segunda-feira, 22 de abril de 2024

Sintra um lugar que é nosso? Estão a gozar? / A abertura do Chalet Biester e a Sintra experience.

 


 OPINIÃO

Sintra um lugar que é nosso? Estão a gozar?

 

Nem é preciso ser residente, o estado do sítio torna a propaganda da câmara ofensiva não só para os que vivem em Sintra como também para quem a visita em busca do espírito do lugar.

 

Madalena Martins

21 de Agosto de 2022, 23:24

https://www.publico.pt/2022/08/21/opiniao/opiniao/sintra-lugar-estao-gozar-2017869

 

“Sintra um lugar que é nosso” é o novo slogan da Câmara Municipal de Sintra.

 

Entre a confusão do trânsito, as construções dissonantes ou mesmo monstruosas, o artesanato feito na China, as esplanadas que invadem passeios e ruas, os letreiros agressivos, a desqualificação generalizada do sítio, a propaganda mais parece uma provocação.

 

Um lugar que é nosso, de quem? Os poucos residentes que vão resistindo à pressão do turismo de massas sentem na pele que Sintra é cada vez menos sua. O que, aliás, o presidente da câmara faz questão de acentuar quando responde a críticas e reclamações dos munícipes acusando-os de quererem ser donos de Sintra. Sintra é de todos. Mas, por este andar, perderá o seu encanto e não interessará a ninguém.

 

Sintra, um lugar que é “deles"…

“O lugar que é nosso” é, na realidade, cada vez mais “deles”. É dos turistas, quantos mais melhor, com os inerentes atropelos à paisagem e ao espírito do lugar. É dos bandos de “tuk-tuks”, jipes e autocarros que entopem as ruas e poluem o ar. É dos promotores imobiliários que fazem coisas como a Gandarinha, a Quinta de Santo António ou o Vila Galé e outras novas construções e “reabilitações” desastrosas. É das empresas de actividades ditas de desporto-aventura e de todos os que exploram de forma agressiva o parque natural. É do alojamento hoteleiro em cada esquina, das lojas de quinquilharia para o turista, dos transportes para o turista, dos restaurantes e cafés para o turista.

 

E, antes de mais, Sintra é, sem dúvida, da câmara municipal, dos detentores do poder que, sob o discurso de transparência, de diálogo com a comunidade e de respeito pelo património que apregoam, o que mostram é opacidade, desprezo pelos problemas dos munícipes e insensibilidade àquilo que faz de Sintra um sítio único. E nem é preciso ser residente, o estado do sítio torna a propaganda da câmara ofensiva não só para os que vivem em Sintra como também para quem a visita em busca do espírito do lugar. Estamos fartos de sofrer o inferno em que se tornou viver em Sintra ou vir passear a Sintra. Um lugar que é nosso? Estão a gozar?

 

Uma responsabilidade que é de todos

Como tantos outros sítios de Património Mundial, Sintra tem de ser protegida dos efeitos predadores do turismo de massas e da especulação, para que possa ser usufruída, valorizada e legada às próximas gerações naquilo que tem de exclusivo: uma simbiose única entre a natureza e os monumentos, as pessoas e as suas casas. Foi essa harmonia entre a natureza e a intervenção humana o principal fundamento da inscrição da Paisagem Cultural de Sintra como Património da Humanidade. Como alertava a UNESCO em 1995, a sua identidade é frágil e vulnerável a métodos negligentes e insensíveis de gestão e de uso do território. Hoje, 27 anos depois, Sintra precisa urgentemente de uma gestão eficaz que garanta a sua integridade como património vivo e trave o negócio do turismo de massas, o qual, como todos sabemos, acabará fatalmente por matar a galinha dos ovos de ouro.

 

É óbvio que o turismo é muito importante para Sintra mas é preciso ver mais longe, aprender com as experiências boas e más de outros sítios de Património Mundial. Às entidades responsáveis pela gestão do bem universal de valor excepcional - a câmara, a DGPC, o ICNF, a APA, a PSML, o Turismo de Portugal -, cabe a responsabilidade de preservar Sintra, em articulação com a comunidade e outras partes interessadas. Só uma visão de futuro, que integre o ambiente, a cultura, a sociedade, a economia, pode evitar que Sintra se torne em mais um parque de diversões sem vida própria. Todos sabemos que é uma tarefa complexa que requer vontade política e competência na administração do território. Mas é preciso pôr mãos à obra, antes que seja tarde demais.

 

É óbvio que o turismo é muito importante para Sintra, mas é preciso ver mais longe, aprender com as experiências boas e más de outros sítios de Património Mundial

 

Não chega a retórica oficial de defesa do património quando o que se vê na prática é a degradação da paisagem, da qualidade de vida e, também, inevitavelmente, da experiência dos visitantes. Contrariar a monocultura do turismo, dinamizar outras actividades consentâneas com as características do lugar, introduzir regulamentos e mecanismos que defendam eficazmente o património nas suas múltiplas dimensões, incentivar o arrendamento permanente, criar um sistema de transportes e de gestão de trânsito adequados, são alguns dos desafios estratégicos que se colocam a Sintra. É isso que os sintrenses e os amantes de Sintra exigem, não só da câmara como dos organismos centrais da administração pública.

