quarta-feira, 14 de março de 2012

Entrevista a Pedro Bingre sobre ordenamento do território. 01/11/2011



Entrevista a Pedro Bingre sobre ordenamento do território

“O milagre da multiplicação”
Pedro Bingre tem 34 anos, é engenheiro florestal, mestre em Planeamento Regional e Urbano, e docente do Ensino Superior. Prepara o doutoramento em ordenamento do território aplicado aos espaços florestais e conservação da biodiversidade.

Considera que o ordenamento do território é um tema que, no nosso país, tem sido subestimado no seu significado económico, político e social. Que boa parte das injustiças sociais, das ineficiências económicas e atentados ambientais que afligem o nosso país resultam de más políticas de solos e de urbanismo.


Entrevista a Pedro Bingre sobre ordenamento do território “O milagre da multiplicação”
O que lhe despertou o interesse para política de ordenamento do território?
No início do meu percurso académico comecei por estar interessado nos danos que o desordenamento do território provoca sobre a paisagem agro-florestal e a biodiversidade. No entanto, à medida que progredia nos estudos o meu interesse foi-se transferindo cada vez mais para a fonte dos problemas: as causas políticas, jurídicas e económicas da péssima gestão do uso do território. Estou convencido que o nosso desordenamento urbanístico é mais do que uma questão ambiental: é acima de tudo um problema de injustiça social e de ineficiência económica, resultante de políticas de solos inaceitáveis num moderno Estado de Direito Democrático. A expansão urbana desordenada a que assistimos não viola só os princípios de sustentabilidade ambiental: viola também inúmeros princípios económicos e sociais consagrados na Constituição da República Portuguesa.

A propriedade do solo é fonte de poder económico e causa de desigualdade social?
Sim. O nosso quadro jurídico, nomeadamente o Código Civil, o Código Tributário e a legislação de âmbito urbanístico permitem a uma minoria de loteadores de solos urbanizáveis saquear a riqueza colectiva usando os alvarás como álibi. Esse uso da propriedade privada é um verdadeiro roubo dos bens públicos. Não o digo no sentido da famosa fórmula anarquista — “toda a propriedade é um roubo”. Digo-o num sentido muito específico: o abuso dos direitos de propriedade privada do solo, por via dos alvarás de loteamento, é uma maneira de enriquecer à custa do empobrecimento alheio.
A propriedade do solo mal regulamentada pode facilmente causar ineficiências económicas e desigualdades sociais porque interfere radicalmente com a vivência humana. Qualquer actividade económica que, seja uma actividade meramente intelectual como o exercício da advocacia, seja uma actividade de criação de bens materiais, como por exemplo produtos agrícolas ou industriais, requer a ocupação de um troço do território. A própria vida das pessoas requer espaço à superfície da terra. Nenhum de nós pode viver sem espaço; nem gozar a sua vida nem exercer uma profissão. Portanto, quem tiver o direito de cobrar aos demais o uso do solo tem o tremendo poder de controlar a sua vida e a sua actividade económica. Ora, no contexto geográfico e humano de hoje, qual é o solo mais procurado? O urbano e o urbanizável. Quem os controlar, controla por inerência os destinos de boa parte da economia e da sociedade. Daí a minha preocupação acerca das expansões urbanas e seus efeitos económicos, como as mais-valias urbanísticas.

Poderia esclarecer melhor esses conceitos?
Sim, vem a propósito esclarecer um pouco mais detalhadamente o que está em causa nas expansões urbanas, quanto mais não seja para identificar melhor os passos problemáticos dos processos de urbanização. Dito de forma abreviada, uma “mais-valia urbanística” é o acréscimo de valor sofrido por um terreno rústico, agrícola ou florestal, a partir do momento em que recebe um alvará de loteamento que dê início à urbanização. Este acréscimo de valor pode ser da ordem das centenas ou milhares por cento. Não é raro que um terreno rústico de dez mil euros por hectare passe a valer mais de um milhão por hectare com a mera emissão do alvará.
Regressando ao processo de urbanização, dizia eu que na prática se divide em três etapas: o loteamento, a infra estruturação e a edificação.
O loteamento, uma mera operação jurídico-administrativa em que um terreno agrícola é repartido em lotes privados para construção, e certas parcelas desse terreno são reservadas para as acessibilidades e outras infra-estruturas comunitárias. É nesta fase que se desenha a malha urbana, decide a volumetria e os usos a autorizar em cada lote. É por via do loteamento que o terratenente realiza as mais-valias urbanísticas, mesmo sem ter realizado qualquer obra física.
A infra estruturação, o processo de construir a malha urbana no que concerne a acessibilidades e infra-estruturas públicas. É neste processo que se desenham e constroem ruas, praças, avenidas, jardins, etc. É nesta fase que se determina a qualidade dos equipamentos do espaço público, desde as calçadas à iluminação.
A edificação, o processo de construção dos edifícios nos respectivos lotes, em obediência aos planos de urbanização.
A meu ver, é na fase de loteamento que surgem os abusos aos direitos de propriedade privada.

