IMAGEM de OVOODOCORVO
ANÁLISE
Tentar perceber as eleições francesas
O que está em jogo é a maioria absoluta do Presidente
Macron. O resto é pouco relevante
Jorge Almeida
Fernandes
18 de Junho de
2022, 7:00
https://www.publico.pt/2022/06/18/mundo/analise/tentar-perceber-eleicoes-francesas-2010428
A pergunta que
faremos no domingo à noite não é se Emmanuel Macron foi eleito Presidente, mas
se o foi com maioria absoluta ou relativa. É o que determinará as consequências
políticas das presidenciais. Jean-Luc Mélenchon jamais será primeiro-ministro,
como diz, mas poderá ter sucesso na outra frente: enfraquecer Macron.
A maioria
absoluta exige 289 dos 577 deputados. As sondagens para esta segunda volta das
legislativas são muito flutuantes. A coligação de Macron, Juntos! (Ensemble),
poderá conquistar entre 265 e 305 lugares; a segunda força, a NUPES (Nova União
Popular, Ecológica e Social) em que Mélenchon reúne quase toda a esquerda,
extrema-esquerda e ecologistas, poderá ganhar entre 150 e 200 mandatos. Não tem
qualquer hipótese de chegar ao Governo. Estes números variam ligeiramente
consoante as projecções e estão sujeitos a surpresas, em grande medida pela
incógnita da abstenção.
A terceira força
mais votada na primeira volta foi a União Nacional (RN, extrema-direita), de
Marine Le Pen, que formará pela primeira vez um grupo parlamentar de 20 a 40
deputados. Com metade dos seus votos, Os Republicanos (LR, direita) elegerão de
60 e 80 deputados.
É um efeito do
sistema eleitoral francês, sufrágio maioritário a duas voltas, concebido para
criar maiorias e favorecer a bipolarização entre esquerda e direita. Uma outra
leitura da primeira volta e das sondagens confirma a tripolarização eleitoral:
Juntos!, NUPES e RN. Desfeito o Partido Socialista, cujos restos se renderam a
Mélenchon, o LR sobrevive com dificuldade. A tripolarização tem ainda outro
efeito: não há alianças nem transferência de votos entre três grandes blocos
irredutíveis, o que torna estas eleições diferentes de todas as anteriores.
As eleições de
2017 assistiram à subida do centro, numa posição hegemónica, e à queda da
esquerda de 42% em 2012 para 25,8 em 2017, valores que hoje se mantêm. A
direita sofreu um acelerado desgaste – 27%, 18,9 e 11,3 nos mesmos anos –
enquanto o centro recua 7 pontos em relação ao auge de 2017. Quem sobe nestas
legislativas? O partido de Marine Le Pen, que passa de 13,5% para 22,9 em
relação às eleições anteriores.
A noite de
Mélenchon
No domingo da
primeira volta das presidenciais todos tinham os olhos em Marine Le Pen. Mas, a
partir da noite, todas as atenções se voltaram para Mélenchon que, ficando em
terceiro lugar, se proclamou vencedor e convocou os franceses para uma
“terceira volta”, as legislativas, propondo-se conquistar a maioria e lançando
a palavra de ordem “Mélenchon primeiro-ministro”.
O seu resultado
nas presidenciais permitiu-lhe criar a NUPES. Não só reúne sob a hegemonia de A
França Insubmissa (LFI) a esmagadora maioria dos eleitores de esquerda como se
impôs a ecologistas, socialistas e comunistas, emergindo como chefe da esquerda
e também como primeira força da oposição.
Muitos esperavam
um confronto geral entre a aliança presidencial e a extrema-direita, a situação
mais favorável para Macron. Em vez disso, haverá o afrontamento da maioria
presidencial com a coligação de Mélenchon, em 276 duelos.
A NUPES propõe
aos franceses trabalhar menos, por menos tempo e serem mais bem pagos. Promete
baixar a idade da reforma e criar um milhão de novos empregos públicos. Quer
sair do comando militar da NATO e mudar a política externa francesa. E,
sobretudo, apela à “insubmissão” perante as regras orçamentais europeias,
garantindo que os parceiros europeus serão obrigados a resignar-se para evitar uma
“crise sistémica” na UE dado o peso da França, too big to fail.