 

Só assim, Sintra poderá continuar a ser um lugar que é nosso, dos que aqui vivem, dos que a visitam, hoje e no futuro, sem demagogias nem jogos de palavras.

 



OPINIÃO

A abertura do Chalet Biester e a Sintra experience

 

 O “enxame” de tuk-tuks e os trovadores de vários géneros musicais que, com amplificação de alto potencial ocupam o espaço físico da serra e do centro histórico, tornam impossível qualquer experience etérea ou poética metafísica.

 

 António Sérgio Rosa de Carvalho

23 de Maio de 2022, 23:53

https://www.publico.pt/2022/05/23/opiniao/opiniao/abertura-chalet-biester-sintra-experience-2007397

 

 A recente abertura do notável Chalet Biester veio reforçar o potencial de excelência da “experiência cultural” Sintra. Esta, garantida pela conjugação única de Património Cultural e Património Natural, definidos na atribuição da classificação da UNESCO como Paisagem Cultural / Natural. Esta classificação traz também enormes responsabilidades e imperativos de gestão.

 

 Este pequeno artigo pretende precisamente tratar dos imperativos mínimos para garantir a excelência da internacionalmente prometida Sintra experience.

 

  A abertura ao público do Chalet Biester ( 1 ) veio confirmar e reforçar os temas da vizinha Regaleira não só no plano da arquitectura e dos fabulosos projectos paisagísticos e respectivos investimentos botânicos completando a “visão” de D. Fernando, mas também no plano do núcleo de interesses esotéricos e iniciáticos, que remontam aos mitos Templários.

 

 Ora, as qualidades descritas exigem serenidade contemplativa em sintonia com a Natureza e possibilidade de focagem e concentração mental só possível com a garantia do silêncio.

 

 


FOTO: Em 19 de agosto de 2020, condutores de animação turística e animadores turísticos manifestaram-se para reivindicar que os alertas laranjas não sejam decretados pelo risco de incêndio rural no concelho se Sintra TIAGO PETINGA/LUSA

 

 A tentativa de alcançar a experiência prometida, num presente dificultado por afluências massificadas de turistas, torna-se simplesmente impossível pela presença constante de um “zumbido” motorizado produzido por um “enxame” de tuk-tuks que incessantemente circulam de forma caótica e perigosa na estrada da Pena, ou em baixo, junto à saída da Regaleira.

 

 Em 2015, quando Fernando Medina conseguiu finalmente impor um regulamento em Lisboa para os tuk-tuks com a exigência de circulação exclusiva de veículos electrificados em 2017, muitos dos motorizados fugiram para Sintra, dominando de forma caótica e assertiva o já difícil trânsito local e impondo-se num permanente assédio agressivo, desde o primeiro momento de chegada à estação, ao visitante de Sintra.

 

 Em 2015, quando Fernando Medina conseguiu finalmente impor um regulamento em Lisboa para os tuk-tuks com a exigência de circulação exclusiva de veículos electrificados em 2017, muitos dos motorizados fugiram para Sintra

 

 Basílio Horta tentou impor um imprescindível regulamento em 2017, mas uma providência cautelar em 2018 determinou uma incompreensível suspensão deste tão necessário regulamento.

 

 Os episódios negativos têm-se sucedido, desde um agente de polícia ferido numa manifestação ( 2 )  a um recente acidente com quatro feridos.( 3 ) Tudo isto culminado com o episódio da não declaração de 189.000 euros de lucros por um proprietário da frota de tuk-tuks.( 4 )

 

 Junto a este fenómeno que exige soluções e medidas urgentes, toda a Sintra experience é também dominada por trovadores de vários géneros musicais que com amplificação de alto potencial ocupam o espaço físico da serra e do centro histórico, tornando impossível qualquer experience etérea ou poética metafísica.

 

 Por este andar, estes fenómenos associados aos números incomportáveis e irresponsáveis de turistas vão levar a uma intervenção da UNESCO, impondo limites

 

Por este andar, estes fenómenos associados aos números incomportáveis e irresponsáveis de turistas vão levar a uma intervenção da UNESCO, impondo limites

 

 Sintra, no caso de não impor regulamento e medidas dirigidas à imposição e restabelecimento de um equilíbrio, está a desenvolver à sua escala uma síndroma “Veneza” que vai forçosamente e inevitavelmente culminar em cancelas limitativas com um preço global para o pacote de atracções para a sua experience.

 

 Historiador de Arquitectura

 

( 1 ) https://www.publico.pt/2022/03/31/fugas/noticia/palacio-biester-abre-visitas-primeira-tesouro-seculo-xix-sintra-2000859


 ( 2 ) https://www.jn.pt/local/noticias/lisboa/sintra/policia-ferida-em-protesto-de-tuk-tuk-devido-a-interdicao-na-serra-de-sintra-10965458.html

 

 ( 3 ) https://www.noticiasaominuto.com/pais/1987538/despiste-de-tuk-tuk-provoca-quatro-feridos-em-sintra

 

 ( 4 ) https://www.cmjornal.pt/portugal/detalhe/dono-de-frota-de-tuk-tuk-nao-declara-189-mil-euros

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