domingo, 30 de maio de 2021

Nuno Afonso sente-se “injustiçado” por deixar de ser vice-presidente do Chega. E diz que Ventura pode ter sido “mal aconselhado”

 


POLÍTICA

Nuno Afonso sente-se “injustiçado” por deixar de ser vice-presidente do Chega. E diz que Ventura pode ter sido “mal aconselhado”

 

António Pedro Ferreira

É um dos três vices do partido que deixam de o ser neste III Congresso. Ao contrário de Diogo Pacheco de Amorim, encara a mudança como uma despromoção. E afirma ter sido apunhalado. Militante número 2 do Chega, coordenador autárquico e candidato à Câmara de Sintra, Nuno Afonso não compreende a sua passagem a vogal, mas tem a ambição de chegar a deputado, conta ao Expresso. A sua despromoção é mais um sinal da turbulência interna que a reunião magna em Coimbra tem deixado evidente

 

30 MAIO 2021 3:25

Hélder Gomes

Jornalista

https://expresso.pt/politica/2021-05-30-Nuno-Afonso-sente-se-injusticado-por-deixar-de-ser-vice-presidente-do-Chega.-E-diz-que-Ventura-pode-ter-sido-mal-aconselhado-0ec1c58e?fbclid=IwAR0MaSNYdQC0okTC2kxdmQjeX3h6u1Hn2zaI0nVfR9kJ0t1ObfmtIxJAOJ0

 

Como sai de vice-presidente? Concorda com a decisão?

Saio magoado, mas o André Ventura foi eleito presidente com uma percentagem muito grande dos votos. Sou um democrata acima de tudo, portanto ele como presidente eleito – e são estes os estatutos do partido – tem todo o direito de escolher a sua direção e fazer o que bem entender. Não quer dizer que eu concorde com a decisão. Até já falei com ele sobre isso. Politicamente não passa o sinal que devia passar, até por causa das autárquicas.

 

Passa um mau sinal?

Tudo o que fazemos na política é visto por pessoas que não estão dentro do partido, que não percebem as suas dinâmicas internas. Quase tudo aquilo que fazemos politicamente é uma mensagem, é qualquer coisa que passa. Fazer uma mudança radical destas, com alguém que é coordenador autárquico e candidato à segunda maior Câmara do país, passa uma determinada mensagem. Depende das pessoas interpretar essa mensagem.

 

Insistindo, é um mau sinal para dentro e para fora do partido?

Para o interior, tenho ideia que sim, até pela salva de aplausos que me deram no final e pelas palavras que me dirigiram. Internamente, sim, é um mau sinal. É reconhecido aqui por toda a gente que sou das pessoas que mais trabalharam até agora pelo partido e que continuam a trabalhar mais afincadamente pelo partido. Para fora, não sei, vai depender da interpretação. Uma coisa são as pessoas que estão fora mas apoiam o partido, outra são as pessoas que estão fora e não apoiam o partido. A verdade é que fora do partido não sou muito conhecido.

 

É o militante número 2, acompanha Ventura desde antes da formação do partido...

Sim, é uma pessoa que estimo imenso. Mesmo sendo amigo dele, ficou sempre muito claro que estou no partido e tenho as funções que tenho pela minha competência, pela minha disponibilidade, pela capacidade de trabalho. Penso que foi por isso que ele me escolheu. Como amigo dele, podia ter-me encostado e passar entre os pingos da chuva. A verdade é que nunca me encostei. Sempre trabalhei, sempre dei o máximo pelo partido – até muitas vezes prejudicando a minha vida pessoal, daí também ter ficado magoado.

 

Se não fosse o Nuno Afonso mas ‘apenas’ um conselheiro, não teria aconselhado Ventura a tirar um Nuno Afonso da vice-presidência...

Não teria, não. De maneira nenhuma. Desde o início que sinto que faltam quadros a este partido, pessoas que saibam pensar política, que percebam as dinâmicas da política e que estejam ideologicamente alinhadas com o que queremos e idealizámos para o partido. Quando conseguimos juntar a isso uma pessoa com capacidade de trabalho, que é leal ao líder e que tem essa relação de proximidade com ele e que, ao contrário de muita gente que rodeia os políticos, lhe diz as coisas na cara e não está lá só para bater palmas e concordar sempre, jamais deixaria sair uma pessoa assim. O André é obstinado, quando toma uma decisão leva-a em frente e provavelmente, por algum motivo, achou que essa era a melhor forma de resolver as coisas, portanto tenho de respeitar.

 

Considera que Ventura foi mal aconselhado?

Acho que foi uma má decisão, portanto se alguém o aconselhou a fazer isso, foi mal aconselhado, sim.

 

Este não terá sido o melhor ‘timing’, com as eleições autárquicas a escassos meses, as primeiras autárquicas que o partido disputará, logo uma prova de fogo...

