terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

A direita está em cacos

 



OPINIÃO

A direita está em cacos

 

Enquanto não existirem ideias que apelem e conquistem o centro, o PS terá na direita o garante de continuar governo por muitos anos.

 

Maria João Marques

10 de Fevereiro de 2021, 0:10

https://www.publico.pt/2021/02/10/opiniao/opiniao/direita-cacos-1949985

 

Nos últimos anos, as pessoas como eu, tendo-se sempre considerado de uma direita moderada, têm um problema bicudo por alturas das eleições: olham para a oferta existente e não conseguem votar nos partidos de direita. Nem nos tradicionais e, menos ainda, nos novos – estes, cada um na sua vertente, representantes daquela nova direita alternativa que Trump tão bem vocalizou.

 

Pessoas que não participam em manifestações pela destruição do capitalismo (e pela substituição por unicórnios de paz e amor que vivem só na cabeça dos líricos que não conhecem a história até 1989), não têm nenhum preconceito contra lucros de empresas em atividades legais (inclusive na saúde e na educação), apreciam a concorrência, a livre iniciativa privada, vivem com a ideia de que o Estado existe para servir os cidadãos e não os cidadãos para servir o Estado. Mas que veem bem que a sociedade atual está demasiado desigual. Que o poder das empresas multinacionais é obscuro; terraplana o poder político, os concorrentes e, por vezes, populações; não é escrutinado e precisa de ser encurtado e, sobretudo, devidamente taxado. Que a remuneração do capital cresceu nas últimas décadas e a do trabalho se manteve, gerando um desequilíbrio que a prazo será explosivo. Que não é avesso à modernidade, aos novos estilos de vida, gosta de usufruir de bens culturais e de um mundo globalizado e aberto. Entende que são necessárias políticas inclusivas face a grupos tradicionalmente postos à margem na vida comunitária. Reconhece a urgência das alterações climáticas.

 

 Em quem vota alguém assim? Nas presidenciais, em Marcelo Rebelo de Sousa. Em legislativas, os cada vez mais escassos fiéis votarão no PSD e a maioria, desconfio, votará no PS. E fazem muito bem. Desde logo porque os partidos de direita, os novos e os antigos, não estão interessados em cortejar este eleitorado centrista e moderado.

 

No fim de semana passado, fechados em casa pela pandemia à solta, fomos entretidos com o Conselho Nacional do CDS. Porém, a crise do CDS – e, parecida mas de dimensão maior, a do PSD – já vem de trás.

 

PSD e CDS passaram décadas insistindo em não se definir ideologicamente. Depois da queda de Guterres, em 2002, tornaram-se a dupla que ia para o governo acertar as contas públicas quando o PS as espatifava. Como não tinham nenhuma outra ideia estruturada, mal estas se encontravam bem encaminhadas, o eleitorado voltava a eleger o PS para governar.

 

A desorientação instalou-se com os défices controlados de Costa e Centeno. No CDS, inicialmente Assunção Cristas fez a vez de centrista pragmática com preocupações sociais – a mãe de quatro com carreira de sucesso – que lhe trouxe ótimos resultados nas autárquicas em Lisboa. Depois, não apreciando o CDS uma mulher centrista usando minissaias, virou-se para a beatice. A luta contra a eutanásia, contra passadeiras arco-íris, sem conseguir por Nuno Melo na ordem quando declarou o franquista Vox não de extrema-direita. Como os eleitores não gostam de troca-tintas, os resultados finais foram péssimos.

 

No PSD a confusão é maior. A ala passista e a ala centrista/centro-esquerda odeiam-se de morte e mal conseguem conviver. A ala passista está carregada de pessoas que gostariam de transformar o PSD ou num Chega ou numa Iniciativa Liberal. Não têm mais programa que acertar contas com o PS pela “geringonça” de 2015. Vivem convencidos que a polarização à direita lhes trará os votos suficientes para governarem. Felizes da vida, atribuem os maus resultados das sondagens a Rui Rio (que faz por tê-los, claro). Constroem fantasias sobre um regresso sebastiânico de Passos Coelho. Que ninguém, fora do PSD e IL, quer. Mas a ala passista não sabe.

 

O significado de Marcelo Rebelo de Sousa ter aumentado o número de votantes numa reeleição em ano de pandemia é-lhes ininteligível. Muitos dos votantes vieram do PS, certo. Outros daquele eleitorado flutuante que facilmente seria seduzido por um PSD centrista.

 

A ala de centro-esquerda do PSD, que poderia ir pelos caminhos da CDU alemã, está entregue a um Rio tecnocrata. Escaqueirou boas vontades ao normalizar o Chega, declarando-o possível parceiro de governo. O herdeiro político que cultivam, Ricardo Batista Leite, é um conservador social (porque há tanta falta destes pela direita), como mostra a sua posição para a eutanásia. Nada melhor para ganhar quota de eleitorado que apresentar alguém indistinto da concorrência, não é?

 

Temos então, à direita, um partido de ódios internos, copiando ideias dos partidos nas franjas da direita que são 15% do eleitorado. Um partido a esvair-se, vendo numa coligação permanente com a IL a única possibilidade de evitar a extinção. E outro de apologistas do capitalismo selvagem (O Chega não deve ser misturado com partidos democráticos)

 

Para dificultar ainda mais a vida à direita, a tendência política que veio para ficar chegou a Portugal: os partidos de causas e de nichos.

 

E que dizer da IL, esse partido-nicho? Confunde liberdade com ausência de ação do Estado – não sabem que a intervenção estatal é essencial para promover a esfera de liberdade de todos os que não estão no topo da pirâmide social. Exclusivamente centrado em questões económicas. Mas nem aí o que defende é liberdade. Defende o capitalismo selvagem, os abusos de poder e de concorrência das grandes empresas, a abolição do Estado social – que nunca se pagaria com o nível de impostos que preconizam. Ideias de concorrência nos mercados, de igualdade de oportunidades, de proteção das PME (além de grande empregador nacional no conjunto, são o setor económico de facto mais livre e menos dependente de cortesias do poder político), nada disto ocupa a IL. É um partido que se diz liberal, chama ao mundo inteiro ‘socialista’, à moda dos trumpistas (eu, para a claque, sou marxista), e, apesar da suposta frugalidade fiscal, tem como ideia-bandeira por os impostos, incluindo dos mais pobres, a pagar colégios aos filhos da classe média.

 

Temos então, à direita, um partido de ódios internos, copiando ideias dos partidos nas franjas da direita que são 15% do eleitorado. Um partido a esvair-se, vendo numa coligação permanente com a IL a única possibilidade de evitar a extinção. Outro de apologistas do capitalismo selvagem e das piores características da sociedade norte-americana. (O Chega não deve ser misturado com partidos democráticos.)

 

Podem disputar-se as lideranças todas à direita. Enquanto não existirem ideias que apelem e conquistem o centro; enquanto não entenderem que ganhar eleições é conseguir governar e não somente obter, todos juntos, mais votos que o PS; e se se mantiverem entrincheirados insultando os eleitores centristas e moderados – bem, o PS terá na direita o garante de continuar governo por muitos anos. Nem precisará de governar bem. Só de não descarrilar as contas públicas.

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