De que modo é que a regulamentação da propriedade do solo — e dos alvarás de loteamento — tem impactes ao nível ambiental?
A meu ver, o aspecto mais problemático dos direitos de propriedade em Portugal resulta justamente de incluírem o direito a lotear mediante alvará. O proprietário não comete nenhuma injustiça por ser proprietário propriamente dito, mas por se tornar loteador. Quando se oferece a um particular, mediante aquele alvará, o direito a criar cidade nos seus terrenos, este ganha o poder de subordinar os destinos do território aos seus próprios calendários e ambições materiais. Como o loteador está naturalmente interessado em maximizar os seus rendimentos, irá com certeza urbanizar com a máxima densidade possível onde quer que possa, e especular com os imóveis durante o máximo de tempo que conseguir. Os resultados ambientais são evidentes: excesso de construção, urbanização em locais ecologicamente sensíveis, pulverização da malha urbana, abandono da agricultura e da floresta.

Mas não poderá ser considerado legítimo que os loteadores queiram maximizar os seus rendimentos actuando dessa forma?
Não, porque essa forma de enriquecer é obtida por uma mera manipulação política do mercado, e não por mérito económico. Repare, o valor de um terreno agrícola num mercado bem regulamentado não ultrapassa a capitalização da sua renda agrária: ou seja, situa-se por norma abaixo dos dez mil euros por hectare. Quando se valoriza às custas de um alvará de loteamento, pode facilmente ser vendido a um milhão de euros ou mais. Estes 990.000 € de valorização não são propriamente lucros, nem juros: são uma renda fundiária diferencial, de origem político-administrativa, obtida à custa da discriminação dos cidadãos. O alvará que gerou as mais-valias urbanísticas oferece ao loteador uma fortuna sem mérito produtivo, enquanto praticamente obriga os compradores de habitação a endividarem-se por décadas para pagar o direito a habitar.
Imagine alguém que compra uns hectares de terreno nos arredores de Coimbra, com a intenção de cultivá-los. Compra-os, no máximo, aos tais dez mil euros por hectare. Passados uns meses consegue, sabe-se lá como, receber um alvará de loteamento que lhe permite dividir cada hectare (10000m2) em vinte lotes de 300 metros quadrados para moradias unifamiliares, desde que ofereça à autarquia 4000 metros quadrados de “área de cedência”. Pois bem, no mercado imobiliário dessa cidade cada um desses lotes vale 100.000 €, mesmo sem qualquer infra-estrutura. Acto contínuo, o loteador pode pôr o terreno à venda e sacar do mercado 2.000.000 € por hectare. Ou seja, a partir do momento em que recebe um alvará de loteamento, o seu terreno que valia 10 mil euros passou a valer 2 milhões de euros. É o milagre da multiplicação. Quem paga o milagre? Os hipotecados!
Diga-se de passagem que embora muitos textos de Urbanismo chamem a estes rendimentos “mais-valias urbanísticas”, essa designação não é correcta porque os identifica equivocadamente com as “mais-valias” da doutrina marxista e as “mais-valias” das actividades da bolsa de valores. A designação correcta para a valorização dos terrenos é “renda diferencial urbanística”, cuja origem é inteiramente política e independente dos méritos económicos do beneficiário.

