HABITAÇÃO
Sector imobiliário alerta que “construir para arrendar
não é viável em Portugal”
Há investidores privados dispostos a entrar no mercado da
habitação acessível, mas os impostos demasiado elevados, as leis que estão
sempre a mudar e a demora nos licenciamentos são entraves que o Estado deve
ultrapassar, ouviu-se no Salão Imobiliário de Portugal.
João Pedro Pincha
8 de Outubro de
2021, 19:15
Habitação a
preços comportáveis para a maioria dos bolsos portugueses? O Estado não faz nem
deixa fazer. É esta a opinião generalizada entre investidores, promotores e
profissionais do sector imobiliário, que criticam a elevada carga fiscal para a
construção nova, a muita burocracia, as constantes mudanças na legislação e os
custos cada vez mais altos da construção.
No Salão
Imobiliário de Portugal (SIL), que decorre em Lisboa até domingo, os
participantes dos três debates desta sexta-feira concordaram que o preço das
casas vai continuar a aumentar porque a procura não abrandou, a oferta não
chega para as solicitações e os custos de produção estão muito elevados. E isso
significa que continuará a haver muita gente que não consegue aceder ao mercado
de habitação.
“Das duas, uma:
ou o Estado investe porque acha que é a sua obrigação social ou cria condições
para que outros invistam”, disse Paulo Silva, vice-presidente da Associação das
Empresas de Consultoria e Avaliação Imobiliária (ACAI).
Os privados têm
interesse em investir na criação da chamada habitação acessível, garantiram
vários dos presentes, mas não arriscam fazê-lo em Portugal. “Todos os investidores
europeus estão a investir em build-to-rent [construir para arrendar], menos
cá”, afirmou Hugo Santos Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de
Promotores e Investidores Imobiliários (APPII), relatando que quase diariamente
fala com interessados nesse negócio e que apenas uns poucos efectivamente saem
do papel.
E porquê? Segundo
Hugo Santos Ferreira, isto deve-se à pouca estabilidade na legislação, que
ademais é “altamente burocrática” e “desresponsabiliza o inquilino
incumpridor”. “O Novo Regime do Arrendamento Urbano já foi alterado mais de dez
vezes. Nenhum investidor consegue fazer um business plan sério com a legislação
a mudar anualmente”, criticou o dirigente da APPII. “Construir para arrendar
não é viável em Portugal. Se conseguíssemos fazer build-to-rent no segmento da
habitação acessível conseguiríamos resolver os problemas de habitação. Dêem
estabilidade e confiança aos investidores para avançar”, pediu.
Por outro lado,
sublinhou Nicolas Goffin, responsável por Portugal na imobiliária belga Besix
Red, falta agilidade e flexibilidade aos serviços camarários. “O licenciamento
urbanístico demora tempo em qualquer país, mas é porque há conversas reais com
as câmaras e com os vizinhos que não gostam de alguma coisa. Aqui é por pura
burocracia. Esperar meses por uma resposta que apenas diz que o processo não está
completo não é aceitável.”
Impostos pesam
30% a 40% no preço final das casas
No painel em que
se sentaram representantes de investidores e promotores internacionais, todos
disseram que Portugal, particularmente Lisboa e Porto, continua a despertar um
interesse imobiliário muito forte além-fronteiras, até para o segmento da
habitação acessível, mas que isso pode mudar se o Estado não agir.
Os impostos têm
“um impacto de 30% a 40% no preço final das casas”, disse Miguel Cabrita
Matias, administrador da Mexto, considerando isso “uma brutalidade”. Aos
promotores incomoda-os, sobretudo, o IVA da construção nova ter a taxa máxima
(23%) e não ser dedutível, ao contrário do que acontece em Espanha. “Se o
Estado quer que nós consigamos ter casas para portugueses tem claramente de
mexer nos impostos”, afirmou.
“Porque não
elaborar uma taxa de IVA diferenciada para imobiliário com preocupações
ambientais?”, sugeriu Cecile Gonçalves, do grupo Libertas. “As necessidades de
casas para as famílias portuguesas são enormes e o próprio Estado terá
consciência de que não consegue fazê-lo por si só”, afirmou João Paula Santos,
da Solyd, acrescentando que “a questão é muito simples” e passa por o Estado
“fazer as contas”.
Resorts,
cidades-satélite e escritórios com varanda
Ninguém arrisca
dizer que futuro está reservado para o sector imobiliário, mas há algumas
tendências a surgir depois da pandemia. “Há novos fluxos de procura em
concelhos à volta de Lisboa e Porto”, garantiu Paulo Caiado, presidente da
Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal
(APEMIP), acrescentando que os subúrbios “estão a captar a atenção de
investidores” e verifica-se já “um repovoamento em certas localidades”.
Os resorts também
estão a registar uma procura crescente por parte de nómadas digitais e
reformados estrangeiros para habitação permanente, informou Pedro Fontainhas,
director-executivo da Associação Portuguesa de Resorts (APR).
Por fim,
desenganem-se os que pensavam que os escritórios tinham passado de moda com o
teletrabalho. Em Lisboa, entre o início de 2020 e o momento actual, foram
colocados no mercado 35 mil metros quadrados de escritórios e há procura por
mais, embora com novas exigências devido à covid-19. Nicoleta Gheorghe,
directora da Arcano, disse mesmo que “vamos voltar a ver escritórios com
varandas” – uma raridade tal que a fez soltar uma gargalhada.
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