OPINIÃO
A “visão” de Costa Silva e as florestas
Ao ignorar a Lei de Bases e a Estratégia Nacional segue
um padrão de bipolaridade praticada pelos vários governos liderados pelo
Partido Socialista.
Paulo Pimenta de
Castro
23 de Agosto de
2020, 0:21
https://www.publico.pt/2020/08/23/economia/opiniao/visao-costa-silva-florestas-1928803
A “Visão
Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030”, da
autoria de António Costa Silva, formulada a pedido do primeiro-ministro, no que
respeita às florestas não passa de uma amálgama de lugares comuns. Algo
habitual em programas eleitorais, que atropelam conceitos para elaborar frases
redondas.
Para que o título
deste artigo não ficasse demasiado longo, a abordagem que aqui se faz às
“florestas” respeita apenas ao arvoredo cultivado para fins industriais. A
definição de florestas, hoje fruto de intensas discussões a nível
internacional, presta-se a distintas abordagens, desde as inseridas na área da
preservação da natureza até à produção intensiva de madeira para triturar.
Fiquemo-nos assim pela também designada “floresta cultivada”.
Neste domínio, a
“visão” de Costa Silva ignora a existência de uma Lei de Bases da Política
Florestal. Lei aprovada por unanimidade na Assembleia da República há 24 anos,
na qual estão inscritos princípios e objectivos que, a terem sido seguidos,
poupariam o país, território e populações, de parte significativa das
catástrofes que se nos tornaram habituais. E a referência não é apenas aos
incêndios florestais, mas também à incontrolável proliferação de pragas e de
doenças.
A “visão” de
Costa Silva ignora também a existência de uma Estratégia Nacional para as
Florestas, que entrou em vigor em 2006 e foi actualizada em 2015. Talvez por
esse facto, para alem das frases redondas, não são visíveis prioridades. Na
“visão” de Costa Silva assume prioridade a continuação de uma aposta forte na
produção de madeira para trituração, associada a culturas intensivas, seja para
celulose ou energia, ou a prioridade passa por produtos de maior valor
acrescentado e maior longevidade de sequestro de carbono? Neste último caso,
associados à produção de madeira para serração, à resina ou à cortiça. Não
basta afirmar a preocupação com as emissões de gases de efeito estufa, ou
defender a intenção de descarbonizar a economia. Há que definir uma visão
consequente.
Talvez por
ignorar a Estratégia Nacional para as Florestas, embora se refira a necessidade
de reformular a equação do rendimento silvícola, não se vislumbra uma aposta na
investigação e, sobretudo, em extensão, tendo em vista cumprir metas mínimas de
produtividade. Por exemplo, no eucalipto para celulose a media unitária
nacional persiste hoje em estar apenas um pouco acima de metade da definida na
Estratégia. Na “visão” de Costa Silva, deve o país manter a aposta num excesso
de quantidade, para controlar preços à produção, ou deveria apostar em
qualidade por área, reduzindo os riscos para o território e suas populações?
Ao ignorar a Lei
de Bases e a Estratégia Nacional segue um padrão de bipolaridade praticada
pelos vários governos liderados pelo Partido Socialista. Muda de agulha
consoante a tendência dominante no partido. Ora é pela Lei, ora é por
ignorá-la. Ora é por uma Estratégia, ora é pelo seu engavetar. Todavia, os
ciclos de crescimento das árvores, mesmo do eucalipto, não são compatíveis com
esta rapidez de mudança de agulha.
Apesar das
recomendações internacionais, vislumbra-se uma ténue aposta nos sistemas
agro-florestais. Estes defendidos como mais adequados à adaptação às alterações
climáticas.
Por último,
persiste nesta “visão” a farsa da aposta na biomassa florestal “residual” para
energia. Será para produzir calor ou electricidade e combustível? Consoante a
opção, as repercussões são distintas. Para unidades fabris de que dimensões? O
autor desta “visão” já fez contas, já definiu um plano de negócio para a queima
de biomassa florestal “residual” para energia? Bastaria visitar alguns parques
de recepção de matéria prima para ver como funciona o negócio. Funciona, mal,
com biomassa, mas pouco “residual”. Na verdade, queima sobretudo troncos de
árvores. Ora, num país que, segundo dados do INE, regista uma contração da área
agro-florestal e florestal, já nem as árvores existentes asseguram o negócio na
sua actual dimensão de queima. O que a “visão” de Costa Silva defende é a
proliferação de extensas plantações de culturas energéticas? Haja água e aposta
na biodiversidade que aguente! Isto para alimentar uma indústria que emite mais
dióxido de carbono do que a queima de gás natural. Verde? Só se for da cor das
notas da subsidiação pública que sustentam esta farsa.
O autor escreve
segundo o novo acordo ortográfico
Engenheiro silvicultor
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