POLÍTICA
Nuno Afonso sente-se “injustiçado” por deixar de ser
vice-presidente do Chega. E diz que Ventura pode ter sido “mal aconselhado”
António Pedro
Ferreira
É um dos três vices do partido que deixam de o ser neste
III Congresso. Ao contrário de Diogo Pacheco de Amorim, encara a mudança como
uma despromoção. E afirma ter sido apunhalado. Militante número 2 do Chega,
coordenador autárquico e candidato à Câmara de Sintra, Nuno Afonso não
compreende a sua passagem a vogal, mas tem a ambição de chegar a deputado, conta
ao Expresso. A sua despromoção é mais um sinal da turbulência interna que a
reunião magna em Coimbra tem deixado evidente
30 MAIO 2021 3:25
Hélder Gomes
Jornalista
Como sai de
vice-presidente? Concorda com a decisão?
Saio magoado, mas
o André Ventura foi eleito presidente com uma percentagem muito grande dos
votos. Sou um democrata acima de tudo, portanto ele como presidente eleito – e
são estes os estatutos do partido – tem todo o direito de escolher a sua
direção e fazer o que bem entender. Não quer dizer que eu concorde com a
decisão. Até já falei com ele sobre isso. Politicamente não passa o sinal que
devia passar, até por causa das autárquicas.
Passa um mau
sinal?
Tudo o que
fazemos na política é visto por pessoas que não estão dentro do partido, que
não percebem as suas dinâmicas internas. Quase tudo aquilo que fazemos
politicamente é uma mensagem, é qualquer coisa que passa. Fazer uma mudança
radical destas, com alguém que é coordenador autárquico e candidato à segunda
maior Câmara do país, passa uma determinada mensagem. Depende das pessoas
interpretar essa mensagem.
Insistindo, é um
mau sinal para dentro e para fora do partido?
Para o interior, tenho
ideia que sim, até pela salva de aplausos que me deram no final e pelas
palavras que me dirigiram. Internamente, sim, é um mau sinal. É reconhecido
aqui por toda a gente que sou das pessoas que mais trabalharam até agora pelo
partido e que continuam a trabalhar mais afincadamente pelo partido. Para fora,
não sei, vai depender da interpretação. Uma coisa são as pessoas que estão fora
mas apoiam o partido, outra são as pessoas que estão fora e não apoiam o
partido. A verdade é que fora do partido não sou muito conhecido.
É o militante
número 2, acompanha Ventura desde antes da formação do partido...
Sim, é uma pessoa
que estimo imenso. Mesmo sendo amigo dele, ficou sempre muito claro que estou
no partido e tenho as funções que tenho pela minha competência, pela minha
disponibilidade, pela capacidade de trabalho. Penso que foi por isso que ele me
escolheu. Como amigo dele, podia ter-me encostado e passar entre os pingos da
chuva. A verdade é que nunca me encostei. Sempre trabalhei, sempre dei o máximo
pelo partido – até muitas vezes prejudicando a minha vida pessoal, daí também
ter ficado magoado.
Se não fosse o
Nuno Afonso mas ‘apenas’ um conselheiro, não teria aconselhado Ventura a tirar
um Nuno Afonso da vice-presidência...
Não teria, não.
De maneira nenhuma. Desde o início que sinto que faltam quadros a este partido,
pessoas que saibam pensar política, que percebam as dinâmicas da política e que
estejam ideologicamente alinhadas com o que queremos e idealizámos para o
partido. Quando conseguimos juntar a isso uma pessoa com capacidade de
trabalho, que é leal ao líder e que tem essa relação de proximidade com ele e
que, ao contrário de muita gente que rodeia os políticos, lhe diz as coisas na
cara e não está lá só para bater palmas e concordar sempre, jamais deixaria
sair uma pessoa assim. O André é obstinado, quando toma uma decisão leva-a em
frente e provavelmente, por algum motivo, achou que essa era a melhor forma de
resolver as coisas, portanto tenho de respeitar.
Considera que
Ventura foi mal aconselhado?
Acho que foi uma
má decisão, portanto se alguém o aconselhou a fazer isso, foi mal aconselhado,
sim.
Este não terá
sido o melhor ‘timing’, com as eleições autárquicas a escassos meses, as
primeiras autárquicas que o partido disputará, logo uma prova de fogo...
As autárquicas
são mais uma prova de fogo, não são ‘a’ prova de fogo. E pode ser um momento de
viragem. Com bons resultados autárquicos teremos uma grande implantação a nível
nacional, nas bases, no terreno, na sociedade civil. Isso será muito importante
para o crescimento do partido. Se esta situação do meu cargo na direção se vai
revelar importante ou não... Acredito que o trabalho que vou fazer em Sintra
fá-lo-ia da mesma maneira, fosse vogal, presidente ou vice-presidente. O meu
empenho é o mesmo. Não creio que da minha parte, ao nível da candidatura, tenha
qualquer influência. Agora, lá está, tem a ver com a imagem que passa para
fora.
