Joana Petiz e
Pedro Pinheiro (TSF)
06 Fevereiro 2021
— 23:02
António Barreto
ENTREVISTA DN TSF
O sociólogo rejeita tendências que "reescrevem a
História" e revelam uma tendência crescente que tem o risco de transformar
a sociedade em algo feito "de autómatos, sem identidade nem direitos
individuais".
Sociólogo,
escritor e antigo ministro de Mário Soares, tem um olhar crítico sobre a
política nacional e a gestão da pandemia. Figura incontornável da opinião
pública em Portugal, António Barreto lembra que a democracia é de todos, mesmo
dos que não acreditam nela. Lamenta que se queira "destruir as coisas da
história que fazem parte da nossa identidade" e por isso se juntou ao
movimento contra a retirada dos brasões da Praça do Império, em frente ao
Mosteiro dos Jerónimos.
É um dos
signatários do abaixo-assinado contra a remoção dos brasões relativos às
ex-províncias ultramarinas, na Praça do Império, em Belém. Há tempos
criticou-se tanto o Museu das Descobertas que ele parece ter ficado pelo
caminho... Esta é uma tendência que tem vindo a crescer?
Infelizmente, é.
Eu raramente assino petições e já assinei três sobre o Jardim da Praça do
Império. O que está em causa é não destruir aquele jardim, o que significa
também pôr termo a esta espécie de vaga que se estabelece de reescrever a
História. E de a refazer com aproveitamento de pessoas de hoje e não da
memória. Naquela zona, posso dar imensas mostras de demagogia... Por que não se
faz demolir o Padrão dos Descobrimentos? Porque é mais pesado? E a Torre de
Belém está claramente a pedir que se lhe dê destino, umas persianas modernistas
ou futuristas.
E os Jerónimos.
Os Jerónimos,
sim, que conheço muito bem, são um manancial de esculturas de baixo-relevo
colonialistas, esclavagistas, de conquista - estão cheios de sinais que
levariam qualquer espírito cumpridor e zeloso a destruí-los pura e simplesmente
ou a cobri-los de betão. E a Cordoaria - onde se faziam cordas para os barcos
portugueses - está mesmo a pedir. Toda a região podia apanhar um enorme
safanão!
E o Museu das
Descobertas...
Esse caso é
inacreditável. Foi uma promessa programática e eleitoral do presidente da
Câmara de Lisboa, Fernando Medina, está escrita. E desapareceu, foi abolida. Eu
sou favorável há 40 anos de um Museu dos Descobrimentos e defendi-o justamente
na Cordoaria, que é uma casa lindíssima e que evoca a atividade marítima portuguesa.
Infelizmente, isto veio para ficar. Toda esta conversa em Portugal hoje sobre o
racismo, o perdão, a restituição do que os portugueses terão saqueado no mundo.
Há este universo de abdicação da História, da sua negação, quando devia haver
era um enorme esforço de fazer cada vez mais História e mais rigorosa.
É verdade que
durante 100 anos se falava da escravatura como uma vantagem, com orgulho, e é
verdade que a escravatura não merece o menor orgulho. Mas aconteceu. Quer-se
estudar mais, estude-se: como se fez, quem colaborou, a Igreja, os poderosos,
os ricos, os comerciantes internacionais... faça-se História. Mas não se
destrua as coisas da História que fazem parte da nossa identidade. Fazê-lo é
procurar sociedades feitas de homens e mulheres iguais, de autómatos sem
história nem reconhecimento, identidade ou direitos individuais. O
triunfo do coletivismo totalitário não pode acontecer.
"A ideia de tentar ilegalizar o Chega é totalmente estúpida e irracional"
Diz que é das esquerdas e dos democratas a
responsabilidade pelo êxito de André Ventura e lembra que na democracia todos
têm espaço. Na geringonça, continua a não ver vantagens. "Trouxe paz
social", mas nada. "Na economia e finanças foi muito, muito, muito
negativa."
Joana Petiz e
Pedro Pinheiro (TSF)
06 Fevereiro 2021
— 23:01
O sociólogo,
escritor e antigo ministro que pôs fim às ocupações da Reforma Agrária com a
Lei Barreto tem um olhar crítico sobre a política nacional e a gestão da
pandemia. Figura incontornável da opinião pública em Portugal, António Barreto
lembra que a democracia é de todos, mesmo dos que não creem nela, e continua a
não acreditar na bondade da geringonça, defendendo antes acordos sérios, de
papel passado e que garantam estabilidade - mesmo que de esquerda. Analisa a
agitação interna no PS, no BE e no PCP, teme pelo futuro da realidade nacional
sob efeito da pandemia e seus constrangimentos, mas tem esperança de que o país
saiba recuperar.
