Por este Rio abaixo
Há algo de comovente na tragédia de Rui Rio. Tem um
programa, mas é impossível.
Ana Sá Lopes
26 de Maio de
2021, 23:34
https://www.publico.pt/2021/05/26/politica/analise/rio-abaixo-1964226
Há qualquer coisa
de trágico – e ao mesmo tempo de quase comovente — em Rui Rio. Aceita aparecer
no chamado “congresso das direitas” contente por não haver uma tabuleta a dizer
“congresso das direitas”, porque como não é de direita não iria conseguir
entrar; repete o mesmo discurso sobre dívida, défice, crescimento e exportações
que tem há anos (recusando sugestões para que o discurso do PSD deixe de estar
centrado nas finanças); anuncia que o seu programa para salvar Portugal passa
por um acordo com o PS e que o tal programa — que é o de sempre, reforma do
sistema político e do sistema da justiça — é impossível. “O PS não quer
reformar nada”: foi o único momento, o das críticas ao PS e não o enunciado do
programa, em que o congresso das direitas acedeu a aplaudi-lo. Depois, diz que
já tomou a vacina da Astrazeneca, está muito bem e vai-se embora. Passos Coelho,
o fantasma presente na sala, acompanha com carinho o sucessor à saída, numa
quase metáfora do que pode ser o futuro do PSD, a avaliar pelo saudosismo
passista presente na velha FIL.
Sentado na
primeira fila, para onde saltou rapidamente depois de na terça-feira ter
começado por sentar-se cá mais atrás, Passos Coelho foi um catalisador do
sentimento de orfandade existente no PSD, expresso em aplausos e homenagens ao
antigo líder enquanto o nome de Rui Rio ou era omitido ou atacado.
No fim de contas,
a convenção serviu para sinalizar que Passos Coelho é um unificador das várias
direitas na órbita do PSD — e a sua disciplinada presença dentro da sala quase
do princípio ao fim funcionou como um cartaz. A reunião serviu também para
institucionalizar o partido da extrema-direita, o Chega, e ajudar a Iniciativa
Liberal a percorrer o seu caminho — pelo menos enquanto D. Sebastião não se
levantar da primeira fila da assistência e decidir subir ao palco. Com André
Ventura a declarar querer ser “Governo” e a ameaçar que a direita não voltaria
ao poder sem o Chega (e assinava também o seguro de vida do PS e de António
Costa) os presentes entusiasmavam-se e aplaudiam.
Foi também um
palco excelente para mostrar um Paulo Portas moderadíssimo, candidatável a
Belém e contra a democracia transformada em “gritaria" (longe vão os
tempos do CDS do triunvirato Manuel Monteiro/Paulo Portas/O Independente e a
sua específica gritaria numa época sem redes sociais). Da presença obnóxia de
militantes do PS num encontro para discutir a reconfiguração das direitas, útil
só o conselho de Henrique Neto: “Esta reunião tem por trás de si o desejo de
substituir um Governo de esquerda por um Governo de centro-direita. É preciso
ver quem está em condições de liderar. Eu, se fosse ao dr. Rui Rio, limitava-me
a pôr numa folha de papel dez causas e propunha-as ao centro-direita do país”.
Até há causas, mas são impossíveis.
Discurso
inteligente e a sair da estranha amálgama que pairou na “reconfiguração das
direitas" foi o de Miguel Poiares Maduro a estabelecer as fronteiras que
Rui Rio não quis fazer, contra os que “entendem que a necessidade de oferecer
uma alternativa se sobrepõe à qualidade dessa alternativa”. Não é o seu caso:
“De pouco serve unir todo o espaço não socialista se as diferenças no seu seio
forem tão ou mais graves do que as que o separam do outro lado”.
Quanto ao resto,
é de lembrar o papel patriótico dos “founding fathers” da direita portuguesa
quando integraram os saudosistas do Estado Novo nos seus partidos — o PSD
“socialista” de Sá Carneiro e o CDS centrista de Freitas do Amaral. A adesão ao
regime deposto sempre existiu — “O que era preciso era outro Salazar” sempre
foi um elemento do vox populi — e continua a aparecer em eventos da direita,
mesmo que poeticamente. A historiadora Fátima Bonifácio encerrou a sua
intervenção a citar Fernando Pessoa sobre o ditador: “A sua simplicidade dura e
fria pareceu qualquer coisa de bronze e fundamental”. Tinha dito.