É um mau
‘timing’?
Se eu o
aconselhasse, não o faria nesta altura, pelo menos não até às eleições. Mas o
Congresso é agora, o próximo será, se tudo correr bem, só daqui a quatro anos.
Isto pode deixar
mácula no partido?
Tal como eu senti
o embate, acho que houve muita gente que sentiu o mesmo. Recebi muitas
mensagens de apoio, até de pessoas que não estão tão próximas do partido, que
são militantes e simpatizantes mas não estão aqui, por exemplo. Acredito que
possa deixar algum sinal, sim.
Um mau sinal?
Menos positivo,
sim.
No final da sua
intervenção deste sábado disse: “Por muito que eu seja apunhalado, não vou
desistir nunca.” Isto significa que foi apunhalado por colegas de partido?
Significa que
façam o que fizerem, entrei aqui de cabeça erguida e vou sair daqui de cabeça
erguida. Na minha vida, fruto de ter uma coisa que incomoda muita gente e que
se chama coluna vertebral, vou continuar de cabeça erguida.
O que o faz
continuar no Chega depois de ter sido apunhalado?
Não há mais
nenhum partido em Portugal a defender certas causas que vão ser muito
importantes no futuro. Hoje em dia não lhes damos muita importância mas no
futuro vão ser fundamentais, como já estão a ser na Europa. É por isso que eu
continuo.
Aguentaria ser
apunhalado noutro partido que não o Chega e continuar?
Por acaso, saí do
PSD exatamente por causa de uma punhalada do mesmo género. Às vezes, custa
darmos tanto de nós e trabalharmos tanto e depois vermos outros a ficarem com
os louros. Foi isso que me aconteceu no PSD. Há demasiados jogos de interesse,
há demasiadas pessoas que precisam do dinheiro porque não sabem fazer mais
nada. É um dos problemas da política portuguesa.
Incluindo no
Chega?
Se calhar o Chega
começa a ser dominado também por essa franja da sociedade. Há pessoas que se
aproximam da política e vêm por bem e não precisam da política. E há aquelas
que precisam da política porque não sabem fazer mais nada. Cabe a quem está a
liderar o partido saber fazer a triagem de quem quer ao seu lado e nos cargos
de relevo.
O que ambiciona
dentro do partido?
Bom, eu era
vice-presidente. Mais do que isso, só se quisesse ser presidente... e não
quero. Nunca esteve nos meus planos. Agora se calhar já não tenho idade para
isso e tenho uma filha, mas gostava de ter uma experiência na Europa como
eurodeputado. E gostava muito de ser deputado no Parlamento nacional.
Já na sequência
das próximas legislativas?
Sim, sim. Mas
isso não é uma escolha que dependa de mim. Depende do meu trabalho. Acredito
muito na meritocracia e acredito que é um dos princípios deste partido. E
acredito que o meu mérito será reconhecido.
Se a situação
azedasse e se visse forçado a bater com a porta ou lhe apontassem a porta de
saída, como é que sairia?
Com tristeza e
mágoa, mas com o sentimento de dever cumprido. Eu também tenho as minhas linhas
vermelhas. Mas sinto que neste momento já cumpri uma parte muito importante do
meu trabalho e, acima de tudo, que ajudei a fazer história.
Quais são as suas
linhas vermelhas?
Coisas muito
agressivas. Não estou a pensar em nada específico.
Neste caso não
foi ultrapassada nenhuma das suas linhas vermelhas?
Poderia ter
saído, sim. Poderia ter-me sentido traído, que já estava farto disto. Mas
confio no André. Vamos esperar que ele tenha razão e que tenha sido pelo
melhor.
Não se sentiu
traído?
Senti-me magoado.
Já o assumi perante o André. Sinto que fui injustiçado, que é injusto eu ser
despromovido, por assim dizer. Mas traído, acho que não.
Diogo Pacheco de
Amorim, que também deixa de ser vice-presidente, disse ao Expresso que não
encara isso como uma despromoção.
Não sei se terei
expectativas diferentes dele. O Diogo também não está connosco desde o início.
Já está há algum tempo, sim, mas não está no processo da criação propriamente
dita do partido, mesmo na fase anterior à criação. Não sei se ele sente o
partido da mesma maneira que eu. E politicamente se calhar faz uma análise
diferente da minha. Eu fiquei triste e desiludido, como disse. No caso dele,
como vi nas notícias, foi ele que pediu que isso acontecesse.
E o partido
aguenta-se com despromoções como a sua?
Na política como
nas empresas, se os líderes tomam decisões que aos olhos dos outros parecem
injustas e se não as conseguem justificar, isso causa danos.
Danos nas
sondagens, por exemplo, mas também reputacionais?
Sobretudo mais danos internos.
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