As autárquicas são mais uma prova de fogo, não são ‘a’ prova de fogo. E pode ser um momento de viragem. Com bons resultados autárquicos teremos uma grande implantação a nível nacional, nas bases, no terreno, na sociedade civil. Isso será muito importante para o crescimento do partido. Se esta situação do meu cargo na direção se vai revelar importante ou não... Acredito que o trabalho que vou fazer em Sintra fá-lo-ia da mesma maneira, fosse vogal, presidente ou vice-presidente. O meu empenho é o mesmo. Não creio que da minha parte, ao nível da candidatura, tenha qualquer influência. Agora, lá está, tem a ver com a imagem que passa para fora.

 

É um mau ‘timing’?

Se eu o aconselhasse, não o faria nesta altura, pelo menos não até às eleições. Mas o Congresso é agora, o próximo será, se tudo correr bem, só daqui a quatro anos.

 

Isto pode deixar mácula no partido?

Tal como eu senti o embate, acho que houve muita gente que sentiu o mesmo. Recebi muitas mensagens de apoio, até de pessoas que não estão tão próximas do partido, que são militantes e simpatizantes mas não estão aqui, por exemplo. Acredito que possa deixar algum sinal, sim.

 

Um mau sinal?

Menos positivo, sim.

 

No final da sua intervenção deste sábado disse: “Por muito que eu seja apunhalado, não vou desistir nunca.” Isto significa que foi apunhalado por colegas de partido?

Significa que façam o que fizerem, entrei aqui de cabeça erguida e vou sair daqui de cabeça erguida. Na minha vida, fruto de ter uma coisa que incomoda muita gente e que se chama coluna vertebral, vou continuar de cabeça erguida.

 

O que o faz continuar no Chega depois de ter sido apunhalado?

Não há mais nenhum partido em Portugal a defender certas causas que vão ser muito importantes no futuro. Hoje em dia não lhes damos muita importância mas no futuro vão ser fundamentais, como já estão a ser na Europa. É por isso que eu continuo.

 

Aguentaria ser apunhalado noutro partido que não o Chega e continuar?

Por acaso, saí do PSD exatamente por causa de uma punhalada do mesmo género. Às vezes, custa darmos tanto de nós e trabalharmos tanto e depois vermos outros a ficarem com os louros. Foi isso que me aconteceu no PSD. Há demasiados jogos de interesse, há demasiadas pessoas que precisam do dinheiro porque não sabem fazer mais nada. É um dos problemas da política portuguesa.

 

Incluindo no Chega?

Se calhar o Chega começa a ser dominado também por essa franja da sociedade. Há pessoas que se aproximam da política e vêm por bem e não precisam da política. E há aquelas que precisam da política porque não sabem fazer mais nada. Cabe a quem está a liderar o partido saber fazer a triagem de quem quer ao seu lado e nos cargos de relevo.

 

O que ambiciona dentro do partido?

Bom, eu era vice-presidente. Mais do que isso, só se quisesse ser presidente... e não quero. Nunca esteve nos meus planos. Agora se calhar já não tenho idade para isso e tenho uma filha, mas gostava de ter uma experiência na Europa como eurodeputado. E gostava muito de ser deputado no Parlamento nacional.

 

Já na sequência das próximas legislativas?

Sim, sim. Mas isso não é uma escolha que dependa de mim. Depende do meu trabalho. Acredito muito na meritocracia e acredito que é um dos princípios deste partido. E acredito que o meu mérito será reconhecido.

 

Se a situação azedasse e se visse forçado a bater com a porta ou lhe apontassem a porta de saída, como é que sairia?

Com tristeza e mágoa, mas com o sentimento de dever cumprido. Eu também tenho as minhas linhas vermelhas. Mas sinto que neste momento já cumpri uma parte muito importante do meu trabalho e, acima de tudo, que ajudei a fazer história.

 

Quais são as suas linhas vermelhas?

Coisas muito agressivas. Não estou a pensar em nada específico.

 

Neste caso não foi ultrapassada nenhuma das suas linhas vermelhas?

Poderia ter saído, sim. Poderia ter-me sentido traído, que já estava farto disto. Mas confio no André. Vamos esperar que ele tenha razão e que tenha sido pelo melhor.

 

Não se sentiu traído?

Senti-me magoado. Já o assumi perante o André. Sinto que fui injustiçado, que é injusto eu ser despromovido, por assim dizer. Mas traído, acho que não.

 

Diogo Pacheco de Amorim, que também deixa de ser vice-presidente, disse ao Expresso que não encara isso como uma despromoção.

Não sei se terei expectativas diferentes dele. O Diogo também não está connosco desde o início. Já está há algum tempo, sim, mas não está no processo da criação propriamente dita do partido, mesmo na fase anterior à criação. Não sei se ele sente o partido da mesma maneira que eu. E politicamente se calhar faz uma análise diferente da minha. Eu fiquei triste e desiludido, como disse. No caso dele, como vi nas notícias, foi ele que pediu que isso acontecesse.

 

E o partido aguenta-se com despromoções como a sua?

Na política como nas empresas, se os líderes tomam decisões que aos olhos dos outros parecem injustas e se não as conseguem justificar, isso causa danos.

 

Danos nas sondagens, por exemplo, mas também reputacionais?

Sobretudo mais danos internos.

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