CIDADE
Lisboa pode ser uma cidade de 15 minutos? Manuel foi procurar os dados e encontrou a resposta
Manuel Banza é um lisboeta com gosto pelos dados. Pegando
no exemplo de Paris, analisou os dados de sete bairros de Lisboa e percebeu
qual deles está mais próximo da ideia da cidade à mão de semear.
Frederico Raposo
por Frederico
Raposo
27.02.2021
https://amensagem.pt/2021/02/27/lisboa-cidade-15-minutos-manuel-banza-procura-dados-para-resposta/
Manuel Banza tem
28 anos. Vive em Arroios, perto do jardim Constantino, junto do buliço da
Avenida Almirante Reis e das ciclovias do Saldanha. É analista de dados numa
empresa de comunicações e desloca-se pela cidade, “sempre que possível”, a pé e
de bicicleta, sobretudo desde que as ciclovias chegaram ao eixo central da
cidade. Quando não dá, vai de transportes públicos.
Os dados são
profissão e gosto. Vai buscá-los, números, estatísticas, tabelas, com
conhecimentos que o utilizador comum não domina. E junta-os, agrega-os,
combina-os até que deles se faça sentido. Está “sempre a tentar fazer alguma
coisa”, fora do trabalho, “para ir praticando Python e Power BI” – a linguagem
de programação e uma ferramenta para apresentação de dados. “Escolho um tema e
faço ”, conta. Depois, oferece-os para consulta simplificada. Recentemente
combinou essa paixão com outra: Lisboa. Mais particularmente com os bairros da
cidade.
Foi buscar a
inspiração ao conceito da cidade dos 15 minutos: a ideia com que a “Maire” de
Paris, Anne Hidalgo, ganhou as últimas eleições, em junho do ano passado. Ouviu
falar da ideia e achou “espetacular”. “Será que também podíamos aplicar este
conceito” em Lisboa?
A 15 minutos de tudo, sempre
O ponto de
partida é uma premissa de sustentabilidade e conveniência urbanas: a partir de
um qualquer ponto da cidade, cada cidadã ou cidadão deve ser capaz de
satisfazer as suas necessidades num raio de deslocação que não deve ultrapassar
os 15 minutos. A ideia foi cunhada pelo urbanista Carlos Moreno e privilegia as
deslocações a pé, de bicicleta ou de transportes públicos, evitando, sempre que
possível, a utilização do automóvel. Esta abordagem do planeamento urbano
assenta na ideia da autossuficiência da vida de bairro, da proximidade a
serviços e infraestruturas e coloca o foco na promoção da sustentabilidade e da
qualidade de vida, favorecendo as relações de vizinhança.
A repartição das
finanças, a loja de roupa, o jardim, a sala de espetáculos, o escritório, a
lavandaria, a esplanada e o supermercado – tudo isto deve ser rapidamente
alcançado na cidade dos 15 minutos.
É o planeamento
urbano, isto é, o desenho e a disposição das ruas, de braços dados com as
condições de acessibilidade, que determina a possibilidade de estabelecimento
destas pequenas centralidades que permitem reorganizar o quotidiano de quem
vive na cidade. Cidades de média ou grande dimensão, como é o caso de Lisboa,
podem conter, no seu interior, várias cidades de 15 minutos. Com tudo à mão de
semear, com acessos e transportes seguros, confortáveis e eficientes, criam-se
as condições para isso.
Escolas,
cabeleireiros, mercados, espaços verdes, teatros, escritórios, universidades,
transportes públicos ou centros de saúde. A lista pode ser mais, ou menos,
compreensiva, mas pressupõe, sempre, a existência de condições para uma vida
mais local, caracterizada pela conveniência e acessibilidade.
A cidade dos 15
minutos faz-se de usos mistos, é funcional. Faz-se de ruas que reúnem lojas,
casas, escolas e escritórios, que possibilitam a concentração de serviços e
atividades e, por consequência, o rápido acesso a estes, numa lógica que
promove a diminuição da dependência automóvel. Este modo de fazer cidade tem
tido reflexo nas políticas de gestão urbana adotadas em Paris.
Anne Hidalgo, a
primeira mulher a assumir Paris, tem avançado com ambiciosos projetos. No mês
de janeiro, propôs que os Campos Elísios fossem um grande passeio público,
quase sem carros, com mais espaço para peões, canais de circulação para
bicicletas, espaços verdes. A edil parisiense, que ganhou o segundo mandato,
tem vindo a desincentivar a utilização do automóvel na cidade, anunciando
medidas como a eliminação de 72% dos lugares de estacionamento à superfície.
Em números
absolutos, significa a remoção de 60 mil dos 83.500 lugares espalhados pelas
ruas da cidade. Cada lugar pode significar a devolução de 10 metros quadrados
ao usufruto público. Recentemente, a capital francesa lançou o repto aos
munícipes: o que fazer com o espaço recuperado?
Os bairros dos 15 minutos de Lisboa
O conceito pode
ser uma realidade em qualquer bairro do mundo. Lisboa não é exceção e a cidade
já inscreveu objetivos nesse sentido. E aqui entra Manuel Banza: foi isso mesmo
que tentou perceber, para determinar que freguesias de Lisboa estão mais
próximas da concretização desta ideia de cidade.
Manuel analisou
sete das 24 freguesias da cidade: Alvalade, Arroios, Belém, Benfica, Campo de
Ourique, Lumiar e Marvila. “Idealmente, queria fazer de todas, mas pensei que
ia perder um pouco o interesse”. Então, diz, escolheu freguesias que estivessem
“espalhadas pelo mapa”, pelas várias zonas da cidade. O mesmo que fez para as
sete selecionadas seria fácil fazer para as restantes, garante. “Era algo que
se fazia em dez minutos”. “O código está feito, só tinha que replicar”.
