OPINIÃO
Preços da habitação: já ninguém aguenta mais e o futuro
do Governo joga-se aqui
A loucura que se atingiu com a habitação pode ser, para
António Costa, o que foi o bloqueio da ponte para Cavaco Silva.
Ana Sá Lopes
30 de Setembro de
2023, 20:01
As manifestações
deste sábado foram um sinal do que, na realidade, já se sabia: a crise da
habitação atingiu o limite do suportável.
Não há nenhuma
conversa entre pessoas normais que não seja sobre a impossibilidade de arranjar
uma casa a um preço que os salários nacionais possam pagar. A bolha explodiu e
o assunto é demasiado grave para que o PS e o Governo continuem a sustentar um
discurso recheado de optimismo delirante, como fez António Costa na rentrée do
PS.
O pacote “Mais
Habitação” é manifestamente pouco. A forma como o PS decidiu ignorar todos os
alertas de Marcelo Rebelo de Sousa — uma atitude só explicada pela presente
tensão entre Presidente e Governo — e todas as propostas da oposição mostra
também que nesta matéria se chegou àquele ponto em que chegam todos os governos
que estão há muito tempo no poder. É habitual chamar-lhe “arrogância”, mas
consiste em ignorar a rua.
É sempre bom
lembrar os exemplos históricos, porque em política a história repete-se muito
mais vezes do que julgamos. O cavaquismo “acabou” quando o Governo decidiu
acabar com o feriado da terça-feira de Carnaval (uma arrogância inexplicável) e
aumentar as portagens na Ponte 25 de Abril, dando origem ao bloqueio.
A loucura que se
atingiu com a habitação pode ser, para António Costa, o que foi o bloqueio da
ponte para Cavaco Silva. Já escrevi noutro texto como fiquei boquiaberta ao ver
o primeiro-ministro gabar-se do seu enorme sucesso com as políticas de habitação.
O problema não é
só português, é europeu. Segundo os dados do Eurostat, o investimento em 2021
em Portugal em habitação foi igual ao da Hungria (3,9%), longe da República
Checa (4,7%) e muito distante de Chipre, Alemanha, Finlândia ou França (7,6% no
primeiro e 7% nos restantes). Quanto ao investimento público, Portugal está na
cauda da Europa, ainda que o Orçamento de 2023 tenha feito subir a percentagem
em 65%.
Mas o facto de o
Plano de Recuperação e Resiliência ser, na realidade, a verdadeira alavanca
para a construção mostra como antes da covid o dossier não foi prioridade. Na
mensagem ao Parlamento, a acompanhar o veto, Marcelo disse uma coisa de
esquerda ou, pelo menos, genuinamente social-democrata: “Salvo de forma
limitada, e com fundos europeus, o Estado não vai assumir responsabilidade
directa na construção de habitação.” É bastante penoso que um ciclo político
que começou com um acordo PS-PCP-Bloco de Esquerda não tenha colocado a questão
da habitação nos acordos de 2015. É verdade que em 2015 a crise não era tão
dramática como é hoje, mas a famosa “lei Cristas” estava em vigor praticamente
sem mexidas.
Este deslaçar do
tecido social — que a isenção de impostos e facilidades aos especuladores fez
disparar, vulgo “vistos gold” — pode aumentar as tendências xenófobas na
sociedade portuguesa.
Há um certo
discurso antiturismo demasiadamente parecido com o discurso anti-imigrantes
para poder ser ignorado. A presença do Chega na manifestação é o sinal óbvio: o
partido sabe como as duas coisas — o ódio ao estrangeiro que vem “roubar” as
nossas coisas — se podem misturar. A esquerda tem de saber fazer melhor.
A situação da
habitação chegou ao limite e estende-se a quase todo o país. Mas nunca é demais
lembrar que há uns anos no Rossio, em Lisboa, vivia “uma” pessoa. A Baixa
estava a cair aos bocados e era assustadora à noite para quem andava sozinho. O
turismo contribuiu para a riqueza nacional e para o emprego de uma forma
decisiva.
A ideia de uma
Lisboa perfeita cheia de lisboetas — nunca foi — é falsa e é bastante parecida
com aquelas crónicas bacocas sobre um Algarve idílico sem turistas, no tempo em
que só os ricos faziam férias.
Agora, é urgente
um equilíbrio que não existiu nas políticas públicas e que faz com que, neste
momento, as pessoas estejam bastante pior, mesmo que as contas do país estejam
melhor, na imortal frase de Luís Montenegro do tempo da troika.
O futuro
eleitoral do PS joga-se aqui (pelo menos esta é uma linguagem que António Costa
compreende).
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