OPINIÃO
Odemira ou a crónica de uma confusão há muito esperada
Por Elisabete
Rodrigues • 30 de Abril de 2021 - 17:50
Ambiente que se vive no concelho de Odemira,
especialmente em São Teotónio, é explosivo, a nível social
Foto: Elisabete
Rodrigues | Sul Informação
Elisabete
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É triste que
tenha sido preciso uma pandemia para pôr a nu a exploração e as condições de
vida indignas dos muitos trabalhadores migrantes que garantem a produção das
framboesas, dos tomates cherry, das saladinhas lavadas e outras produções
agrícolas de luxo de que todos gostamos e que garantem muitos milhões ao país,
em exportações, nos hectares e hectares de estufas de agricultura intensiva,
situados sobretudo no concelho de Odemira.
É grave que tenha
sido preciso uma pandemia para que o primeiro ministro tenha finalmente
decidido chamar os bois pelos nomes, sublinhando que os locais onde estas
pessoas são alojadas (contentores, casas apinhadas de gente, apartamentos
sobrelotados), pelas suas condições de “insalubridade inadmissível”, são “uma
violação gritante dos direitos humanos”.
Os movimentos
cívicos do Litoral Alentejano há muito que denunciavam isso, o próprio
presidente da Câmara de Odemira (que até é do PS) já o tinha denunciado também,
assim como o seu vizinho edil de Aljezur (também do PS), mas o Governo ainda
não há muito tempo fez questão de fechar os olhos a esta situação – e ao
descontrolo da agricultura intensiva numa zona dita de “parque natural” – ao
publicar a famosa Resolução do Conselho de Ministros n.º 179/2019.
Esta Resolução do
Conselho de Ministros fez tábua rasa das sugestões de autarcas e movimentos
cívicos e apenas deu cabimento aos interesses das multinacionais
agroalimentares, que operam naquela zona, já que, na prática, criou uma
moratória de 10 anos, permitindo a manutenção de estruturas de habitação amovíveis
e até fomentando a sua criação…
O ambiente que se
vive no concelho de Odemira, especialmente em São Teotónio, é explosivo, a
nível social. E é grave a nível sanitário.
A nível social,
há muito tempo que há um evidente fosso entre a população originária do
concelho (ou pelo menos há muito lá residente) e esta nova população, de
imigrantes, que fala línguas diferentes, tem hábitos diferentes e que, aos
olhos dos odemirenses, ninguém controla, nem vigia. Isto é meio caminho andado
para surgir o racismo, a xenofobia. E de quem é a culpa?
Não sei se o que
se está a viver em Odemira agora, com a cerca sanitária e a obrigatoriedade de
as empresas agrícolas registarem os seus trabalhadores, irá, finalmente,
obrigar as multinacionais agroalimentares a dar condições dignas de residência
aos seus trabalhadores migrantes.
Também não sei se
esta situação irá levar o Governo a repensar a invasão do plástico numa zona
classificada teoricamente como «área protegida», mas que há muito deixou, na
prática, de o ser.
Em termos
ambientais, o que se passa nesta zona era previsível, uma vez que, no mesmo
espaço, existe o Aproveitamento Hidroagrícola do Mira e o Parque Natural do
Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, estruturas que, por muito que se queira
(e não se quer) não são compatíveis…pelo menos nos moldes atuais, com a aposta
na agricultura intensiva.
As razões para o
que se está a passar em Odemira há muito que estão identificadas e são
conhecidas pelas entidades oficiais, desde o nível local (Juntas e Câmaras), ao
nível regional (CCDR Alentejo, ICNF) e ao nível central (Governo). Será que é
agora, perante esta emergência sanitária, que serão, finalmente, tomadas
medidas de fundo? Duvido…
Autora: Elisabete Rodrigues é jornalista e
diretora do Sul Informação
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