Tribunal condena inspectores do SEF a sete e nove anos de
prisão mas deixa cair homicídio
Três inspectores do SEF foram a julgamento acusados de
homicídio qualificado de Ihor Homenyuk a 12 de Março de 2020. Em tribunal, o Ministério
Público pedira condenação por crimes menos graves: ofensas à integridade física
qualificada com resultado morte.
Joana Gorjão
Henriques
10 de Maio de
2021, 15:19
O Tribunal
Criminal de Lisboa condenou os três inspectores do Serviço de Estrangeiros e
Fronteira (SEF) a nove anos e sete anos pelo crime, em co-autoria, de ofensa a
integridade física grave qualificada, agravada pelo resultado, pela morte do
ucraniano Ihor Homenyuk a 12 de Março de 2020. O juiz mandou ainda extrair
certidão para investigação de seguranças, inspectores, chefes e coordenadorees que
nada fizeram para o auxiliar.
Duarte Laja e
Luís Silva foram condenados a nove anos por terem mais anos de serviço e Bruno
Sousa a sete anos. Fora ilibados do crime de posse de arma ilegal porque,
apesar de as armas que transportaram serem pessoais, o SEF permite que os
funcionários as usem.
O juiz considerou
que os arguidos Duarte Laja, Luís Silva e Bruno Sousa provocaram lesões
traumáticas que, juntamente com a posição em que o deixaram algemado atrás das
costas, conduziu a asfixia mecânica, provocando-lhe a morte, tal como vinha
descrito na acusação. Sabiam, pela formação que tiveram, que o modo como
colocaram as algemas iria causar dores físicas, psicológicas e dificuldades
respiratórias e fizeram-no com o propósito de o sujeitar àquele tratamento
desumano, acusou o juiz. Mas não ficou provado, segundo Rui Coelho, que tinham
conhecimento que isso iria causar a morte por isso deixou cair a acusação de
homicídio.
No final da leitura da sentença, dirigindo-se
aos arguidos, o juiz afirmou: “Os senhores ao agirem como agiram tiraram a vida
a uma pessoa e arruinaram as vossas”. Os
arguidos vão continuar a aguardar em prisão domiciliária até que a decisão
transite em julgado.
Duarte Laja, Luís
Silva e Bruno Sousa foram a tribunal acusados de homicídio qualificado de Ihor
Homenyuk a 12 de Março de 2020, mas a procuradora do Ministério Público que
acompanhou o julgamento, Leonor Machado, pediu a condenação por ofensas à
integridade física grave qualificada por considerar que não se tinha provado a
intenção de os inspectores matarem o cidadão ucraniano que fora barrado de
entrar em Portugal a 10 de Março, ficando detido no centro de instalação
temporária do aeroporto de Lisboa.
Nessa altura, a
procuradora deixou a intenção de extrair certidões contra outros
intervenientes, nomeadamente chefias, antes da leitura da sentença.
A 7 de Abril,
antecipando a decisão, o presidente do colectivo de juízes já referira que iria
ponderar a hipótese de condenar os inspectores por crimes menos graves.
Esta foi a 13.ª
sessão do julgamento. Ao longo de 11 sessões, que começaram no início de
Fevereiro, foram ouvidas dezenas de testemunhas — inspectores, chefes,
coordenadores, seguranças, médicos, enfermeiros e outros profissionais.
No despacho de
acusação de 30 de Setembro, embora critique outros inspectores e os seguranças,
o procurador Óscar Ferreira não acusou mais ninguém, algo que a investigação da
Polícia Judiciária já apontava, ilibando os seguranças ou qualquer outro
interveniente. Aquele procurador mandou extrair certidão com inquérito para
averiguar a prática de outros crimes, nomeadamente falsificação de documento e
a responsabilidade de mais intervenientes — agora, com o fim do julgamento,
deverão ser deduzidas novas acusações.
Em tribunal, o MP
tinha proposto uma pena não inferior a 13 anos para Luís Silva e Duarte Laja, e
de mínimo de oito anos para Bruno Sousa, por considerar que este tinha menos
experiência e poderia ter sido influenciado pelos outros.
Os magistrados
consideraram que, embora os factos imputados na acusação sustentem o crime de
ofensas à integridade grave, a qualificação jurídica poderia ser alterada. A
grande diferença entre os dois crimes está naquilo que o tribunal entendeu ser
a intenção dos arguidos relativamente à morte de Ihor Homenyuk.
No despacho de
acusação de 30 de Setembro, o procurador Óscar Ferreira considerou que houve
dolo. Acusou os inspectores de agredirem Ihor Homenyuk provocando-lhe lesões em
zonas mortais e de o deixarem algemado numa posição que podia resultar na morte
— refere que os inspectores sabiam-no e que se “conformaram” com esse facto.
