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Parvo que sou
A música dos Deolinda mostra que o país não melhorou para
os jovens. Mas se a música continua fresca, onde está o descontentamento e os
jovens? Se formos à procura deles provavelmente estão a assinar contrato lá
fora, estão no aeroporto de malas e bagagens ou estão mesmo já a constituir
família noutro ponto do globo.
Alexandre Santos
De vincadas
raízes beirãs, de Cernache do Bonjardim. Licenciado em Relações Internacionais,
com foco nos assuntos internacionais para a Ciência, Tecnologia e Inovação.
22 de Agosto de
2022, 7:37
https://www.publico.pt/2022/08/22/p3/cronica/parvo-2017692
Em 2022, será
preciso os Deolinda nos darem uma nova versão ou os jovens já cá não estão?
Em 2011, os
versos dos Deolinda na música Parva que sou entoaram nos Coliseus do Porto e de
Lisboa, ressoaram nos pensamentos dos jovens portugueses e a resposta foi
clara. A Geração à Rasca levou consigo o “…e parva eu não sou” para a rua e
fez-se ouvir. As imagens das manifestações preencheram o cenário mediático dias
a fio, e as vozes que expressaram todo o seu descontentamento nas ruas
aumentaram a pressão ao governo.
Na altura eu era
uma criança que assistia a tudo na televisão. Hoje, volvida mais de uma década,
sou recém-licenciado, entrei no mercado de trabalho mas dou por mim a pensar
que parvo que sou. Vejamos aquilo que mudou na letra de 2011.
Sou da geração
sem remuneração
E nem me incomoda
esta condição
Que parva que eu
sou
Porque isto está
mal e vai continuar
Já é uma sorte eu
poder estagiar
Que parva que eu
sou
E fico a pensar
Que mundo tão
parvo
Onde para ser
escravo
É preciso estudar
Segundo o estudo
da Fundação Francisco Manuel do Santos, três em cada quatro jovens que
trabalham ganham apenas até 950 euros. A inflação sobe, os custos da energia
sobem e as rendas das casas teimam em não descer. Esta que é a geração mais
qualificada de sempre, mas continuamos reféns de carreiras sem expectativas de
progressão. A brutal carga fiscal sobre os salários constitui um esmagador
travão a quaisquer perspectivas de futuro. Veja-se que um salário base de 2.700
euros custa à empresa 3.368 euros mas trabalhador leva para casa apenas 1.700
euros.
Na situação dos
estágios nada mudou. A cultura de trabalho enraizada na sociedade portuguesa
continua a olhar para os estágios como recursos fáceis e gratuitos, força de
trabalho explorável e inesgotável. Os jovens que procuram trabalho debatem-se
com as ofertas que existem: ou estágios não remunerados ou lugares que exigem
cinco anos de experiência.
Sou da geração
casinha dos pais
Se já tenho tudo,
p'ra quê querer mais?
Que parva que eu
sou
Filhos, maridos,
estou sempre a adiar
E ainda me falta
o carro pagar
Que parva que eu
sou
A idade de saída
de casa dos pais continuou a escalar desde 2011 e está agora nos 33,6 anos, a
mais alta da União Europeia. Será que são os jovens que não querem sair ou cá
fora não há condições? Nos grandes centros urbanos como Lisboa ou Porto onde
ainda se concentram maior parte das oportunidades, as rendas trancam as
fechaduras das possibilidades dos jovens. No interior a falta de oportunidades
já é recorrente, mas também a habitação se começou a expressar como um
problema.
Quanto aos planos
e expectativas, o paradigma mudou e os jovens são agora muito mais atraídos
pelas mudanças e oportunidades de carreira mais desafiantes. Ainda assim, o
normativo carro-casa-casamento-filhos está mais do que adiado, está quase
inacessível por todos os factores que já vimos até aqui. O IRS Jovem é uma boa
medida, mas somados os problemas e divididas as responsabilidades, o que sobre
para os jovens?
Afinal,
percebe-se que a música dos Deolinda mostra que o país não melhorou para os
jovens. Mas se a música continua fresca, onde está o descontentamento e os
jovens? Se formos à procura deles provavelmente estão a assinar contrato lá
fora, estão no aeroporto de malas e bagagens ou estão mesmo já a constituir
família noutro ponto do globo. Com um sentimento de um país que desistiu deles,
mas com a confiança de não desistir deles próprios. Porque parvos nós
não somos.
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