A credibilidade
do seu programa é nula. A primeira-ministra, Elisabeth Borne, contra-ataca: “A
soberania nacional não é a ruptura com a Europa, o fascínio por regimes
autoritários e o alinhamento com a Rússia, mas uma nação forte no seio de uma
Europa mais independente.”
A NUPES não tem
grande margem de manobra e dispõe de escassas reservas de votos, observa o
Monde. O seu protagonismo e o seu programa ameaçam criar uma frente anti-Mélenchon.
E, como acima se disse, a NUPES não aumentou o eleitorado da esquerda, apenas
reuniu o de 2017. O seu antigo e principal objectivo era “devorar” o PS. Já o
conseguiu. O outro é anular a hipótese de uma segunda maioria absoluta de
Macron e limitar a sua margem de manobra.
O equívoco de
Macron
“Não é banal ver
um dos perdedores da eleição presidencial conduzir o jogo como se tivesse
ganho”, resumiu uma jornalista. Mas, em grande medida, foi a campanha eleitoral
de Macron que deu o espaço a Mélenchon.
O Presidente
demorou demasiado tempo a nomear o Governo, o que impediu a primeira-ministra
de ter um papel relevante na campanha das legislativas. Evitou anunciar as
orientações do seu segundo mandato, para não provocar a hostilidade da
oposição, em assuntos sensíveis como a idade da reforma.
Por escolha
táctica ou por hesitação, Macron tentou “anestesiar” o debate político, com uma
“não- campanha”, escreve no Monde a analista Solemn de Royer. “É um dos
paradoxos deste escrutínio para o Presidente: ele, que insistiu em alimentar a
despolitização, pode encontrar-se a braços com uma Assembleia Nacional
ultrapolitizada ou até radicalizada.”
O Presidente
francês é o centro do poder. Pode governar em minoria, o que apenas o obriga a
negociar mais com a oposição, neste caso com a direita. Outra coisa seria a
coabitação, em que o papel do PR se concentra na política externa e o
primeiro-ministro é o homem forte na política doméstica.
Mas, sem maioria
absoluta, a sua margem de manobra não será a mesma. No mandato anterior, o seu
partido, A República em Marcha (LREM), dispunha sozinho da maioria, o que
tornava menos relevante o papel dos aliados centristas do Modem, de François
Bayrou. Desta vez, se tiver a maioria absoluta terá de escutar não só Bayrou
como o antigo primeiro-ministro Édouard Philippe, que terá ambições
presidenciais.
No caso do
Juntos! não conseguir a maioria absoluta, Macron terá de negociar com a direita
as grandes reformas. Nem Mélenchon nem Le Pen são interlocutores, mas uma
provável oposição ruidosa. Desconhece-se a linha política de Os Republicanos
nesta fase. Mas, tendo a ambição de recuperar forças até às próximas presidenciais,
não quererão passar por força auxiliar de Macron. Sem maioria absoluta, será um
mandato extremamente difícil.
tp.ocilbup@sednanrefaj
ANALYSIS
Trying to
understand the French elections
What is at stake is president Macron's absolute majority.
The rest is of little material
Jorge Almeida
Fernandes
June 18, 2022,
7:00
https://www.publico.pt/2022/06/18/mundo/analise/tentar-perceber-eleicoes-francesas-2010428
The question we
will ask on Sunday night is not whether Emmanuel Macron was elected President,
but whether he was with an absolute or relative majority. That's what will
determine the political consequences of the presidential. Jean-Luc Mélenchon
will never be prime minister, as he says, but he could succeed on the other
front: weakening Macron.
The absolute
majority requires 289 of the 577 Members. The polls for this second round of
legislative elections are very fluctuating. Macron's coalition, Together!
(Ensemble), can win between 265 and 305 seats; the second force, NUPES (New
People's, Ecological and Social Union) in which Mélenchon brings together
almost the entire left, far left and ecologists, can win between 150 and 200
mandates. You have no chance of getting to the government. These figures vary
slightly depending on projections and are subject to surprises, largely by the
unknown of abstention.
The third most
voted force in the first round was Marine Le Pen's National Union (RN, far
right), which will form for the first time a parliamentary group of 20 to 40
Members. With half their votes, Republicans (LR, right) will elect 60 and 80
deputies.