De que forma é que tal afecta o ordenamento do território? Como é que poderá ser ultrapassado tal problema?
Afecta extraordinariamente. Afecta tão extraordinariamente que em praticamente todos os países ocidentais as mais valias urbanísticas são retidas pelo Estado para evitar a especulação, o rentismo e a corrupção. Isto é, quando um terreno se valoriza por ter sido reclassificado de agrícola em urbanizável, toda ou quase toda a valorização que o terreno sofre reverte para o erário público, cabendo ao proprietário inicial receber como indemnização somente o valor agrícola original do terreno.
Em Portugal era assim até 1965, ano em que Marcelo Caetano promulgou um Decreto-Lei que privatizou os loteamentos, abrindo a porta à concessão de alvarás aos proprietários interessados em urbanizar os seus terrenos. Em minha opinião, esse decreto-lei foi a sentença de morte para o urbanismo português. Qualquer pessoa com um mínimo de perspicácia pode constatar que todos os bairros urbanisticamente decentes das nossas cidades foram construídos antes de 1965.
Porquê? Insisto: até 1965 a Administração Pública portuguesa seguia o modelo que era muito usual em praticamente toda a Europa, onde só os terrenos do Estado é que podem ser urbanizados. Por exemplo, em Inglaterra, desde 1946 até hoje, estão interditas todos os loteamentos de terrenos particulares. O mesmo na Holanda onde nenhum terreno é urbanizado sem passar à posse do Estado. O proprietário de terrenos agrícolas, ao perdê-los, recebe como indemnização o valor agrícola inicial e não o valor especulativo que teria se pudesse urbanizá-lo ele próprio. Repare que esse “valor inicial do terreno agrícola” é um valor correspondente a basicamente todas as receitas da produção agrícola da vida do proprietário, ou seja ele não tem qualquer perda económica – pode reformar-se desde logo com todo o conforto que teria se houvesse cultivado toda a vida.
Para nosso azar, em 1965 o Marcelo Caetano fez passar um decreto-lei onde autorizava os loteamentos dos terrenos particulares, bastando para isso que houvesse uma aprovação do então equivalente às actuais Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR). Basicamente, a partir daí, o urbanismo em Portugal passou a andar a reboque dos interesses particulares. O proprietário passou a ter a possibilidade de enriquecer literalmente do dia para a noite, com alvarás de loteamento. E a enriquecer tanto mais, quanto mais densa fosse a urbanização.

O que dá origem a pressões...
Tremendas! Evidentemente que neste contexto todo o proprietário quer construir. E quer construir o mais denso possível, mesmo que no seu terreno haja valores ambientais a preservar, ou mesmo que o seu terreno seja de todo inadequado para um bom desenho de malha urbana. E no entanto, pressionando a administração pública, muitos deles conseguem obter o alvará de loteamento que pretendem, mesmo para os terrenos com as localizações mais absurdas.
Naturalmente isto cria um clima de suspeição generalizada. Há urbanizações surrealistas que nunca deveriam ter sido aprovadas, mas foram-no. Porquê?
Há quem diga que são aprovadas pelos autarcas para assim poderem encher os cofres da edilidade com taxas de urbanização. Ora, essa é uma lenda urbana extraordinariamente contra-producente que tem sido veiculada pelos ambientalistas, mas que é falsa e tem servido de autêntico álibi para os loteadores.
É errado julgar que as câmaras lucram com os loteamentos. Foi provado à saciedade, em estudos feitos pelas nossas melhores universidades, que as taxas de urbanização são mais do que insuficientes para cobrir os encargos inerentes que os municípios têm de suportar a posteriori para ligar as novas urbanizações às redes de saneamento, às redes viárias, às redes eléctricas, etc. Quanto mais alvarás de loteamento uma câmara municipal concede, mais se endivida, porque as taxas de urbanização não conseguem fazer face às despesas.

Então porque têm havido essas concessões de alvarás de loteamentos?
Porque a pressão dos proprietários dos terrenos e dos loteadores é proporcional aos ganhos privados, ou seja, colossal. Nalguns casos, como alguns que têm vindo a lume e estão em tribunal, são os próprios autarcas os principais loteadores do município. Repare como quase todos os casos de corrupção noticiados na imprensa nacional tiveram as urbanizações como móbil... Tornou-se um espectáculo tão habitual que um recente filme português sobre corrupção teve por tema do enredo... os alvarás de loteamento e as fortunas que eles trazem!

O que é que poderia ser alterado no quadro legal?
Nós não precisamos de reinventar a roda. Bastaria, para começar, copiar nem que fosse em grosso a legislação dos países mais avançados do mundo. Poderia ser a legislação britânica, poderia ser a legislação holandesa, dinamarquesa, alemã, não faltam bons exemplos.

