EDITORIAL
Sócrates: a autocrítica do PS não vai existir
“É um risco institucional para a democracia, para o PS e
para o futuro do país como é que alguém que admite fazer o que fez chegou onde
chegou”, disse um vice-presidente do PS, a pedir uma “introspecção” sobre o
caso Sócrates. Mas foi mandado calar.
Ana Sá Lopes
22 de Abril de
2021, 6:05
https://www.publico.pt/2021/04/22/politica/noticia/socrates-autocritica-ps-nao-vai-existir-1959546
Um dos
acontecimentos políticos mais notáveis da última semana foi o apelo de um
vice-presidente do grupo parlamentar do PS chamado Pedro Delgado Alves para que
o partido fizesse uma “introspecção” sobre o caso Sócrates – e a fizesse apenas
com base em todas as declarações que o ex-primeiro-ministro foi fazendo ao
longo do processo. “É um risco institucional para a democracia, para o PS e
para o futuro do país como é que alguém que admite fazer o que fez chegou onde
chegou”, disse o vice-presidente da bancada, que defende que, se o PS não fizer
essa “introspecção política”, “perde uma oportunidade para si e para a
democracia”.
A verdade é que
Pedro Delgado Alves não é conhecido por ser propriamente um incendiário ou um
outsider, o que torna a sua reacção absolutamente corajosa. Assume que o caso
Sócrates “é um problema ainda não enfrentado” e que, goste-se ou não,
“anatemiza o PS”, que “é apontado como tendo permitido, como não tendo feito
nada”.
Pedro Delgado
Alves disse isto no programa Sem Moderação, do Canal Q, na quarta-feira da
semana passada, em que também admitiu que “na cultura política nacional não se
consegue discutir”, por causa das “relações pessoais, de amizade”. Dito e
feito: no dia seguinte, quando quis abordar o tema Sócrates na reunião do grupo
parlamentar do PS, foi mandado calar pela líder, Ana Catarina Mendes, que já
antes tinha pedido “recato” a tratar do assunto. Se Delgado Alves acha o
“incómodo difícil de gerir”, que “não deve dispensar as instituições de fazer a
autocrítica sobre o que correu mal”, percebeu-se que está mais ou menos
sozinho. O PS não vai fazer nada, não só porque quase todos estiveram “lá”
(isto é, com Sócrates), como a maioria fechou os olhos aos indícios que vinham
sendo tornados públicos (com a excepção de Ana Gomes e poucos mais). Como com
todos os outros traumas nacionais, escolhe-se a decisão infantil e cómoda:
esquecer. Sócrates nunca existiu e ninguém reparou em nada ou se reparou fingiu
que não reparava. A António Costa basta repetir o que disse há seis (!!!) anos
– “À política o que é da política, à Justiça o que é da Justiça” – e chutar a
bola para a frente.
E, sim, sem
autocrítica, o PS perde uma oportunidade “para si e para a democracia”. A única
coisa que se salvou foi a consciência de que é preciso legislar no sentido de
ter leis mais fortes para punir a corrupção e o enriquecimento súbito
injustificado e aprovar a proposta da Associação Sindical dos Juízes, como aqui
Manuel Carvalho já defendeu. Agora, finalmente, do Presidente da República ao
presidente da Assembleia da República, ao primeiro-ministro, que ontem pela
primeira vez veio defender a proposta, parecem todos de acordo. O PS não fará a
introspecção, mas pelo menos vai aprovar uma boa lei.
tp.ocilbup@sepol.as.ana


Sem comentários:
Enviar um comentário