It is an effect
of the French electoral system, majority suffrage two turns, designed to create
majorities and favor bipolarization between left and right. Another reading of
the first round and the polls confirms the electoral tripolarization:
Together!, NUPES and RN. Undone the Socialist Party, whose remains surrendered
to Mélenchon, LR survives with difficulty. Tripolarization has yet another
effect: there are no alliances or transfer of votes between three large
irreducible blocs, which makes these elections different from all previous
ones.
The 2017
elections saw the centre rise in a hegemonic position and the left fall from
42% in 2012 to 25.8 in 2017, figures that remain today. The right suffered an
accelerated wear - 27%, 18.9 and 11.3 in the same years - while the center is
down 7 points from the peak of 2017. Who goes up in these legislative ones?
Marine Le Pen's party, which goes from 13.5% to 22.9 compared to previous
elections.
The night of
Mélenchon
On Sunday of the
first round of the presidential election everyone had their eyes on Marine Le
Pen. But, from the night, all attention turned to Mélenchon who, coming in
third place, proclaimed himself the winner and called the French for a
"third round", the legislative, proposing to win the majority and
casting the watchword "Mélenchon Prime Minister".
His presidential
result allowed him to create NUPES. Not only does it bring together under the
hegemony of Insubmissive France (LFI) the overwhelming majority of left-wing
voters, but also imposed themselves on ecologists, socialists and communists,
emerging as head of the left and also as the first force of the opposition.
Many expected a
general confrontation between the presidential alliance and the far right, the
most favorable situation for Macron. Instead, there will be the affront of the
presidential majority with Mélenchon's coalition in 276 duels.
NUPES proposes
that the French work less for less time and be better paid. It promises to
lower the retirement age and create one million new public jobs. He wants to
leave nato's military command and change French foreign policy. And above all,
it calls for "insubmission" to European budgetary rules, ensuring
that European partners will be forced to resign to avoid a "systemic
crisis" in the EU given France's weight, too big to fail.
The credibility
of your program is nil. The Prime Minister, Elisabeth Borne, counters:
"National sovereignty is not the rupture with Europe, the fascination with
authoritarian regimes and alignment with Russia, but a strong nation within a
more independent Europe."
NUPES does not
have much room for manoeuvre and has few reserves of votes, notes Monde. His
role and his programme threaten to create an anti-Mélenchon front. And, as said
above, NUPES did not increase the electorate of the left, only gathered the
2017. His old and main objective was to "devour" the ER. The other is
to nullify macron's second absolute majority and limit his margin of manoeuvre.
Macron's
misconception
"It's not
trivial to see one of the losers of the presidential election lead the game as
if he had won," a journalist said. But to a large extent, it was Macron's
election campaign that gave Mélenchon the space.
The President
took too long to appoint the Government, which prevented the Prime Minister
from having a relevant role in the legislative campaign. He avoided announcing
the guidelines for his second term, so as not to provoke hostility from the
opposition, on sensitive issues such as the retirement age.
By tactical
choice or hesitation, Macron tried to "anesthetize" the political
debate, with a "non-campaign", writes in Monde the analyst Solemn de
Royer. "It is one of the paradoxes of this scrutiny for the President: he,
who insisted on fueling depoliticization, can find himself in the arms of an
ultrapoliticized or even radicalized National Assembly."
The French
President is the center of power. He can govern in a minority, which only
forces him to negotiate more with the opposition, in this case with the right.
Another thing would be cohabitation, in which the role of the PR focuses on
foreign policy and the Prime Minister is the strongman in domestic politics.
But without an
absolute majority, your margin of manoeuvre will not be the same. In his
previous term, his party, The Republic on the March (LREM), had a majority alone,
which made the role of François Bayrou's centrist allies modem less relevant.
This time, if you have an absolute majority, you will have to listen not only
to Bayrou but to former Prime Minister Édouard Philippe, who will have
presidential ambitions.
In the case of
Juntos! not getting an absolute majority, Macron will have to negotiate with
the right the major reforms. Neither Mélenchon nor Le Pen are interlocutors,
but a likely noisy opposition. The political line of the Republicans at this
stage is unknown. But having the ambition to regain strength until the next
presidential election, they will not want to pass macron's auxiliary force.
Without an absolute majority, it will be an extremely difficult mandate.
tp.ocilbup@sednanrefaj
Sem comentários:
Enviar um comentário