Em agosto, dizia
que o Chega não o assustava, no final do ano escreveu que se dá demasiado palco
a André Ventura. Essa visibilidade foi o que lhe garantiu tantos votos?
Surpreendeu-o o resultado de Ventura nas presidenciais?
Apenas por dois
ou três por cento, não é propriamente uma surpresa, foi um pouco mais. Mas
continuo a pensar muito seriamente no que disse. O Chega, por enquanto, é um
conjunto de fantasias hipertrofiadas, fantasmas hipertrofiados. E vive muito do
medo que os democratas e as esquerdas têm da direita e da extrema-direita, do
fascismo, dessas coisas do passado. Mas também vive dos defeitos dos democratas
e da esquerda. E cada vez que - na justiça, na educação, na saúde, na igualdade
- as esquerdas ou os democratas cometem erros ou têm defeitos, o Chega aparece.
Isso explica o
resultado?
Penso que sim. A
eficácia eleitoral do Chega, até agora, deve-se em grande parte ao que os
democratas e as esquerdas fizeram. Repare, qual foi o contributo político, a
ideia nova, o projeto que entusiasma a população, o novo grande programa
político, social e económico que trouxe ao país? É um zero absoluto. São ideias
batidas, completamente banais, um capital de resmunguice e protesto enorme que
faz demagogia e a tudo promete tábua rasa. Em vez de ideias, têm vassouras,
varrem tudo. Este grupo de pessoas não me parece capaz de capitalizar
entusiasmo político, esperança, expectativa ou coesão social. Vive de
resmunguice e protesto - que é um capital importante - e dos defeitos dos
democratas.
E faz sentido
tentar ilegalizar o Chega ou isso só dará mais força a quem o segue?
É um erro crasso
e absoluto. A democracia é o regime de todos, incluindo os não democratas. Se
os democratas não entendem isto de uma vez por todas, continuarão a errar tanto
quanto a extrema-esquerda ou a extrema-direita. O Chega só deve ser ilegalizado
se cometer crimes - e crimes por ação, não por pensamento, ideias ou comício. A
ideia de ilegalizar o Chega é totalmente estúpida e irracional.
E acredita que o
acordo de governo nos Açores pode vir a acontecer também no governo da
República? E, nesse caso, deve ser um acordo de papel passado?
Poder pode, eu
gostaria que não acontecesse, que em Portugal nem esquerda nem direita dessem
palco e cena a um partido como o Chega no governo, que não acontecesse de forma
nenhuma.
Já aconteceu nos
Açores.
Pode acontecer. É
a vida.
Mas há indícios
de que pode acontecer no governo da República?
Bom, Rui Rio deu
a entender que não era uma hipótese a pôr de parte. Tenho pena que ele tenha
dito e pensado isso.
Rio tem condições
de federar a direta ou seria mais provável com o regresso de Passos Coelho, uma
ideia que tem ganho força?
Não tenho ideia
sobre o tema. Parece-me que Passos não quer, não tem vontade de retomar...
E sobre a
capacidade de Rio conseguir federar a direita?
O partido
social-democrata tem sempre quatro ou cinco líderes supostos, putativos,
potenciais. Nunca viveu - exceto num pequeno período com Sá Carneiro e noutro
maior com Cavaco Silva, porque tinha o poder nas mãos - sem morgadios,
baronagens e feudos. Não creio que, no PSD, seja suficiente ter um programa e
vencer - eventualmente o contrário, precisa de vencer e depois ter um programa.
Em outubro, há
eleições autárquicas. Deviam ser adiadas?
O fator essencial
é a vacina: se em julho 60% da população estiver vacinada e não houver
praticamente nenhuns resquícios de confinamento, se não houver comércio,
instituições, fábricas ou escolas fechadas, podem decorrer, mesmo que com
cautelas. Se no verão não houver 60% da população vacinada deveriam ser
adiadas, sim.
As autárquicas
vão coincidir com o processo de negociação do próximo Orçamento do Estado (OE).
Essa conjugação de momentos pode ditar o fim do governo PS?
