quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

Os melhores do mundo, os piores do mundo

 


EDITORIAL CORONAVÍRUS

Os melhores do mundo, os piores do mundo

 

Se uma das primeiras frases da Organização Mundial de Saúde foi a famosa “testar, testar, testar”, porque é que se demorou tanto a chegar ao que a ministra da Saúde finalmente anunciou ontem?

 

Ana Sá Lopes

11 de Fevereiro de 2021, 5:30

https://www.publico.pt/2021/02/11/politica/editorial/melhores-mundo-piores-mundo-1950201

 

Entre as várias doenças colectivas de que o povo português padece uma é, seguramente, a ciclotimia: ora somos os piores do mundo (“Só neste país”) ora os melhores do mundo, como aconteceu na euforia da Expo-98 ou em alguns campeonatos de futebol. A frase do virologista Pedro Simas desta semana é interessante sobre a ciclotimia da covid-19: “Fomos dos melhores do mundo no primeiro confinamento, os piores na origem da terceira vaga e vamos ser um dos países do mundo que mais depressa conseguiram controlar a terceira vaga porque houve uma adesão fantástica ao confinamento e o resultado está à vista”. Embora a ciclotimia esteja profundamente enraizada na chamada “alma portuguesa”, talvez a ciência mande ter alguma prudência a ler os resultados. O número de infecções diárias está a baixar, mas continuamos com um número de mortes elevadíssimo. Como nesta edição o presidente da Associação de Administradores Hospitalares diz, o risco dos indicadores de saúde de Portugal baixarem drasticamente é imenso: “Vamos regredir anos”.

 

A resposta covid-19 fez reduzir a “resposta não covid”, e o aumento da mortalidade desde Abril tem vindo a ser constante – e também está por estudar. O facto de o mês de Janeiro ter tido o número mais elevado de mortes desde 1918 (em plena gripe espanhola) é um dado que tem de obrigatoriamente pôr as autoridades de saúde em estado de alerta. Há, no comportamento do vírus, uma quantidade de factores que não podemos controlar – desde a sucessão de variantes mais complexas que têm vindo a ser conhecidas até à falta de explicação científica para o facto de atacar mais uns países do que outros, que tomaram exactamente as mesmas medidas. Se é complexo controlar o vírus, menos complexo será tentar perceber o que se passa no Serviço Nacional de Saúde e dar os meios necessários: Portugal está abaixo da média da Europa em camas de cuidados intensivos. Depois, há coisas que não deveriam ter custado mesmo nada: como foi possível que há três meses António Costa tenha prometido exponenciar as equipas de rastreadores nomeadamente com o recurso às Forças Armadas, e isso praticamente não tenha saído do papel? E se uma das primeiras frases da Organização Mundial de Saúde foi a famosa “testar, testar, testar”, porque é que se demorou tanto a chegar ao que a ministra da Saúde finalmente anunciou ontem?

 

P.S. Boa notícia é o desconfinamento dos livros anunciado ontem no decreto do Presidente da República. A ideia de que se podia ir a um supermercado comprar tudo menos livros era provavelmente uma das mais obnóxias medidas do confinamento.

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