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LÍNGUA PORTUGUESA
“Devia haver
coragem política de assumir que o Acordo Ortográfico correu mal”
José Carlos
Barros, relator do Grupo de Trabalho para avaliar o Acordo Ortográfico, diz que
este devia ser tema de campanha, porque correu mal e “as coisas que correm mal
devem ser debatidas e corrigidas”.
Nuno Pacheco
Nuno Pacheco 2 de
Setembro de 2019, 7:15
José Carlos
Barros, deputado do PSD e relator do Grupo de Trabalho para a Avaliação do
Impacto da Aplicação do Acordo Ortográfico de 1990, cujo relatório final foi
publicado em Julho mas sem conclusões oficiais (estas foram publicadas à parte,
apenas como opinião do relator), considera, em entrevista ao PÚBLICO, que o
tema devia ser introduzido na campanha eleitoral. Porque, diz, “o Acordo
Ortográfico não é um assunto tabu e não há assuntos tabu em democracia.”
Defende que o seu partido, o PSD, devia “assumir politicamente as recomendações
do Relatório que o PS e o BE se recusaram subscrever.” Para o futuro, diz que
“desejaria que houvesse coragem política de assumir que o Acordo Ortográfico foi
uma coisa que correu mal, e que as coisas que correm mal devem ser debatidas e
corrigidas. Se necessário, como neste caso, voltando ao ponto de partida.”
O relatório final
do Grupo de Trabalho para Avaliação do Impacto da Aplicação do Acordo
Ortográfico de 1990 foi votado in extremis, na manhã do último dia de trabalhos
parlamentares, 19 de Julho, e no intervalo de um plenário com um extenso guião
de votações. A parte I do relatório, em 5 pontos, incluindo historial do processo
e uma súmula detalhada das opiniões ouvidas ao longo de dois anos (o grupo
esteve em actividade entre 20 de Janeiro de 2017 e 17 de Julho de 2019), foi
aprovada com votos a favor do PSD, do CDS/PP e do PCP e a abstenção do PS e do
BE. A parte II, a das conclusões, figurou apenas como “Opinião do Relator”,
porque não foram votadas. Nelas, José Carlos Barros sugeria que se desse
“início a uma negociação político-diplomática entre as autoridades dos diversos
Estados-membros com assento na CPLP, com vista à discussão da situação actual
ao nível da aplicação do Acordo Ortográfico de 1990 e a ponderação das decisões
mais adequadas neste domínio” (um processo de alteração ou aperfeiçoamento ou
um novo acordo), a “criação de uma Comissão Científica para a Ortografia” e a
“realização de estudos (…) com vista à avaliação das implicações da aplicação
do Acordo Ortográfico no sistema educativo, no mercado editorial e na imprensa,
bem como ao nível da estabilidade ortográfica nos serviços públicos e nas
publicações oficiais.”
Compuseram o
grupo de trabalho José Carlos Barros (coordenador, PSD); Margarida Mano (PSD);
Gabriela Canavilhas (PS), substituída por Diogo Leão; Jorge Campos (BE),
substituído por Luís Monteiro; Teresa Caeiro (CDS-PP), substituída por Vânia
Dias da Silva; e Ana Mesquita (PCP).
O que levou o
PSD, por sugestão sua, em 2017, a propor a criação deste Grupo de Trabalho?
Desde logo, o
comunicado da Academia das Ciências de Lisboa e as declarações públicas do
então seu Presidente, em finais de 2016, anunciando para Janeiro do ano
seguinte a apresentação de um estudo que visava o aperfeiçoamento das Bases do
Acordo Ortográfico. Recorde-se que a Academia realçava a “instabilidade
ortográfica” que o Acordo estava a provocar, considerava que deixava “várias
possibilidades de interpretação em muitos casos” e classificava como utópica a
imposição de uma grafia igual para os diferentes países que falam Português.
Não era possível deixar de atribuir um relevante significado a estas
declarações. Foi neste quadro que o PSD requereu a constituição do Grupo de
Trabalho.
Está satisfeito
com o resultado final?
Não, ainda que
esse resultado fosse previsível. Estava anunciado desde o princípio que as
recomendações não seriam aprovadas. As actas das reuniões da Comissão de
Cultura em que o requerimento do PSD foi apreciado são particularmente
reveladoras. A votação do requerimento começou por ser adiada a pedido do PS,
enquanto que a Presidente da Comissão [deputada Edite Estrela, PS] insistiu que
o Grupo de Trabalho não se justificava e propôs que em vez da sua constituição
se marcassem algumas audições no âmbito da Comissão. E, na prática, anunciou
desde logo a futura posição do PS sobre o assunto, ao lembrar que um anterior
grupo de trabalho sobre esta matéria não chegara a aprovar quaisquer
conclusões, o que supostamente aconteceria de novo. As actas são também
esclarecedoras sobre a posição do Bloco de Esquerda, sempre em defesa do PS.