Pode. Se BE e PCP
recearem que não ir a eleições vai favorecer o PS, esses partidos derrubam o
governo. Se houver então condições para refazer uma maioria com o PSD, um bloco
central a sério, pode ser que isso salve o OE e o país. Caso contrário, temos
eleições em 2022.
Foi um crítico da
geringonça.
Nunca gostei
desse nome da geringonça - e nem da solução de governo. Não gostei, não gostava
e não gosto, porque significa colocar no centro do governo e das instituições
nacionais ativas o PCP e o BE, que eu acho que não merecem lá estar. Merecem
estar no Parlamento, ter toda a atividade política, mas têm de ter mais
eleitorado... e gostaria que tivessem mais respeito pela democracia, pelas
instituições democráticas e pelos valores democráticos. Portanto levar esses
partidos para governo foi a razão essencial por que me opus, porque me inscrevi
como adversário - num processo que foi completamente democrático, claro.
Olhando para
trás, foi tão mau como antecipava?
Em certos aspetos,
sou hoje ligeiramente mais benéfico em relação à geringonça no sentido em que
conseguiu uma coisa: paz social durante três ou quatro anos. E isso é em si
próprio um valor, que não haja greves, arruaças, motins, que não haja
verdadeiramente uma conflitualidade de classes profunda e permanente é uma
vantagem que esse governo conseguiu. Não tem praticamente mais nada a seu
favor: a saúde não foi refeita, investida, reformada e desenvolvida como devia;
na educação foi um pandemónio permanente de instrução, orientação, organização,
hesitação, contradição; a justiça não avançou; e a economia foi o grande
fracasso. Isto é, houve recuperação económica no usar mais rapidamente as
instituições que tínhamos, não houve novos investimentos. Continua a enorme área
de confusão, corrupção e promiscuidade com as PPP, prosseguiu a venda de
empresas portuguesas a estrangeiros em condições que nem sempre foram as
melhores e as mais claras. O balanço da geringonça do ponto de vista económico
e financeiro foi muito muito muito negativo. O que significa que temos mais
dificuldades do que teríamos se tivesse corrido bem.
E este novo
governo já só com meio apoio à esquerda e com casos sucessivos - de Eduardo
Cabrita a Francisca Van Dunem - estaria ainda de pé se não vivêssemos esta
pandemia?
Eu não sou
saneador de ministros, não tenho influência nem capacidade para tal. Mas se
fosse o primeiro-ministro já me tinha libertado de seis ou sete - todos sabemos
quem são, não vale a pena perder tempo. António Costa, que tem certamente
muitas qualidades - e também defeitos, é capaz de os ter ambos no mesmo plano
ou quantidade -, comete a meu ver um erro gravíssimo na formação e na vida de
um governo. Deveria ter ministros com maior capacidade política global. Tem
esta tendência - em que é parecido com Cavaco Silva - para ter ministros que
são uma espécie de diretores-gerais, que são puramente executivos e só falam no
que lhes diz respeito. Um governo que vive de direções-gerais com pasta de
governo não é bom e seguramente não dura muito. Costa tem esse defeito de
desvalorizar as pessoas e quadros dos ministros.
A sucessão de
António Costa já está lançada... Parece-lhe que as presidenciais já foram um
indício, com os apoios dos eleitores do PS a dividirem-se entre Marcelo, Ana
Gomes e até João Ferreira?
Não tenho
sugestão ou previsão sobre quem poderá garantir a liderança do PS. Nem sei se o
atual secretário-geral pode renovar o mandato muito tempo ou não. Sei que no PS
está aberta uma luta importante pela sucessão e pela reconfiguração política do
PS - mais à direita, mais à esquerda, liberal ou estatal, intervencionista... -
e todos conhecemos os nomes de quem apareceu. Certamente surgirão mais. Há
pessoas muito capazes e competentes nessa lista, uns pecam por excessivamente
esquerdistas, outros por direitistas.
Mas também no BE,
tudo leva a crer que esteja aberta alguma competição interna - pensa-se que o
partido não apoiou Marisa e vice-versa. E pela primeira vez em muito tempo, há
uns zunzuns no PCP - o PCP tem de viver sempre de rumores e boatos, mas tudo
leva a crer que começa a haver luta séria, pessoal e sobretudo política. É
estranho que este PCP continue a diminuir, tenha cada vez menos pessoas, mais
idosas, ideias que oscilam entre renovações repentinas que surpreendem e o
velho catecismo marxista-leninista e mantenha tanta influência. Tem influência
a mais na vida política portuguesa - e continua a definhar, a definhar...
