domingo, 30 de maio de 2021

Igreja da Graça quer “fazer barulho” em defesa do seu património

 




LISBOA

Igreja da Graça quer “fazer barulho” em defesa do seu património

 

Um ciclo de concertos põe a igreja na rota cultural de Lisboa, chamando a atenção para a urgente necessidade de obras que a protejam.

 

João Pedro Pincha (Texto) e Daniel Rocha (Fotografia)

28 de Maio de 2021, 21:00

https://www.publico.pt/2021/05/28/local/noticia/igreja-graca-quer-barulho-defesa-patrimonio-1964474

 

Os turistas que já enchem de novo o eléctrico 28 têm na Graça um ponto de paragem obrigatória para apreciar as vistas sobre Lisboa, mas ali mesmo no miradouro está um monumento que também anseia por atenção. A Igreja da Graça é um tesouro da cidade que precisa de obras urgentes.

 

A necessidade não é recente, mas nova é a vontade de alterar este estado de coisas. Cansado de ver a degradação apoderar-se lentamente da igreja, Rui Valdemar decidiu abordar o pároco para lhe propor um ciclo de concertos. O organista e director do serviço de música de São Roque acredita que assim se conseguirá “sensibilizar e alertar as pessoas que a igreja precisa de restauro e é património de todos nós.”

 

Propriedade do Estado e classificada como Monumento Nacional, a Graça tem sido martirizada por infiltrações. O telhado é velho, precisa de substituição integral, e a parte de cima da abóbada não conhece reabilitação há muitos anos. A água vai entrando e fazendo os seus estragos. Antes passavam quase despercebidos no meio de tanto esplendor barroco, mas agora são cada vez mais visíveis as rachas e os remendos no tecto.

 

O padre Jorge Dias, que lidera a paróquia há sete anos, diz que ainda em Março se desprendeu mais um bocado de estuque lá de cima. Alertou a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), que regularmente acompanha o estado da igreja e há muito identificou a necessidade de intervenção. Os técnicos da DGPC estiveram no local em Março e Maio para elaborar um “relatório de diagnóstico sobre o estado de conservação das coberturas”, tendo concluído que “muitas das patologias que se verificam no interior radicam em deficiências do exterior, nomeadamente coberturas, terraços, paredes e vãos”, informou ao PÚBLICO aquele organismo.

 

Para a tutela é urgente a “reabilitação integral dos telhados” e a “substituição do revestimento do terraço do claustro”, bem como a “reparação dos espaços interiores e exteriores da igreja”, a “reparação dos vãos exteriores” e a “reparação e pintura dos rebocos da igreja, sacristia e torre.” Além disso, acrescenta a DGPC, “registou-se igualmente a necessidade de renovação das redes e demais infra-estruturas”.

 

Mas a conversa esbarra sempre no mesmo ponto: quem paga as obras?

 

A gestão da igreja está a cargo da paróquia, que sobrevive com os donativos dos fiéis. Antes da pandemia, os turistas eram uma importante fonte de receita. Logo à entrada está uma grande caixa que apela a um contributo monetário, ali perto há velas e pagelas à venda. Numa das salas, à esquerda, existe uma quermesse permanente onde se pode encontrar desde serviços de louça completos a livros com a vida de santos. Tem feito muito sucesso entre os estrangeiros.

 

As obras, porém, têm um custo a rondar um milhão de euros. “A comunidade cristã tem amor ao seu património, mas neste momento não tem capacidade”, comentava o padre Jorge ao PÚBLICO em meados do ano passado. Algum tempo depois, Rui Valdemar lançou-lhe o desafio de abrir as portas à música. “O objectivo é ir fazendo algum barulho”, diz o pároco.

 

Deitar fora a torradeira

Os concertos são gratuitos, mas aos espectadores pede-se uma contribuição. Tanto o sacerdote como o organista têm consciência de que isto não bastará para financiar os trabalhos necessários, querem é que a situação da igreja se torne conhecida para quem a frequenta.

 

Depois de um primeiro ciclo no Natal, os concertos regressaram à Graça em meados de Maio e prolongam-se até ao fim de Julho, sempre às 21h30. Este sábado, 29, há Olhares íntimos: um concerto surpresa e intimista com o Duo Tesis, seguindo-se a 19 de Junho Uma visão cosmopolita: a tuna vai à Graça e, a 3 de Julho, Olhares sobre o renascimento inglês: Byrd, Download e Morley.

 

Um dos pontos altos será a estreia do Requiem em memória às vítimas da covid-19, peça inédita que será interpretada pela Orquestra Médica de Lisboa e respectivo coro a 17 de Julho. Para fechar, haverá Olhares sobre o repertório esquecido do Convento da Graça e da Igreja de São Roque, a 31 de Julho.

 

Rui Valdemar explica que teve a preocupação de incluir “uma componente extra-musical” em cada concerto para enriquecer a experiência. E também para pôr em evidência um outro problema da Graça. “É a única igreja de Lisboa e uma das poucas do país que tem três órgãos”, mas nenhum deles está em condições de ser tocado. Os dois órgãos na capela-mor, gémeos, “estão esventrados”, faltando-lhe tubos e outras peças.

 

Já o órgão do coro alto, de grande dimensão, está “completamente inoperacional”. Trata-se, segundo o músico, do “maior órgão romântico de Lisboa”, uma cidade que “não tem um instrumento daquela dimensão que propicie a execução de repertório daquele período [século XIX]”.

 

No coro alto, precisamente, caíram já vários pedaços de estuque e tanto a parede como o tecto estão brancos, sinal de que por ali as infiltrações também já deixaram a sua marca negativa. À falta de melhor alternativa, as missas são acompanhadas por aquilo a que na gíria dos organistas se chama “torradeira”: um órgão eléctrico. Mas ele vai estar calado durante os concertos. “Seria de muito mau tom apresentar um repertório de órgão num electrodoméstico”, diz Rui Valdemar.

 

O convento da Graça, que está paredes meias com a igreja, foi concessionado pelo Estado ao grupo Sana para aí ser criado um hotel. Quem gere a pasta é o Turismo de Portugal, mas a DGPC diz que “está previsto um conjunto de contrapartidas, da responsabilidade do promotor hoteleiro, de reabilitação da igreja, capela mortuária e claustros, nomeadamente no tratamento das coberturas e do claustro principal”.

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