OPINIÃO
Odemira: agressão ambiental, exploração imigrante e
hipocrisia política
É urgente reverter a Resolução do Conselho de Ministros
n.º 179/2019, que acrescentou ao problema de exploração da mão-de-obra
imigrante em Odemira um outro problema grave de agressão ambiental em pleno
Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina.
André Freire
27 de Maio de
2021, 0:10
No contexto da
cerca sanitária instaurada nas freguesias de São Teotónio e da
Longueira-Almograve, maio de 2021, Odemira, em pleno Parque Natural do Sudoeste
Alentejano e Costa Vicentina (PNSACV), o primeiro-ministro deu mostras de um
grande cinismo e de uma grande hipocrisia políticas. Ou seja, ao declarar,
enquanto anunciava as razões e os contornos da cerca sanitária, que tal se
devia, entre outros fatores, ao facto de viverem por ali muitos imigrantes,
trabalhadores na agricultura, em condições degradantes e que não satisfazem as
exigências básicas condizentes com os direitos humanos fundamentais (cito de
memória), Costa omitia também a sua própria responsabilidade política direta.
A verdade é que,
por um lado, há um problema de exploração da mão-de-obra imigrante em Odemira.
Mas, por outro lado, e a montante, há um problema grave de agressão ambiental
em pleno PNSACV que, não só agride severamente o ambiente, como prejudica a
sustentabilidade do modelo económico e a compatibilização com outras atividades
económicas fundamentais, nomeadamente com o turismo (ver Cidália Machado, O
impacto imigratório no concelho de Odemira, Estudo para o Município de Odemira,
2016). E António Costa é diretamente responsável pela situação, porque a
Resolução do Conselho de Ministros (RCM) n.º 179/2019 veio autorizar, na zona
do Aproveitamento Hidrográfico do Mira (Perímetro de Regra do Mira – PRM), a
triplicação das estufas dos então 1600 hectares (11% do PRM) para um máximo de
4800 hectares (40% do PRM, quando o máximo legal permitido são 30%), facto que
aproximadamente triplica também as exigências de mão-de-obra (imigrante), sem
que o concelho tenha condições habitacionais e de serviços públicos para servir
condignamente tanta gente.
E, por isso,
Costa e o seu governo autorizaram então que os trabalhadores das estufas
pudessem (“transitoriamente”: durante dez anos) viver em contentores, dentro
das explorações agrícolas, com 16 pessoas em cada contentor com quatro quartos
(ver Helena Roseta, PÚBLICO, 7.11.2019). Mas, como é sabido e alguns estudos
têm demonstrado à exaustão, a sobrelotação no alojamento dos imigrantes do
subproletariado rural da região inclui também as pessoas que vivem em casas e
montes (ver Sandro Teixeira e João Carvalho, Relatório Final: O impacto da
imigração no sector agrícola: o caso do Alentejo, estudo do CIES-IUL
(PT/2018/FAMI/352)).
O PNSACV e a agressão ambiental das estufas
Segundo o ICNF
(Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas), “O PNSACV ocupa uma
superfície de 89.568,77 ha (…) estendendo-se por uma faixa estreita do litoral
– Costa Sudoeste – entre S. Torpes e Burgau. (…) A Costa Sudoeste (…)
corresponde a uma zona de interface mar-terra com características muito
específicas que lhe conferem uma elevada diversidade paisagística, incluindo
alguns habitats que suportam uma elevada biodiversidade, tanto florística como
faunística”.