Rui Rio no MEL. “O PSD não é um partido de direita”
POLÍTICA
26.05.2021 às
21h32
RITA RATO NUNES
JORNALISTA
JOSÉ CARLOS
CARVALHO
REPÓRTER
FOTOGRÁFICO
O líder social-democrata entrou na convenção do Movimento
da Europa e das Liberdades (MEL) às escuras. Ignorou o tema transversal à
reunião das direitas (a possibilidade de uma união) e lavou daqui as suas mãos,
afastando-se dos outros partidos presentes e que tantas críticas lhe dedicaram,
durante dois dias
Chegada a hora da
desforra, Rui Rio – o líder partidário mais criticado durante a terceira
convenção do Movimento da Europa e das Liberdades (MEL) – subiu ao palco e
ignorou o repto dos partidos à sua direita para se unir ao CDS, à IL e ao
Chega. Aliás, até começou por se demarcar destes: “Se isto fosse um congresso
das direitas eu não conseguiria entrar. Teria sido barrado. O PSD não é um
partido de direita”. Esclarecendo que “o PSD, quando nasceu, em 1974, não só
era de centro como era marcadamente de centro-esquerda”.
Nos últimos dois
dias, o presidente do PSD esteve debaixo de fogo de todos os líderes da direita
e até dos militantes do seu próprio partido, que o acusaram de ser um líder
fraco, de se aproximar do Partido Socialista e de ser responsável pelo
surgimento das novas forças políticas à direita. Francisco Rodrigues dos
Santos, líder do CDS-PP, deixou o recado: “Para combater a esquerda, não
precisamos de uma obsessão pelo centro” nem de fazer “fretes ao PS”. João
Cotrim de Figueiredo, líder da Iniciativa Liberal, foi mais concreto, dizendo
mesmo que o PSD “está a fazer o jogo dessa esquerda” e André Ventura, líder do
Chega, apontou que Rio é incapaz de “fazer o seu papel de oposição”. Mesmo dentro
do PSD ouviram-se várias críticas ao atual líder, que tiveram o seu expoente
máximo na pessoa de Miguel Pinto Luz. O vice-presidente da Câmara de Cascais,
que disputou as últimas eleições internas com Rio, até concedeu que o seu
presidente “seria muito melhor primeiro-ministro do que António Costa”, mas “a
verdade é que não tem adesão”.
Perante isto, o
líder social-democrata assobiou para o lado, optou por olhar para o passado e
defender o Governo de Passos Coelho, que cumprimentou entusiasticamente assim
que entrou no auditório do Centro de Congressos de Lisboa. E que, segundo Rio,
“só teve um ano de liberdade. Nos outros três foi a troika que governou”.
Mas o presidente
do PSD centrou-se sobretudo na análise dos problemas estruturais do País sob os
eixos do “brutal endividamento externo” e do “endividamento público”, que terão
levado Portugal à estagnação, tendo apenas arrancado palmas à plateia já no
final, quando falou no PS para dizer que este partido “não quer reformar nada”.
Com a mão que
afastou, também condescendeu, justificando ainda que o País precisa de reformas
estruturais e que estas não podem ser alcançadas sem diálogo entre os dois
grandes partidos: o PS e o PSD. “A cultura dominante não é a cultura do diálogo
democrático. Existe a ideia de que uma oposição forte nunca coopera, só diz
mal, está sempre contra. E quando coopera tem de se tirar e pôr alguém que
venha falar mais alto”, declarou Rio.
Se Passos Coelho quisesse…
Não falou, mas
também não foi preciso. O ex-primeiro-ministro social-democrata, Pedro Passos
Coelho, chegou para a abertura da convenção, nesta quarta-feira, e ficou até ao
final para ouvir Rio. Manteve-se o tempo (quase) todo em silêncio, mas a ânsia
do seu regresso era palpável na sala e deixou uma certeza: se Passos Coelho
quiser voltar, Rui Rio terá dores de cabeça.
De todas as vezes
que o seu nome foi mencionado – e não foram poucas – a sala dedicava-lhe uma
salva de palmas. Comum também foi a interpretação de que os problemas da
direita seriam minimizados com o ex-primeiro-ministro ao leme.
Rio e Passos
abandonaram o MEL juntos, mas sobre o discurso do atual líder – que Passos aplaudiu
de pé – nada quis acrescentar aos jornalistas.
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