Para a análise,
escolheu 12 parâmetros:
Estações de
metro;
Hospitais;
Escolas;
Universidades;
Ciclovias;
Espaços
culturais;
Museus;
Supermercados;
Mercados
municipais;
Parques;
Hortas urbanas;
Espaços de
cowork.
Foi buscar os
dados ao Lisboa Aberta – o portal de dados abertos da CML – e à plataforma
colaborativa de mapeamento OpenStreetMap. Foi esta a ferramenta que utilizou
para definir até onde se pode chegar em 15 minutos, a pé ou de bicicleta,
sempre a partir do “ponto mais central de cada freguesia”. Os dados que usou
estão disponíveis para consulta pública, a grande maioria é disponibilizada
pelo próprio município. Mas há que compilá-los para os cruzar e, depois,
apresentar. Foi o que ele fez.
Depois de agregados,
dispôs os dados em mapas de freguesia que permitem a interação do utilizador.
Quem navega nos mapas pode escolher determinadas camadas de informação,
tornando visível a localização dos serviços e infraestruturas associadas a cada
parâmetro. Quanto maior a concentração de diferentes tipologias de serviços e
infraestruturas dentro do perímetro calculado para uma deslocação de 15
minutos, maior a aproximação de cada freguesia ao conceito original. Foi, pelo
menos, essa a ideia de Manuel Banza quando publicou os mapas, a 3 de janeiro.
Alvalade, o jackpo
Afinal, que
freguesias lisboetas passam no teste dos 15 minutos? Apesar de não ser taxativo
na resposta, deixando espaço para análise e interpretação de quem visita o site
e consulta os dados, Manuel Banza avança que, entre as sete analisadas, é
Alvalade a que “está mais preparada para o conceito da cidade em 15 minutos”.
Dentro do perímetro dos 15 minutos, encontram-se, entre outros, três estações
de metro, várias instituições de ensino superior, jardins, o Teatro Maria
Matos, a Aula Magna, galerias de arte, dois museus e igual número de mercados
municipais.
Alvalade “acaba
por ser um jackpot”. O primeiro fator que destaca são os transportes. “Tens
várias estações de metro bastante perto”, diz. Mas também a Cidade
Universitária, com faculdades “de todas as áreas”, uma “boa rede” de escolas,
“muitos parques” e “algumas ciclovias”.
Fora da análise
numérica, sublinha o “espírito muito bairrista” da freguesia. “Conseguias ter
tudo ali, não havia nada que faltasse”. “Uma pessoa que viva em Alvalade não
precisa de ir para um centro comercial, não precisa de pegar no carro para
fazer alguma coisa – tem tudo a pé, ou de bicicleta, ou de transportes”, diz.
Arroios com potencial
Arroios é outra
das freguesias “com mais potencial”. Dentro do perímetro estão “vários
hospitais e clínicas”, escolas, espaços de cowork e “uma grande quantidade de
espaços culturais”. Apesar disso, tem ainda “poucas ciclovias” e caracteriza-se
pela “falta de espaços verdes”.
Marvila menos destacada
Menos destacada
na análise de Manuel Banza está a freguesia de Marvila. Os hospitais mais
próximos estão a mais de 15 minutos de distância do ponto de partida e a
maioria dos espaços culturais e de cowork estão concentrados na frente ribeirinha.
Belém… não muito positivo
Belém também não
se destaca pela positiva. Com poucas ciclovias, poucos espaços de cowork e sem
universidades dentro do perímetro que parte do centro do território, esta é,
segundo a análise de Manuel, uma das sete freguesias menos preparadas para ser
uma cidade de 15 minutos. Para além disso, a freguesia “não tem nenhum mercado
de Lisboa dentro da área”.
O analista de
dados revela que tem ideias para trazer novas funcionalidades à análise do
conceito entre os vários bairros lisboetas. A localização das hortas urbanas
foi adicionada recentemente e uma das coisas que “está em plano” é a
atualização do mapa interativo do site, para que seja possível que cada
utilizador defina o seu próprio perímetro no mapa da cidade. Assim, a partir do
local de residência ou emprego, cada pessoa poderá determinar a sua cidade dos
15 minutos e as infraestruturas que lá podem encontrar-se.
Ao município,
Manuel Banza pede a divulgação de mais conjuntos de dados. “Gostava muito” de
ter os dados relativos à mobilidade da cidade, de “perceber de onde é que as
pessoas vêm”.
Coincidência ou
não, os bairros com o desenho mais alinhado com a cidade dos 15 minutos são
alguns dos que evidenciam maior dinâmica e resiliência em tempo de pandemia.
Segundo dados oficiais a que a Mensagem teve acesso, Alvalade e Arroios, assim
como Campo de Ourique, integram o lote de freguesias da cidade com as menores
quebras económicas motivadas pela atual crise.
FREDERICO RAPOSO
Nasceu em Lisboa,
há 28 anos, mas sempre fez a sua vida à porta da cidade. Raramente lá entrava.
Foi quando iniciou a faculdade que começou a viver Lisboa. É uma cidade ainda
por concretizar. Mais ou menos como as outras. Sustentável, progressista, com espaço
e oportunidade para todas as pessoas – são ideias que moldam o seu passo pelas
ruas. A forma como se desloca – quase sempre de bicicleta – , o uso que dá aos
espaços, o jornalismo que produz.
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