Voltando a Costa,
depois da sua liderança ficará aquela imagem do eucalipto que seca tudo em
volta?
É capaz. Parece
simplesmente ter chegado ao fim. O facto de estarem na cena política pessoas a
afirmar-se com ideias próprias - Francisco Assis, Sérgio Sousa Pinto, Pedro
Nuno Santos, Ana Gomes, Santos Silva... Há muita gente no PS que de repente se
disse "temos de mostrar a nossa diferença, as nossas ideias, deixar de ser
uma espécie de adjuntos (que foi uma grande expressão de Cavaco Silva) do
secretário-geral do partido". Estou muito curioso para ver como a luta
política e o confronto de pensamento no PS se vai desenvolver.
Medina diz que não há retirada de brasões da Praça do
Império porque não existem há décadas
O presidente da Câmara de Lisboa afirmou que "não há
nenhum projeto de retirada de qualquer brasão" do jardim da Praça do
Império, em Belém, justificando que os arranjos florais dos anos 60 já não
existem há décadas.
DN/Lusa
09 Fevereiro 2021
— 19:51
Falando na sessão
plenária da Assembleia Municipal de Lisboa, Fernando Medina (PS) quis fazer um
"esclarecimento cabal" na sequência de uma nova petição "contra
o apagamento dos brasões da Praça do Império".
O autarca
defendeu que se devem evitar "polémicas feitas na base do absurdo, da
mentira, da falsidade", salientando que não há, da parte da câmara,
qualquer "destruição do património histórico" ou "tentativa de
revisão histórica".
Fernando Medina
explicou que "nos anos 60", numa altura em que o país "se
debatia pela afirmação internacional do império", foram "plantadas
umas flores que desenhavam e simbolizavam os brasões das diversas regiões e
províncias num mosaico colorido".
As composições
florais já não existem, porém, "pelo menos desde os anos 70 ou 80 e a
grande maioria não está lá, na verdade, desde os anos 60", salientou
Medina.
"Não há
nenhuma retirada de nenhum brasão, nem há nenhuma proposta de ninguém de voltar
a plantar umas flores que não estão lá", disse.
Fernando Medina
afirmou também que o projeto original do jardim construído em 1940, da autoria
de Cotinelli Telmo, não continha os brasões florais, era "minimalista do
ponto de vista da sua vegetação" e pretendia "valorizar o Mosteiro
dos Jerónimos".
Depois da
intervenção do presidente da câmara, houve vários pedidos de defesa da honra e
de palavra por parte de deputados de direita e defensores da recuperação dos
brasões, tendo originado uma acesa trocar de argumentos com Fernando Medina.
Em 2016, a Câmara
de Lisboa (de maioria socialista) aprovou, com os votos contra da oposição, a
decisão do júri do concurso de ideias lançado para renovação do Jardim da Praça
do Império que não previa a recuperação dos brasões florais.
Surgiram depois
diversas vozes contra a decisão, petições e um abaixo-assinado que deu entrada
na Assembleia Municipal de Lisboa, considerando que a retirada dos brasões
florais daquele jardim era "um crime" contra a cidade.
Entretanto, há
pouco mais de um mês (29 de dezembro) a empreitada foi adjudicada pela
autarquia lisboeta à empresa Decoverdi, Plantas e Jardins, no valor de cerca de
730 mil euros, segundo o portal de contratos públicos base.
Voltou, então, a
surgir uma nova petição 'online', intitulada "Contra o apagamento dos
brasões da Praça do Império, tendo como primeiro signatário o presidente da
Associação Nova Portugalidade, Rafael Pinto Borges, e as assinaturas dos
ex-ministros António Barreto e Bagão Félix, assim como do antigo presidente da
Câmara de Lisboa Carmona Rodrigues.
Na lista de
signatários estão também os deputados à Assembleia da República Telmo Correia
(CDS-PP) e Paulo Neves (PSD) e os presidentes das juntas de Belém e Estrela --
ambos do PSD - Fernando Ribeiro Rosa e Luís Newton.
Os eleitos da
Assembleia Municipal de Lisboa Aline Beuvink (PPM), Diogo Moura (CDS-PP) , José
Inácio Faria (MPT) e Rodrigo Mello Gonçalves (independente, ex-PSD) são outros
dos proponentes da petição que hoje, pelas 19:00, tinha 11.368 assinaturas.
Há quatro dias, o
documento tinha cerca de 5.500 subscrições.



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