Por um lado, há
naturalmente algumas dimensões positivas desta agricultura intensiva no PRM: a
utilização da água no âmbito do Aproveitamento Hidrográfico do Mira, o
crescimento económico na região e no país que induz, as exportações que gera,
entre outras. Mas, por outro lado, há dimensões muito preocupantes deste modelo
de agricultura superintensiva, sobretudo pelo seu carácter excessivo e não
cumprindo muitas das regras básicas que os cidadãos comuns são obrigados a
cumprir pelo ICNF. E qual é o problema de agressão ambiental gerado por tantas
estufas? Nada melhor do que ler o movimento Juntos pelo Sudoeste, na petição
que apresentou à AR para reverter a RCM n.º 179/2019: porque permite a expansão
desmesurada “de práticas agrícolas que apostam na utilização intensiva de água
para rega, plásticos, fertilizantes e pesticidas sintéticos, e que dependem de
uma longa cadeia de distribuição até chegar ao consumidor final, assim como da
contratação de milhares de trabalhadores asiáticos, que têm acorrido à região
em condições pouco claras. Neste âmbito, a RCM possibilita ainda a instalação
de ‘cidades’ de contentores para albergar trabalhadores dentro das explorações
agrícolas, que podem vir a alojar mais 36.000 pessoas, além das 10.000 que se
estima já estarem no território, ultrapassando regras de edificação que a
restante população é obrigada a seguir.” A petição, “O Parque Natural do
Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina não aguenta mais agricultura intensiva”,
foi apresentada à AR em 2.3.2020 (6000 assinaturas) e será discutida no
plenário em 1.6.2021, data em que haverá também uma manifestação em frente à
AR.
A agressão
ambiental gerada pela extensão desmesurada das estufas, existentes e em vias de
crescimento se a RCM n.º 179/2019 não for rápida e urgentemente revertida, bem
como pela sua localização, veio também criar um modelo de desenvolvimento local
de fraca sustentabilidade, nomeadamente porque de difícil compatibilização com
outras atividades económicas fundamentais na região, nomeadamente com o turismo
(ver Sandra Gonçalves, “Agricultura intensiva: população do concelho de Odemira
teme pelo seu futuro”, DN, 3.3.2020).
O excesso de população imigrante, os problemas de
qualidade vida dos locais e dos imigrantes e a hipocrisia do governo
Claro que em
zonas deprimidas e em vias de desertificação, há uns anos a esta parte, o
melhor aproveitamento do PRM, com alguma agricultura intensiva e estufas, pode
ser um meio adequado de estimular o desenvolvimento local, o crescimento
económico e o aumento populacional, nomeadamente com a vinda de imigrantes. O
problema é a escala desta agricultura intensiva e as necessidades de
mão-de-obra imigrante que tal expansão gera: para uma população local de cerca
de 26.000 pessoas, segundo os Censos de 2011, e uma população imigrante legal
estimada em cerca de 10.000 pessoas, no início de 2020, já a viver sem
condições de habitação condignas, atirar tal número para os 36.000 (extra) é de
uma irresponsabilidade suicidária. Mesmo na situação atual, não só não há
condições de habitação condigna para tanta gente, como os serviços públicos
nunca foram devidamente reforçados e qualificados para responder seja à
população local, seja ao crescimento da imigração. Tal gera grande insatisfação
entre a população local e pode mesmo alimentar, a prazo, o ressentimento
político que alimenta a direita radical e extrema.
Por tudo isso,
termino fazendo minhas as palavras da petição supracitada: “Ao abrigo do Artigo
52.º da Constituição Portuguesa e em defesa dos valores intrínsecos do Sudoeste
Português, cada um dos subscritores deste documento entende que o Estado deve
proceder à revogação imediata da Resolução do Conselho de Ministros n.º
179/2019, de 24 de Outubro, que estabelece condições manifestamente
insuficientes para fazer face aos desafios desta região e que vem dar uma
resposta descarada às exigências e pressões do ‘lobby’ da indústria agrícola
intensiva, em vez de avaliar e debater seriamente a situação, e trazer soluções
às preocupações reais da população e de outros sectores socioeconómicos
fundamentais. Este movimento de cidadãos solicita também que sejam consideradas
as recomendações do relatório do Grupo de Trabalho do Mira, constituído em
Agosto de 2018, para avaliar a compatibilização da atividade agrícola no PRM
com a biodiversidade, os recursos hídricos, a gestão do território e o
ordenamento do PNSACV, inclusive os pedidos de reforço urgente dos serviços
públicos, de saúde e infraestruturas, solicitados pelos autarcas de Odemira e
Aljezur.”
O autor escreve
segundo o novo acordo ortográfico
Sem comentários:
Enviar um comentário