O juiz e a
procuradora entenderam que os arguidos não tiveram intenção directa de matar Ihor
Homenyuk. Rui Coelho referiu, aliás, que se fosse essa a intenção o teriam
feuro no imediato mas que ninguém os mandou ao CIT para matar Ihor.
Criticou os que
intervieram com Ihor como os seguranças Paulo Marcelo e Manuel Correia que o
amarram como um saco, seguranças que nada fizeram para auxiliar Ihor apesar do
estado em que se encontrava como Ana Lobo e Cátia Branco; chefias que, sabendo
que havia um passageiro algemado e tendo até presenciado a intervenção dos
inspectores como o chefe João Agostinho
e o próprio director de Fronteiras de Lisboa, António Sérgio Henriques,
entretanto demitido.
Inspectores sempre negaram
Os três
inspectores negaram a acusação de homicídio qualificado e afirmaram que nem
sequer agrediram Ihor Homenyuk. Os seus advogados defenderam que estes
inspectores estiveram apenas 30 minutos com Ihor quando foram vários os
profissionais que com ele se cruzaram.
A estratégia de
defesa passou por implicar seguranças e outros inspectores — a de Luís Silva
argumentou mesmo que deveriam ser constituídos arguidos dois seguranças e dois
inspectores — mas também por alegar que foi a ausência de assistência médica e
as condições de detenção do SEF que levaram Ihor à morte. Ao tribunal, os
seguranças contaram uma versão diferente da que relataram à investigação e
foram processados pelos advogados dos três arguidos, por falso testemunho.
A defesa de Luís
Silva e de Bruno Sousa queria uma nova perícia à autópsia, e queria também
chamar a depor outros peritos em Medicina Legal, que defendiam falhas no
trabalho do médico Carlos Durão, mas o juiz indeferiu o pedido, alegando que
não era necessário. O corpo de Ihor foi entretanto cremado e as cinzas enviadas
para a Ucrânia.
Óscar Ferreira
mencionou um enfermeiro (que assistiu Ihor por volta da 1h30 de dia 12 de
Março) que sugeriu aos inspectores do SEF que o transportassem ao hospital,
depois de administrar um calmante, recomendação que não foi seguida — Ihor já
tinha estado no Hospital de Santa Maria na noite de dia 11. E acusa: sem que
tivessem “autorização e competência para tal”, dois vigilantes “algemaram-no
com fita adesiva à volta dos tornozelos e dos braços”.
Há mais críticas
a outros inspectores do SEF que não os arguidos e que, durante a madrugada,
pelas 4h41, viram Ihor imobilizado, tendo substituído as algemas de fita-cola
por lençóis, “agravando dessa forma o seu suposto estado de ansiedade, o que
constitui procedimento anómalo, dado que os passageiros com ordem de retorno
não podem nem devem ser privados da liberdade, como era o caso”.
Para o procurador
Óscar Ferreira, não houve dúvidas de que os arguidos chegaram à sala onde
estava Ihor pelas 8h15 e um deles disse para a segurança: “Atenção, você não vá
colocar aí os nossos nomes, OK?”. Depois de o algemarem com as mãos atrás das
costas e de lhe amarrarem os cotovelos com ligaduras, desferiram-lhe socos e
pontapés. Já com Ihor prostrado no chão, continuaram a dar-lhe pontapés e
pancadas no tronco, “enquanto aos gritos, lhe exigiam que permanecesse quieto”.
Vinte minutos depois, abandonaram o local e disseram: “Agora ele está
sossegado.” Um deles afirmou: “Isto, hoje, já nem preciso de ir ao ginásio...”
Concluiu que os
inspectores deixaram o ofendido num “estado de grande prostração e algemado”, e
não teve dúvidas, com base no relatório de autópsia, de que “as fracturas dos
arcos costais associadas às demais lesões contundentes foram provocadas pela
aplicação de um peso tal nas costas” de Ihor “[que obrigou] o tórax a
esmagar-se contra o solo”. E acrescenta: “Os pontapés e pancadas provocaram a
fractura dos arcos costais, potenciados pela imobilização do ofendido, com os
braços manietados nas costas, em posição de decúbito ventral, causaram a
violenta constrição do tórax, promovendo a asfixia mecânica que foi causa
directa e necessária da morte.”
Os inspectores,
sublinhou o MP na acusação de Setembro e reiterou a procuradora que acompanha o
julgamento, sabiam, pela formação profissional que lhes é ministrada, que manietar
alguém “com os braços atrás das costas e deitado” pode provocar “dificuldades
respiratórias” e “que, por essa razão, poderiam causar-lhe a morte”. Agiram em
“comunhão de esforços e intentos”, sujeitando-o “a um tratamento desumano e
violando gravemente os deveres inerentes às suas funções”, conclui o MP na
altura.
Já a
Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI), num relatório sobre o
sucedido, sugeriu a instauração de 12 processos disciplinares a inspectores do
SEF.
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