Bye,
bye Lisboa!
ANTÓNIO SÉRGIO
ROSA DE CARVALHO / 13/09/2015 - PÚBLICO
A
Câmara de Lisboa abdicou da sua responsabilidade planeadora e
reguladora, abrindo a caixa de pandora.
Em 1990 Barcelona
com 1,5 milhões de habitantes atraiu 1,7 milhões de Turistas. Em
2014 Barcelona recebeu 7,5 milhões de Turistas. Rendimento anual
através do Turismo atingiu os 12 mil milhões de euros.
Nas Ramblas, em cada
10 transeuntes, 9 são turistas. 1991: 23,7191991 dormidas; 2003:
37,224 dormidas; 2013: 69,128 dormidas.
Assistiu-se assim, à
tranformação de toda a cidade num Parque Temático Turístico e à
redução de todas as actividades a uma única, omnipresente e
obsessiva Monocultura. O Turismo.
Todo e qualquer
sentido do Viver e Habitar quotidiano foi dominado e reduzido à
erosão permanente do visitar, do residir temporário, do permanente
happening nocturno e da festa contínua.
Ao permitir este
consumir de forma erosiva, predadora e esgotante, de todas as
características que, precisamente, constituíram o atractivo e o
motivo da vinda e, originalmente, o apelo de vísita, Barcelona cada
vez mais, e paradoxalmente, foi transformada num local onde Turistas
apenas encontram outros Turistas. Uma plataforma globalizada,
esvaziada dos seus conteúdos, dos seus moradores e autenticidade
original.
Tudo isto levou a
uma crescente revolta local, com movimentos cívicos e crescentes
manifestações de rua, culminando este processo com a eleição de
Ada Colau para presidir o Município.
A primeira medida de
Colau foi instalar uma moratória durante 1 ano, de todo o
licenciamento para novos projectos turísticos, incluindo hóteis,
hostels, reconversões para alojamentos temporários, etc.
Levou também à
produção do já famoso Documentário “Bye Bye Barcelona”, no
qual, todas estas situações e desafios são ilustrados.
Entretanto, Colau
entrou em confronto directo com a airbnb e a Booking.com, exigindo
destas organizações especialistas em estadias temporárias, a
relação completa das moradas e registos de ofertas dos seus sites.
A todos os endereços
ilegais serão impostas multas de 15.000 a 90.000 euros, oferecendo
Colau como alternativa ao pagamento das multas pelos proprietários
destes alojamentos, a disponibilização pelos mesmos, destas moradas
durante três anos, como habitaçào social, para os residentes
locais.
A recusa das
organizações referidas de disponibilizar as informações exigidas,
poderá levar à proibição de acesso a estes sites especializados
em oferta de alojamentos temporários, em todo o território da
Catalunha.
Alfama recebeu
recentemente, a visita do Secretário de Estado do Turismo e do
Ministro da Economia, que triunfalmente e com um distanciamento
“blasé” em relação a um possível papel regulador,
equilibrador, planeador, recusaram qualquer reflexão ou dúvida
quanto ao crescimento avassalador da oferta e transformação de
todas as residências, em alojamentos temporários, sem qualquer tipo
de regulamento ou limites, dedicados ao Turismo.
Nesta irrealista e
irresponsável atitude caracterizada por um “laissez faire, laisser
aller” in extremis, até criticaram uma tímida e tardia
preocupação, formulada por um dos grandes responsáveis por esta
ausência de gestão e planeamento, Manuel Salgado.
Com efeito, Manuel
Salgado ao anunciar em 2008 “A Baixa nunca será um bairro
residencial” e ao propor exclusivamente um investimento na
hotelaria, residências universitárias e alojamentos de curta e
média permanência, entregando a dinâmica do investimento
únicamente às exigências dos “mercados”, abdicou da sua
responsabilidade planeadora e reguladora, abrindo a caixa de pandora.
No início do
processo, antes da crise e respectiva transformação, motivada pela
mesma crise, da cidade num gigantesco negócio de estadias
temporárias, e acima de tudo, do exôdo maciço de toda a juventude
Portuguesa, estes, naturalmente os potenciais habitantes de uma Baixa
ainda vazia , ainda teria sido possível planear / estabelecer um
equilíbrio.
Assim também, a
possível inserção da totalidade da Baixa num regulamento de rigor
Patrimonial determinado pela Unesco não convinha à liberdade de
manobra de intervenção e licenciamento de Manuel Salgado, pois iria
impedir a sua política de “fachadismo” e de destruição
sistemática dos Interiores Pombalinos pelos “investidores”.
Agora,
dramaticamente é tarde, e provavelmente de forma irreversível
Manuel Salgado e os dois ilustres visitantes de Alfama vão acabar
perversamente por “ter razão” na sua irresponsável atitude e
ausência de visão.
Entretanto,
brevemente, em frente a Alfama vai surgir o novo terminal de
Cruzeiros, aumentando o “potencial” e alargando, através das
respectivas intervenções e arranjos da envolvente incluindo
possivelmente a desejada desactivação da estação de Santa
Apolónia, a plataforma da Monocultura.
Bye Bye Lisboa!
Historiador de
Arquitectura
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