CORONAVÍRUS
Covid-19: proprietários de casas do Zmar recusam ceder
habitações para isolamento
Advogado de mais de metade dos proprietários do Zmar
espera que o Governo os contacte e acusa o executivo de não conhecer o
empreendimento. Duas dezenas de proprietários concentraram-se esta tarde à
porta do empreendimento em protesto contra a requisição.
Lusa e PÚBLICO
30 de Abril de
2021, 20:09
Cerca de 20
proprietários com habitações no empreendimento Zmar, no concelho de Odemira,
concentraram-se esta sexta-feira no local em protesto contra a requisição
decretada pelo Governo, para ali alojar pessoas em isolamento profiláctico, e
recusam-se a abandonar as casas.
Em declarações
aos jornalistas, o advogado Nuno Silva Vieira, que representa 114 dos 160
proprietários, esclareceu que o Zmar “não é apenas um parque de campismo, mas
sim um espaço onde existem várias habitações particulares”.
“Há 260 casas,
160 de particulares, e esta requisição civil [do Governo] é para todo o
empreendimento, por isso espero que esta decisão venha a ser alterada pelo
Governo”, sublinhou.
O
primeiro-ministro anunciou no final do Conselho de Ministros na quinta-feira
que o executivo iria fazer requisições naquele município alentejano, com o
objectivo de instalar pessoas infectadas, pessoas em risco de contágio e também
população que vive em situação de “insalubridade habitacional admissível, com
hipersobrelotação das habitações”, como é o caso de vários trabalhadores
agrícolas emigrantes, entre os quais têm sido detectados surtos da doença
covid-19.
Num despacho
publicado na quinta-feira à noite em Diário da República e que produziu efeitos
imediatos, o Governo decretou “a requisição temporária, por motivos de urgência
e de interesse público e nacional, da totalidade dos imóveis e dos direitos a
eles inerentes que compõem o empreendimento Zmar Eco Experience, localizado na
freguesia de Longueira-Almograve”.
“A situação
epidemiológica, particularmente grave no município de Odemira, bem como a falta
de acordo com a sociedade comercial supra indicada, fundamenta que, por razões
de interesse público e nacional, com carácter de urgência se reconheça a
necessidade de requisitar temporariamente o ZMar Eco Experience e os
respectivos serviços“, refere o despacho dos gabinetes do primeiro-ministro e
do ministro da Administração Interna.
O espaço ficará
alocado à realização do “confinamento obrigatório e do isolamento profiláctico
por pessoa a quem o mesmo tenha sido determinado”, lê-se no diploma. Segundo
Nuno Silva Vieira, a requisição do Governo é sobre todas as habitações, o que
demonstra que o executivo desconhece o empreendimento. “Ninguém vai sair das
suas casas e vamos ficar aqui tranquilamente à espera que o Governo venha falar
connosco, porque com certeza o Governo não conhece este empreendimento”,
destacou.
O advogado
reforçou que o resort não é um parque de campismo e que, “de acordo com a mais
elementar regra constitucional do direito à habitação, ninguém pode sair das
suas casas sem um despacho do tribunal”.
“O Governo não é
o tribunal e as pessoas que aqui vivem não vão abandonar as suas casas para dar
lugar a pessoas doentes. Não se trata de má vontade, tem a ver com leis”,
apontou.
“Se a resolução
ministerial fizesse referência apenas a uma parte, a coisas concretas, nós até
entendíamos. Mas neste momento todo o empreendimento está completamente
requisitado, por ordem civil, policial e até militar. E nós não vamos deixar
ninguém entrar aqui”, disse Nuno Silva Vieira em declarações à TVI24.
Saúde pública
justificou a requisição, diz Eduardo Cabrita
O ministro da
Administração Interna, Eduardo Cabrita, considerou que uma compensação pela
requisição do complexo turístico Zmar, em Odemira, devido à pandemia de
covid-19, “não tem relevância” e que “o que está em causa é a saúde pública”.
Questionado pelos
jornalistas, em Vendas Novas, no distrito de Évora, sobre se haverá uma
compensação financeira para os proprietários do Zmar, o governante respondeu
que “essa questão não tem relevância” e que “o que está em causa é a saúde
pública”. Perante a insistência dos jornalistas, Eduardo Cabrita remeteu para o
Ministério das Finanças a questão, por ser quem “assumirá as responsabilidades
necessárias no termo do Código das Expropriações”.
“Mas o que é
fundamental é garantir que as pessoas que não têm condições de habitação digna”
tenham a possibilidade de cumprir as “regras de isolamento profiláctico”,
sublinhou, citado pela Lusa.
Investimento no
empreendimento em risco?
As dificuldades
financeiras do empreendimento levaram a empresa gestora a avançar para a
insolvência, mas um acordo entre credores e um plano de investimento previa a
reabertura do espaço em 28 de Maio. De acordo com o administrador de
insolvência, Pedro Pidwell, a requisição civil do Governo pode inviabilizar o
investimento, “colocando em causa todo o processo”.
Em declarações à
Lusa, Pedro Pidwell disse que “a requisição civil para os fins a que se propõe
coloca em causa a época alta e a facturação que seria essencial para que a
empresa pudesse prosseguir a sua recuperação”. “Isto aponta para a liquidação
da empresa e para a extinção de mais de 100 postos de trabalho”, alertou.
Para o
responsável, a ocupação turística do resort pode ficar comprometida durante o
Verão, porque, no seu entender, “passar férias num sítio que foi um ‘covidário'
não é a solução mais apelativa”. Pedro Pidwell disse aos jornalistas que foi
enviada uma carta ao ministro da Economia “a explicar a situação e a expor os
argumentos dos gestores e proprietários, mas, ao contrário do que foi dito, não
houve qualquer resposta [da parte do Governo].
Alexandra Beato,
uma das proprietárias, disse aos jornalistas que “a decisão do Governo não faz
qualquer sentido, uma vez que as casas estão equipadas com os bens pessoais de
cada pessoa”. “Isto não é governar, isto é desgovernar, porque o que estamos a assistir
não faz qualquer sentido, porque quem tomou esta decisão não se deu ao trabalho
de perceber que tipo de empreendimento é este”, enfatizou.
A ceramista e
ex-manequim Anna Westerlund, proprietária de pelo menos uma das habitações,
recorreu às redes sociais para criticar a acção do Governo, classificando-a de
“muito grave”.
“Isto que está a
acontecer com o Zmar, e que parece uma simples requisição civil para resolver a
covid naquela zona, é o camuflar de uma descaracterização daquela região que se
enche de estufas, da ganância económica que não pára para pensar nem olha a meios”,
acusa a proprietária, referindo que as situações de sobrelotação verificadas no
alojamento para os emigrantes não existem só “desde o tempo da covid”.
O Zmar situa-se
na freguesia de Almograve-Longueira, umas das duas freguesias – juntamente com
São Teotónio – do concelho de Odemira que estão sob cerca sanitária para
controlo epidemiológico da covid-19, decisão decretada pelo Governo na
quinta-feira.
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