domingo, 30 de maio de 2021

O arquiteto Mateus e a “marquise” de Cristiano

 



Não há dúvida nenhuma que o arquitecto João Mateus desfrutava de uma relação privilegiada com Manuel Salgado. Ora, este ‘esprit de corps’ destes arquitectos criativos transformaram frequentemente as suas  actividades numa ameaça ao Património Arquitectónico.

OVOODOCORVO

 

O arquiteto Mateus e a “marquise” de Cristiano

João Villalobos

30.05.2021, 09:00

https://onovo.pt/opiniao/o-arquiteto-mateus-e-a-marquise-de-cristiano-CY331307?fbclid=IwAR0J75o5OVsGYdXERRZba9oBWFmE_QWt5xBrH4i_-gHiLJBK0HlSQTJdf3Y

 

“Para ganhar elegância a torre [da Portugália] até devia ser mais alta” disse provocatoriamente ao ‘Expresso’ em 2019, numa entrevista, o arquiteto José Mateus. Para desfeita do senhor arquiteto e do seu ateliê ARX (as empresas de arquitetura são sempre ‘ateliês’ como os das costureiras) a “elegância” viria a soçobrar perante o bom senso. Depois de um alargado debate público e de críticas da esquerda à direita, a torre do ‘Portugália Plaza’ que o arquiteto Mateus dizia não ser uma torre, porque era um prédio em cima de outro, foi mesmo encurtada em 11 metros na altura.

 

Habituados a petições públicas contra as suas visões vanguardistas normalmente ao serviço de multimilionários como o senhor Claude Berda, da Vanguard Properties, os irmãos José e Nuno Mateus têm tido muita sorte na sua atividade na capital. Exceto quando têm azar. Por exemplo, estiveram também no centro de uma outra polémica em cujo zénite o programa de Ana Leal rumou ao Algarve, para aborrecer o então vereador Manuel Salgado enquanto este descansava na praia. Uma falta de respeito. Finda a polémica, a autarquia acabaria em decisão unânime por declarar nulas as aprovações do projeto de arquitetura, do pedido de licenciamento de obras e até do pedido de informação prévia. E assim, o trabalho para o palacete do antigo Museu da Rádio e o seu jardim, na Rua do Quelhas, saiu das mãos da ARX e passou para as de um rival.

 

Envolvido na capital em projetos com nomes tão exaltantes da portugalidade como o Condomínio ‘Jungle Lofts Marvila’, o qual “nasce do traço do arquiteto José Mateus, da ARX, erguendo-se com linhas modernas e arrojadas”, o arquiteto foi agora e de novo notícia devido a um outro edifício, de mais singela designação. O ‘Castilho 203’. Outra torre. Mas uma torre de “planta cruciforme”. Isto porque, diz-nos o próprio: “Nesta forma cruciforme, os topos dos braços da cruz, onde se abrem varandas e vãos, obedecem a uma métrica que procura afirmar a pertença à cidade enquanto contexto de edifícios ritmados”.

 

Cristiano Ronaldo, pelos vistos, é que não esteve para obedecer à métrica e não foi de modas. Achou que precisava de um resguardo no terraço pelo qual pagara 7 milhões de euros e vai daí, à revelia da Câmara Municipal de Lisboa segundo declarações de Fernando Medina, optou por acrescentar uma estrutura metálica, nada cruciforme mas envidraçada, ao terraço dos Mateus. “Sinto profundo desprezo” por Cristiano Ronaldo, escreveu José Mateus na sua página do Facebook em reação à notícia do ‘Correio da Manhã’. O que seguiu foi um fartote, como está bom de ver e o melhor resumo foi o da ‘Sport Witness’: “Drama in Portugal. Ronaldo bought a €7m penthouse in Lisbon. On his roof he’s constructed a little glass hut to exercise in. This has left the architect ‘in shock’, and the local council angry”.

 

“A little glass hut”, portanto. Choca-se com facilidade, o arquiteto José Mateus. No fundo é como os cidadãos lisboetas que também se chocam “facilmente” com várias das obras dele. Mas em mais rico.

 

*Consultor de Comunicação

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