OPINIÃO
A direita está em cacos
Enquanto não existirem ideias que apelem e conquistem o
centro, o PS terá na direita o garante de continuar governo por muitos anos.
Maria João
Marques
10 de Fevereiro
de 2021, 0:10
https://www.publico.pt/2021/02/10/opiniao/opiniao/direita-cacos-1949985
Nos últimos anos,
as pessoas como eu, tendo-se sempre considerado de uma direita moderada, têm um
problema bicudo por alturas das eleições: olham para a oferta existente e não
conseguem votar nos partidos de direita. Nem nos tradicionais e, menos ainda,
nos novos – estes, cada um na sua vertente, representantes daquela nova direita
alternativa que Trump tão bem vocalizou.
Pessoas que não
participam em manifestações pela destruição do capitalismo (e pela substituição
por unicórnios de paz e amor que vivem só na cabeça dos líricos que não
conhecem a história até 1989), não têm nenhum preconceito contra lucros de
empresas em atividades legais (inclusive na saúde e na educação), apreciam a
concorrência, a livre iniciativa privada, vivem com a ideia de que o Estado
existe para servir os cidadãos e não os cidadãos para servir o Estado. Mas que
veem bem que a sociedade atual está demasiado desigual. Que o poder das empresas
multinacionais é obscuro; terraplana o poder político, os concorrentes e, por
vezes, populações; não é escrutinado e precisa de ser encurtado e, sobretudo,
devidamente taxado. Que a remuneração do capital cresceu nas últimas décadas e
a do trabalho se manteve, gerando um desequilíbrio que a prazo será explosivo.
Que não é avesso à modernidade, aos novos estilos de vida, gosta de usufruir de
bens culturais e de um mundo globalizado e aberto. Entende que são necessárias
políticas inclusivas face a grupos tradicionalmente postos à margem na vida
comunitária. Reconhece a urgência das alterações climáticas.
No fim de semana
passado, fechados em casa pela pandemia à solta, fomos entretidos com o
Conselho Nacional do CDS. Porém, a crise do CDS – e, parecida mas de dimensão
maior, a do PSD – já vem de trás.
PSD e CDS
passaram décadas insistindo em não se definir ideologicamente. Depois da queda
de Guterres, em 2002, tornaram-se a dupla que ia para o governo acertar as
contas públicas quando o PS as espatifava. Como não tinham nenhuma outra ideia
estruturada, mal estas se encontravam bem encaminhadas, o eleitorado voltava a
eleger o PS para governar.
A desorientação
instalou-se com os défices controlados de Costa e Centeno. No CDS, inicialmente
Assunção Cristas fez a vez de centrista pragmática com preocupações sociais – a
mãe de quatro com carreira de sucesso – que lhe trouxe ótimos resultados nas
autárquicas em Lisboa. Depois, não apreciando o CDS uma mulher centrista usando
minissaias, virou-se para a beatice. A luta contra a eutanásia, contra
passadeiras arco-íris, sem conseguir por Nuno Melo na ordem quando declarou o
franquista Vox não de extrema-direita. Como os eleitores não gostam de
troca-tintas, os resultados finais foram péssimos.
No PSD a confusão
é maior. A ala passista e a ala centrista/centro-esquerda odeiam-se de morte e
mal conseguem conviver. A ala passista está carregada de pessoas que gostariam
de transformar o PSD ou num Chega ou numa Iniciativa Liberal. Não têm mais
programa que acertar contas com o PS pela “geringonça” de 2015. Vivem
convencidos que a polarização à direita lhes trará os votos suficientes para
governarem. Felizes da vida, atribuem os maus resultados das sondagens a Rui
Rio (que faz por tê-los, claro). Constroem fantasias sobre um regresso
sebastiânico de Passos Coelho. Que ninguém, fora do PSD e IL, quer. Mas a ala
passista não sabe.
O significado de
Marcelo Rebelo de Sousa ter aumentado o número de votantes numa reeleição em
ano de pandemia é-lhes ininteligível. Muitos dos votantes vieram do PS, certo.
Outros daquele eleitorado flutuante que facilmente seria seduzido por um PSD
centrista.
A ala de
centro-esquerda do PSD, que poderia ir pelos caminhos da CDU alemã, está
entregue a um Rio tecnocrata. Escaqueirou boas vontades ao normalizar o Chega,
declarando-o possível parceiro de governo. O herdeiro político que cultivam,
Ricardo Batista Leite, é um conservador social (porque há tanta falta destes
pela direita), como mostra a sua posição para a eutanásia. Nada melhor para
ganhar quota de eleitorado que apresentar alguém indistinto da concorrência,
não é?
Temos então, à direita, um partido de ódios internos,
copiando ideias dos partidos nas franjas da direita que são 15% do eleitorado.
Um partido a esvair-se, vendo numa coligação permanente com a IL a única
possibilidade de evitar a extinção. E outro de apologistas do capitalismo selvagem
(O Chega não deve ser misturado com partidos democráticos)
Para dificultar
ainda mais a vida à direita, a tendência política que veio para ficar chegou a
Portugal: os partidos de causas e de nichos.
E que dizer da
IL, esse partido-nicho? Confunde liberdade com ausência de ação do Estado – não
sabem que a intervenção estatal é essencial para promover a esfera de liberdade
de todos os que não estão no topo da pirâmide social. Exclusivamente centrado
em questões económicas. Mas nem aí o que defende é liberdade. Defende o
capitalismo selvagem, os abusos de poder e de concorrência das grandes
empresas, a abolição do Estado social – que nunca se pagaria com o nível de
impostos que preconizam. Ideias de concorrência nos mercados, de igualdade de
oportunidades, de proteção das PME (além de grande empregador nacional no
conjunto, são o setor económico de facto mais livre e menos dependente de
cortesias do poder político), nada disto ocupa a IL. É um partido que se diz
liberal, chama ao mundo inteiro ‘socialista’, à moda dos trumpistas (eu, para a
claque, sou marxista), e, apesar da suposta frugalidade fiscal, tem como
ideia-bandeira por os impostos, incluindo dos mais pobres, a pagar colégios aos
filhos da classe média.
Temos então, à
direita, um partido de ódios internos, copiando ideias dos partidos nas franjas
da direita que são 15% do eleitorado. Um partido a esvair-se, vendo numa
coligação permanente com a IL a única possibilidade de evitar a extinção. Outro
de apologistas do capitalismo selvagem e das piores características da
sociedade norte-americana. (O Chega não deve ser misturado com partidos
democráticos.)
Podem disputar-se
as lideranças todas à direita. Enquanto não existirem ideias que apelem e
conquistem o centro; enquanto não entenderem que ganhar eleições é conseguir
governar e não somente obter, todos juntos, mais votos que o PS; e se se
mantiverem entrincheirados insultando os eleitores centristas e moderados –
bem, o PS terá na direita o garante de continuar governo por muitos anos. Nem
precisará de governar bem. Só de não descarrilar as contas públicas.


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