Obra suspensa há mais de um ano deixou o edifício classificado no estado que se vê na foto
Câmara de Lisboa mantém Capitólio esventrado e sem janelas há ano e meio
Por Ana Henriques in Público
Autarquia não explica razão do atraso na reabilitação daquele que é o único edifício classificado do Parque Mayer e a primeira obra modernista da arquitectura portuguesa
A Câmara de Lisboa mantém o Teatro Capitólio esventrado e sem janelões há quase ano e meio, apesar de todas as promessas de reabilitação daquele que é o único edifício classificado no Parque Mayer.
"Se o Capitólio fosse meu e eu quisesse que caísse, era assim que fazia", critica o presidente da Junta de Freguesia de S. José, Vasco Morgado, neto do empresário do recinto do teatro de revista. Pelo segundo ano consecutivo, a primeira obra modernista da arquitectura portuguesa, desenhada em 1929 por Cristino da Silva e protegido por lei como imóvel de interesse público, vai ficar sujeita às intempéries dos meses mais chuvosos.
"Não é preocupante", assegura o arquitecto escolhido para o projecto de reabilitação, Alberto Souza Oliveira, admitindo, no entanto, que seria preferível tapar os janelões para evitar a entrada da água até que recomece a reabilitação, parada desde Julho do ano passado.
À época em que foi construído o Capitólio o betão armado era uma novidade em Portugal. Durante várias décadas pensou-se que era um material eterno. Hoje já se sabe que a sua degradação pode obrigar à demolição, por questões de segurança. E Vasco Morgado diz que já viu referências a cancro do betão num dos relatórios técnicos que leu sobre o estado do edifício. A humidade faz os materiais calcários existentes no cimento aumentar de volume e provocar fissuras que enfraquecem pilares e lajes. Seja como for, as obras iniciais, de esventramento do interior do edifício e de demolição dos acrescentos ao projecto inicial de Cristino da Silva, incluíram a impermeabilização da cobertura, de forma a impedir as infiltrações.
No único restaurante ainda aberto no Parque Mayer, mesmo defronte do velho teatro, o caso gera indignação. "É uma vergonha, até já nasceram plantas no edifício", diz um dos empregados do estabelecimento, conhecido como "casa do Júlio das Miombas". "Meio ano antes de começarem as demolições vieram tapar os vidros do Capitólio", descreve. "Gastaram um balúrdio em chapas para as pombas não entrarem lá para dentro. E agora isto está assim há quase ano e meio."
Mas por que razão não prosseguiram as obras? A Câmara de Lisboa não forneceu qualquer tipo de esclarecimento ao PÚBLICO sobre o assunto, informando que o vereador responsável, Manuel Salgado, está fora do país. Alberto Souza Oliveira pensa que na origem do atraso de uma obra cuja conclusão foi anunciada para o mês de Março poderá estar o concurso relativo à segunda empreitada - e não o imbróglio jurídico relativo à permuta com a Feira Popular.
"Demorou mais tempo do que imaginávamos, porque os empreiteiros que concorreram pediram mais de 500 esclarecimentos [sobre os trabalhos]", refere. A falta de verbas também não será motivo de atraso, equaciona o arquitecto, uma vez que o financiamento vem das verbas do Casino de Lisboa a que a autarquia tem direito, num total de dez milhões de euros. "Gostaria que a segunda empreitada já tivesse começado. Mas para reduzirmos os imponderáveis, nomeadamente os trabalhos a mais, só lançámos o concurso para ela depois de feitas as obras de demolição". Bastante depois, aliás. O anúncio do concurso publicado no Diário da República data de Junho passado, altura em que a primeira fase dos trabalhos já se encontrava pronta há um ano. Perante isto, quando ficará afinal pronto o velho Capitólio, que se passará a chamar Teatro Raul Solnado? "Na melhor das hipóteses no final de 2012", avança Souza Oliveira, sem grandes certezas.
Hélder Costa, figura ligada há muito ao teatro de revista e ao recinto, deixa um desabafo: "Tenho confiado cegamente nesta presidência da câmara. Não sabemos o que se passa, mas o Parque Mayer não merece este tratamento."
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