cumprir as metas da NATO (2 por cento para os orçamentos da defesa), mesmo encontrando-se Portugal numa posição honrosa do meio da tabela.


Quanto à Declaração de Roma, longe ainda de estar concluída, Portugal entende que haja uma primeira parte apenas dedicada aos valores da União Europeia, numa altura em que estão a ser postos em causa, mas defende que deve integrar, numa segunda parte, os caminhos de futuro para três áreas fundamentais: economia, segurança e migrações.

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