OPINIÃO
E se de repente alguém lhe oferecesse um bloco central?
Esgotadas as pontes à esquerda, resta a António Costa
ensaiar a aproximação ao PSD. Talvez o PS aceite a ideia, desde que esteja em
causa a manutenção no poder.
Ana Sá Lopes
31 de Outubro de
2021, 6:00
https://www.publico.pt/2021/10/31/politica/opiniao/repente-alguem-oferecesse-bloco-central-1983140
António Costa foi
o responsável por “implodir” o muro, aquele que impedia o PS de governar com o
apoio da esquerda. Agora, o sonho acabou e houve aqui alguém que se enganou –
para prosseguir com a banda sonora que animou o debate do Orçamento, de Jorge
Palma a José Mário Branco. Com o PS a acusar os partidos à sua esquerda que,
seis anos depois, falharam o apoio ao Governo, de “traição”, é muito difícil
ver como a confiança se vai poder reconstruir.
Se se confirmarem
as previsões de que os resultados eleitorais deixarão as coisas mais ou menos
na mesma, sem nenhuma maioria absoluta – com subidas já esperadas do Chega e da
Iniciativa Liberal e a previsível extinção do CDS caso concorra sozinho –,
há uma porta que resta a António Costa, que o primeiro-ministro sempre recusou,
mas que esteve sempre disponível desde que Rui Rio chegou à liderança do PSD. É
a porta do inominável bloco central que, à semelhança da aliança do Bloco de
Esquerda e do PCP com o PS, também pode ter outro nome qualquer. Aliás,
“geringonça”, um nome inicialmente inventado por Vasco Pulido Valente para
ridicularizar a ideia, acabou por se tornar no substantivo ideal para evitar
dizer aquela frase complexa e desagradável para os partidos de esquerda em que
consistia a solução governativa: “Aliança do Bloco de Esquerda e do PCP com o
PS”.
António Costa e
Rui Rio, para já, estão alinhados no mesmo objectivo: conseguir eleições o mais
depressa possível por razão semelhante. Costa não quer ver a direita com tempo
para se estruturar; Rio até quer adiar a disputa interna (e trata-se de um
congresso ordinário) para evitar que Paulo Rangel chegue ao poder.
Costa e Rio sabem
que só por milagre existirá alguma maioria absoluta: em 2015, Costa teve menos
votos que Passos; em 2019, depois de quatro anos de elevada popularidade, não a
atingiu. Em 2022, com seis anos de desgaste governativo de que o resultado das
autárquicas foi um sinal de alerta, ter mais votos do que o PSD é um excelente
objectivo, mesmo contando com alguma transferência de votos do Bloco e do PCP
para o PS.
É verdade que Costa disse que nunca faria um bloco
central. Mas, na prática, existe um bloco central “fáctico”. Com pontes
dinamitadas à esquerda, o sobrevivente Costa vai recusar a solução?
O Expresso deste
sábado conta-nos que o cenário seria bem visto em Belém: “O sonho de Marcelo
seria poder contar com um acordo de cavalheiros entre os líderes dos dois
maiores partidos de forma a permitir ao vencedor contar que o segundo mais
votado lhe garantisse, se não a legislatura toda, pelo menos um ou dois Orçamentos
do Estado e com isso dois anos de vida”. Aliás, como o texto refere, foi o que
Marcelo fez quando Guterres era primeiro-ministro sem maioria. Na época, a
“justificação” de Marcelo era a preparação da adesão ao euro; a do líder do PSD
pode muito bem ser a execução do Plano de Recuperação e Resiliência e os fundos
europeus.
É verdade que
Costa disse que nunca faria um bloco central. Mas, na prática, existe um bloco
central “fáctico” – de que, aliás, se têm queixado muitas vezes os velhos
parceiros Partido Comunista e Bloco de Esquerda, quando vêem as suas propostas
derrotadas por alianças parlamentares entre o PS e o PSD. Com pontes
dinamitadas à esquerda, o sobrevivente Costa (que tem que ser primeiro-ministro
antes de vir a ser presidente do Conselho Europeu) vai recusar a solução?
Se o programa de
Rui Rio sempre foi este – o de se aliar ao PS para as “grandes reformas
estruturais” –, falta saber o que Paulo Rangel, caso seja o vencedor da
contenda interna, fará. Sobram interrogações sobre se o PS, que se habituou à
“geringonça”, aceitará a ideia. Talvez aceite, desde que esteja em causa a
manutenção no poder – e que não se chame “Bloco Central”. Pode muito bem
chamar-se Ernesto.
tp.ocilbup@sepol.as.ana
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