Em síntese, o que estabelece essa legislação?
A meu ver, seria necessário em Portugal revogar a legislação que evoluiu a partir da lei dos loteamentos de 1965. E, deveria-se adoptar uma legislação inspirada no Town and Country Planning Act, de 1946, britânico — o qual interditou toda e qualquer acção urbanizadora em terrenos particulares.
Em segundo lugar, estabelecer-se-ia um novo enquadramento jurídico às três fases de expansão urbana. A saber: o loteamento, a infra estruturação e a edificação.
O loteamento, o acto que consiste em passar um terreno de agrícola para urbano e fragmentá-lo em lotes, é uma operação meramente jurídico-administrativa, seria uma empreitada 100% pública, e só passível de ser realizada em terrenos públicos. Como é que esses terrenos viriam à posse pública? Os proprietários seriam expropriados dos seus terrenos, recebendo o equivalente ao valor à perpetuidade das culturas agrícolas que neles praticavam e o custo de construção das benfeitorias aí instaladas, adicionada por uma compensação por perdas afectivas. Ou seja, o proprietário não teria nenhuma perda económica, face à actividade agrícola que praticava, embora fosse ressarcido pela perda de uma propriedade agrícola e não pela perda de uma propriedade urbanizável. Não teria em caso algum direito a ser indemnizado por ter visto goradas as suas expectativas de urbanizar o seu terreno; isto é o cerne da questão. Por exemplo, na Holanda, um proprietário que tem um campo de beterrabas ao lado de Amsterdão sabe que se a cidade precisar de crescer será expropriado desse campo de beterrabas e receberá exactamente o valor de um campo de beterrabas e não o valor do loteamento. Em Portugal o que se passa é justamente o contrário. Veja o caso da Quinta da Marinha, no Cabo Raso de Cascais. Um plano de ordenamento do território que vigorou temporariamente concedeu aos proprietários o direito de lotear um pinhal manso que, na condição original, teria um valor agro-florestal de mil e quinhentos euros por hectare no máximo. Como esse plano de ordenamento foi revogado e remeteu o terreno de novo para a categoria agro-florestal, o proprietário começou a exigir ao Estado uma indemnização de, se não estou em erro, cerca de um milhão e duzentos mil euros por hectare por ter visto goradas as suas expectativas. Isto não se passa em nenhum país civilizado do mundo e não há razão para que se passe em Portugal.
Passando à infra-estruturação: esta consiste na construção das infra-estruturas públicas de saneamento, acessibilidades, comunicações, educação, saúde, etc. Isto deve ser uma obra de parceria público-privada, ou melhor dizendo uma empreitada de obras públicas. O Estado encomenda a obra e lança a concurso público a sua execução. Nada que não seja feito no resto da Europa e nada que não fosse feito em Portugal até 1965. Em Portugal, se uma pessoa quiser comparar os efeitos da legislação antes e pós 65, compare bairros anteriores a 65, como o Bairro de Alvalade, com a Praça de Londres, com o Bairro do Restelo em Belém, com os bairros pós 65, compare com Miraflores, com a Reboleira, com o Cacém, com Odivelas. Compare Campo de Ourique com Telheiras e verá a diferença entre uma obra pré 65 e uma obra pós 65. É curioso comparar, por causa desta políticas, o metro quadrado de habitação em Berlim custa menos de metade do que custa o metro quadrado de habitação em Lisboa. Em Berlim anda à volta dos 1000 euros por metro quadrado, ao passo que em Lisboa anda à volta dos 2000 euros e acima disso. Mesmo sendo em Berlim a maioria moradias unifamiliares.
Quanto à Edificação: esta, por sua vez, é o acto de construção dos edifícios isoladamente considerados, em cada um dos lotes. Isto deve ser uma obra 100% privada. Como é que o Estado executa essa obra? Leva a leilão os lotes vazios, cada qual já com uma volumetria definida.

