segunda-feira, 1 de novembro de 2021

E se de repente alguém lhe oferecesse um bloco central?

 



OPINIÃO

E se de repente alguém lhe oferecesse um bloco central?

 

Esgotadas as pontes à esquerda, resta a António Costa ensaiar a aproximação ao PSD. Talvez o PS aceite a ideia, desde que esteja em causa a manutenção no poder.

 

Ana Sá Lopes

31 de Outubro de 2021, 6:00

https://www.publico.pt/2021/10/31/politica/opiniao/repente-alguem-oferecesse-bloco-central-1983140

 

António Costa foi o responsável por “implodir” o muro, aquele que impedia o PS de governar com o apoio da esquerda. Agora, o sonho acabou e houve aqui alguém que se enganou – para prosseguir com a banda sonora que animou o debate do Orçamento, de Jorge Palma a José Mário Branco. Com o PS a acusar os partidos à sua esquerda que, seis anos depois, falharam o apoio ao Governo, de “traição”, é muito difícil ver como a confiança se vai poder reconstruir.

 

Se se confirmarem as previsões de que os resultados eleitorais deixarão as coisas mais ou menos na mesma, sem nenhuma maioria absoluta – com subidas já esperadas do Chega e da Iniciativa Liberal e a previsível extinção do CDS caso concorra sozinho –, há uma porta que resta a António Costa, que o primeiro-ministro sempre recusou, mas que esteve sempre disponível desde que Rui Rio chegou à liderança do PSD. É a porta do inominável bloco central que, à semelhança da aliança do Bloco de Esquerda e do PCP com o PS, também pode ter outro nome qualquer. Aliás, “geringonça”, um nome inicialmente inventado por Vasco Pulido Valente para ridicularizar a ideia, acabou por se tornar no substantivo ideal para evitar dizer aquela frase complexa e desagradável para os partidos de esquerda em que consistia a solução governativa: “Aliança do Bloco de Esquerda e do PCP com o PS”.

 

António Costa e Rui Rio, para já, estão alinhados no mesmo objectivo: conseguir eleições o mais depressa possível por razão semelhante. Costa não quer ver a direita com tempo para se estruturar; Rio até quer adiar a disputa interna (e trata-se de um congresso ordinário) para evitar que Paulo Rangel chegue ao poder.

 

Costa e Rio sabem que só por milagre existirá alguma maioria absoluta: em 2015, Costa teve menos votos que Passos; em 2019, depois de quatro anos de elevada popularidade, não a atingiu. Em 2022, com seis anos de desgaste governativo de que o resultado das autárquicas foi um sinal de alerta, ter mais votos do que o PSD é um excelente objectivo, mesmo contando com alguma transferência de votos do Bloco e do PCP para o PS.

 

É verdade que Costa disse que nunca faria um bloco central. Mas, na prática, existe um bloco central “fáctico”. Com pontes dinamitadas à esquerda, o sobrevivente Costa vai recusar a solução?

 

O Expresso deste sábado conta-nos que o cenário seria bem visto em Belém: “O sonho de Marcelo seria poder contar com um acordo de cavalheiros entre os líderes dos dois maiores partidos de forma a permitir ao vencedor contar que o segundo mais votado lhe garantisse, se não a legislatura toda, pelo menos um ou dois Orçamentos do Estado e com isso dois anos de vida”. Aliás, como o texto refere, foi o que Marcelo fez quando Guterres era primeiro-ministro sem maioria. Na época, a “justificação” de Marcelo era a preparação da adesão ao euro; a do líder do PSD pode muito bem ser a execução do Plano de Recuperação e Resiliência e os fundos europeus.

 

É verdade que Costa disse que nunca faria um bloco central. Mas, na prática, existe um bloco central “fáctico” – de que, aliás, se têm queixado muitas vezes os velhos parceiros Partido Comunista e Bloco de Esquerda, quando vêem as suas propostas derrotadas por alianças parlamentares entre o PS e o PSD. Com pontes dinamitadas à esquerda, o sobrevivente Costa (que tem que ser primeiro-ministro antes de vir a ser presidente do Conselho Europeu) vai recusar a solução?

 

Se o programa de Rui Rio sempre foi este – o de se aliar ao PS para as “grandes reformas estruturais” –, falta saber o que Paulo Rangel, caso seja o vencedor da contenda interna, fará. Sobram interrogações sobre se o PS, que se habituou à “geringonça”, aceitará a ideia. Talvez aceite, desde que esteja em causa a manutenção no poder – e que não se chame “Bloco Central”. Pode muito bem chamar-se Ernesto.

 

tp.ocilbup@sepol.as.ana

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