Desde o princípio que estava anunciado que PS e Bloco de Esquerda não
aceitariam um relatório final com conclusões e recomendações, mas apenas uma
espécie de inócuo prós e contras para inglês ver.
Como comenta o
facto de só o PSD e o CDS terem concordado com as conclusões, a ponto de elas
terem surgido à parte, apenas como opinião do relator?
Como tive o
cuidado de realçar no Relatório, o Grupo de Trabalho não se substituía, nem se
podia substituir, aos grupos parlamentares. Tive a preocupação, pois, de que as
recomendações fossem equilibradas e não adoptassem nenhuma posição extrema, nem
contra nem a favor. No essencial, o que o Relatório recomenda, face às
divergências que se mantêm e ao facto de, quase três décadas depois, não se
terem atingido os objectivos que levaram à aprovação do Acordo Ortográfico, é
que se discuta do ponto de vista político e diplomático, que se debata, que se
estudem as implicações, positivas ou negativas, no sistema de ensino ou no
mercado editorial. Na prática, que não fizéssemos de conta que não temos um
problema com a língua portuguesa. PSD e CDS acompanharam este princípio básico:
o de que há um problema e de que os problemas, em democracia, devem ser
debatidos, porque só assim é possível resolvê-los. Ora, o Partido Socialista,
sobretudo, mas acompanhado de perto pelo Bloco de Esquerda, sempre entendeu, ao
longo deste processo, que não há nada a discutir, que não há nada a debater,
que o Acordo é um assunto encerrado, mesmo que apenas metade dos países o tenha
ratificado (se é que ratificou, porque nem aos documentos dos depósitos de
ratificação tivemos acesso).
E quanto ao PCP?
A situação é
diferente. Penso ser justo realçar que a posição do PCP relativamente às
recomendações constantes do relatório tem uma motivação política diferente,
tendo sido o único grupo parlamentar que apresentou uma iniciativa na
Assembleia da República no sentido da revogação do Acordo Ortográfico. Não é
comparável com o entendimento do PS de que o assunto, pura e simplesmente, não
pode ser discutido.
Como comenta o
facto de não ter recebido respostas dos ministérios dos Negócios Estrangeiros,
da Cultura e da Educação?
Como se comenta o
facto de três ministros se recusarem a responder à solicitação de uma Comissão
Parlamentar? Confesso que, face aos antecedentes deste processo, não fiquei
surpreendido.
Porquê?
Porque ao longo
da legislatura não se conseguiu uma palavra das tutelas da educação e da
cultura sobre o assunto. Como se o guardião da língua portuguesa fosse o
ministro dos Negócios Estrangeiros e mais ninguém, no Governo, estivesse
autorizado a falar no assunto. A actual titular da pasta e o anterior ministro,
em diferentes situações, afirmavam invariavelmente que o Ministério da Cultura
não tinha que ter posição nenhuma quanto ao Acordo Ortográfico, que a posição
do Governo era a do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Ou seja: não
discutir, não debater, não responder a questão nenhuma que alguém tivesse o
atrevimento de colocar. Daí não haver surpresa nesta espécie de pacto de
silêncio.
O relatório está
escrito com a ortografia de 1945. Quis deixar uma marca?
Não quis deixar
marca nenhuma. Apenas não aceitar que a Resolução do Conselho de Ministros de
Dezembro de 2010 me obrigue a escrever “espetadores de touradas” para me
referir aos que vão a uma praça de touros.
O que deveria
fazer agora o PSD, quanto ao Acordo Ortográfico?
Começar por
introduzir o tema na campanha eleitoral. Achar que o Acordo Ortográfico não é
um assunto-tabu e que não há assuntos-tabu em democracia. Assumir politicamente
as recomendações do Relatório que o PS e o BE se recusaram subscrever. Debater.
Não aceitar sobre o assunto um pacto de silêncio. Ou seja: começar por fazer o
contrário do que o Governo fez nestes últimos quatro anos.
O que espera,
sinceramente, que aconteça no futuro, nesta matéria?
Há uma diferença
grande entre o que espero e o que desejaria. O que desejaria era que houvesse
coragem política de assumir que o Acordo Ortográfico foi uma coisa que correu
mal, e que as coisas que correm mal devem ser debatidas e corrigidas. Se
necessário, como neste caso, voltando ao ponto de partida. Temo, no entanto,
que a defesa e valorização da língua portuguesa não seja um tema político muito
interessante nos tempos que correm. Se a ortografia fosse uma corrida de
galgos, ou uma ponta de cigarro, por exemplo, a questão resolvia-se em meia
legislatura.
tp.ocilbup@ocehcap.onun
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