Tem havido um uso abusivo da figura de PIN (Projectos de Potencial Interesse Nacional) e de utilidade pública? De que maneira isso tem afectado o ordenamento do território?
Há dois tipos de situações com os PIN, em termos de política de solos: os PIN de infra-estruturas industriais e os PIN de infra-estruturas habitacionais.
No caso dos PIN para construção habitacional, seja de turismo residencial seja hoteleiro, nós estamos basicamente a assistir à governamentalização de todas as injustiças que já se praticam ao nível dos PDMs e CCDRs na concessão de alvarás e no enriquecimento imerecido e discricionário de loteadores. De cada vez que o PIN autoriza o loteamento para turismo residencial está a distribuir mais valias por quem entende. Veja-se o caso noticiado no Público, da Quinta do Lago, onde um troço de terreno rústico que em termos agro-florestais teria um valor não superior a 5 mil euros por hectare, passou a estar cotado a 1 milhão de euros por hectare. É uma fortuna trazida pelo vento, “windfall gain” como dizem os ingleses, por decisão governamental.
Uma nota importante: quando aqui falo de proprietários de terrenos, o mais importante é a questão de ser loteador, um papel que pode ou não ser desempenhado pela mesma pessoa. O parasita é o loteador, não é necessariamente o proprietário, que pode ter sido enganado pelo loteador, ou o construtor ou o promotor imobiliário.
Para resumir: tudo o que estou a propor resume-se a uma coisa: o loteador devia ser o Estado. E devia lotear em função do interesse colectivo.
No que se refere aos PIN das infra-estruturas industriais, isso é de analisar caso a caso. Nas infra-estruturas industriais não há um enriquecimento imerecido. Poderá haver num ou noutro caso, pelo relaxamento das restrições ambientais, por exemplo, mas é necessário avaliar caso a caso.

Há mais algum exemplo que gostasse de apontar, no âmbito desta questão?
Vou dar um exemplo: o Alqueva. Que é também um exemplo de como neste momento, em Portugal, a maior parte do grande investimento económico que é feito é sempre capturado por grupos rentistas. Começa-se com terrenos originariamente de sequeiro, a valerem um máximo de 3 mil euros por hectare. Constrói-se o Alqueva. Graças a isso o terreno passa a ter potencial de regadio e portanto a valer cerca de 8 mil euros por hectare. A contribuição autárquica não aumenta. O proprietário não paga qualquer imposto adicional pela valorização que o seu terreno sofreu. O seu terreno sofreu uma mais-valia pela realização de uma obra pública mesmo à sua berma — mas o proprietário não paga nada por essa obra, paga todo o colectivo. Finalmente, o mesmo proprietário, contente por ter ali uma albufeira, começa a pensar nas perspectivas urbanísticas e pede um projecto de interesse nacional, um PIN, para lotear esse terreno. E o terreno, qual milagre, passa a valer um milhão de euros por hectare.

No caso do novo aeroporto, como evitar a especulação urbanística desses terrenos em redor?
Justamente consagrando a posse pública das mais valias urbanísticas.

Para finalizar, há algo que gostaria de acrescentar ao que já foi aqui dito?
Na economia portuguesa, a caça de mais valias urbanísticas, ou aquilo que a teoria económica chama a procuração de rendas (“rent-seeking activities”), tem sido alfa e o ómega de toda a vida dos empresários e dos políticos. Sucede que as mais valias urbanísticas, que têm permitido o enriquecimento súbito de muitos cidadãos, e já agora o financiamento de aparelhos partidários, têm estado a ser pagas com empréstimos à habitação de 30 e 40 anos. O enriquecimento que se tem operado à custa das mais valias urbanísticas é um enriquecimento directamente proporcional ao endividamento de duas gerações de portugueses e inversamente proporcional ao investimento na investigação e na indústria. Tudo isto foi agravado pela gigantesca bolha imobiliária que cresceu entre 1995 e 2005, inchada pela injecção de crédito fácil e juros baixos. Agora que os juros recomeçaram a subir e o crédito a escassear, a bolha estoirou; que faremos às centenas de milhar de habitações vazias e sobrevalorizadas? Quem pagará os custos económicos e ambientais de mantê-las? O pequeno grupo de loteadores que enriqueceram imerecidamente à custa de mais-valias urbanísticas, ou a multidão de portugueses hipotecados até à medula?

Sofia Vilarigues

Jornal Quercus Ambiente

2 comentários:

Anónimo disse...

Pronto, a culpa do caos urbanístico português é do Marcelo Caetano!!! Então porque razão o pós 25 de Abril não inverteu essa lei? Já sei, se mudassem a lei, ficava como antes de 1965, e então estavam a imitar o Salazar. Portanto optaram por uma lei errada para não imitar o Salazar, para passados 40 anos de caos urbano poderem culpar o Marcelo.

Vasco disse...

O nosso país é uma vergonha em urbanismo. As unicas coisas de jeito remontam ao tempo do Duarte Pacheco. Olhem para as cidades espanholas, tudo planeado e concentrado, enquanto aqui é casinhas aqui e acolá tudo espalhado sem nexo, ruas tortas, estradas e estradinhas que irão custar uma fortuna a manter. Espero que um dia implodam essa porcaria toda e comecem do zero.