LISBOA
Igreja da Graça quer “fazer barulho” em defesa do seu
património
Um ciclo de concertos põe a igreja na rota cultural de
Lisboa, chamando a atenção para a urgente necessidade de obras que a protejam.
João Pedro Pincha
(Texto) e Daniel Rocha (Fotografia)
28 de Maio de
2021, 21:00
https://www.publico.pt/2021/05/28/local/noticia/igreja-graca-quer-barulho-defesa-patrimonio-1964474
Os turistas que
já enchem de novo o eléctrico 28 têm na Graça um ponto de paragem obrigatória
para apreciar as vistas sobre Lisboa, mas ali mesmo no miradouro está um
monumento que também anseia por atenção. A Igreja da Graça é um tesouro da
cidade que precisa de obras urgentes.
A necessidade não
é recente, mas nova é a vontade de alterar este estado de coisas. Cansado de
ver a degradação apoderar-se lentamente da igreja, Rui Valdemar decidiu abordar
o pároco para lhe propor um ciclo de concertos. O organista e director do
serviço de música de São Roque acredita que assim se conseguirá “sensibilizar e
alertar as pessoas que a igreja precisa de restauro e é património de todos
nós.”
Propriedade do Estado
e classificada como Monumento Nacional, a Graça tem sido martirizada por
infiltrações. O telhado é velho, precisa de substituição integral, e a parte de
cima da abóbada não conhece reabilitação há muitos anos. A água vai entrando e
fazendo os seus estragos. Antes passavam quase despercebidos no meio de tanto
esplendor barroco, mas agora são cada vez mais visíveis as rachas e os remendos
no tecto.
O padre Jorge
Dias, que lidera a paróquia há sete anos, diz que ainda em Março se desprendeu
mais um bocado de estuque lá de cima. Alertou a Direcção-Geral do Património
Cultural (DGPC), que regularmente acompanha o estado da igreja e há muito
identificou a necessidade de intervenção. Os técnicos da DGPC estiveram no
local em Março e Maio para elaborar um “relatório de diagnóstico sobre o estado
de conservação das coberturas”, tendo concluído que “muitas das patologias que
se verificam no interior radicam em deficiências do exterior, nomeadamente
coberturas, terraços, paredes e vãos”, informou ao PÚBLICO aquele organismo.
Para a tutela é
urgente a “reabilitação integral dos telhados” e a “substituição do
revestimento do terraço do claustro”, bem como a “reparação dos espaços
interiores e exteriores da igreja”, a “reparação dos vãos exteriores” e a
“reparação e pintura dos rebocos da igreja, sacristia e torre.” Além disso,
acrescenta a DGPC, “registou-se igualmente a necessidade de renovação das redes
e demais infra-estruturas”.
Mas a conversa
esbarra sempre no mesmo ponto: quem paga as obras?
A gestão da igreja
está a cargo da paróquia, que sobrevive com os donativos dos fiéis. Antes da
pandemia, os turistas eram uma importante fonte de receita. Logo à entrada está
uma grande caixa que apela a um contributo monetário, ali perto há velas e
pagelas à venda. Numa das salas, à esquerda, existe uma quermesse permanente
onde se pode encontrar desde serviços de louça completos a livros com a vida de
santos. Tem feito muito sucesso entre os estrangeiros.
As obras, porém,
têm um custo a rondar um milhão de euros. “A comunidade cristã tem amor ao seu
património, mas neste momento não tem capacidade”, comentava o padre Jorge ao
PÚBLICO em meados do ano passado. Algum tempo depois, Rui Valdemar lançou-lhe o
desafio de abrir as portas à música. “O objectivo é ir fazendo algum barulho”,
diz o pároco.
Deitar fora a
torradeira
Os concertos são
gratuitos, mas aos espectadores pede-se uma contribuição. Tanto o sacerdote
como o organista têm consciência de que isto não bastará para financiar os
trabalhos necessários, querem é que a situação da igreja se torne conhecida
para quem a frequenta.
Depois de um
primeiro ciclo no Natal, os concertos regressaram à Graça em meados de Maio e
prolongam-se até ao fim de Julho, sempre às 21h30. Este sábado, 29, há Olhares
íntimos: um concerto surpresa e intimista com o Duo Tesis, seguindo-se a 19 de
Junho Uma visão cosmopolita: a tuna vai à Graça e, a 3 de Julho, Olhares sobre
o renascimento inglês: Byrd, Download e Morley.
Um dos pontos
altos será a estreia do Requiem em memória às vítimas da covid-19, peça inédita
que será interpretada pela Orquestra Médica de Lisboa e respectivo coro a 17 de
Julho. Para fechar, haverá Olhares sobre o repertório esquecido do Convento da
Graça e da Igreja de São Roque, a 31 de Julho.
Rui Valdemar
explica que teve a preocupação de incluir “uma componente extra-musical” em
cada concerto para enriquecer a experiência. E também para pôr em evidência um
outro problema da Graça. “É a única igreja de Lisboa e uma das poucas do país
que tem três órgãos”, mas nenhum deles está em condições de ser tocado. Os dois
órgãos na capela-mor, gémeos, “estão esventrados”, faltando-lhe tubos e outras
peças.
Já o órgão do
coro alto, de grande dimensão, está “completamente inoperacional”. Trata-se,
segundo o músico, do “maior órgão romântico de Lisboa”, uma cidade que “não tem
um instrumento daquela dimensão que propicie a execução de repertório daquele
período [século XIX]”.
No coro alto,
precisamente, caíram já vários pedaços de estuque e tanto a parede como o tecto
estão brancos, sinal de que por ali as infiltrações também já deixaram a sua
marca negativa. À falta de melhor alternativa, as missas são acompanhadas por
aquilo a que na gíria dos organistas se chama “torradeira”: um órgão eléctrico.
Mas ele vai estar calado durante os concertos. “Seria de muito mau tom
apresentar um repertório de órgão num electrodoméstico”, diz Rui Valdemar.
O convento da
Graça, que está paredes meias com a igreja, foi concessionado pelo Estado ao
grupo Sana para aí ser criado um hotel. Quem gere a pasta é o Turismo de
Portugal, mas a DGPC diz que “está previsto um conjunto de contrapartidas, da
responsabilidade do promotor hoteleiro, de reabilitação da igreja, capela
mortuária e claustros, nomeadamente no tratamento das coberturas e do claustro
principal”.
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