quinta-feira, 25 de maio de 2023

RECORDANDO ABRIL DE 2019: Seca: Rio Tejo "por um fio" entre o Alentejo e Ribatejo, avisam habitantes / Tejo: “Não digo que o rio seque, mas tenho muito medo” / Seca em Portugal deixa em risco produção de algumas espécies, alertam especialistas





Seca: Rio Tejo "por um fio" entre o Alentejo e Ribatejo, avisam habitantes

O caudal do rio Tejo está transformado num pequeno fio de água em várias zonas do seu trajeto, sendo a seca o principal motivo deste cenário que preocupa autarcas, ambientalistas e pescadores do Alto Alentejo e Ribatejo.

 O caudal do rio Tejo está transformado num pequeno fio de água em várias zonas do seu trajeto, sendo a seca o principal motivo deste cenário que preocupa autarcas, ambientalistas e pescadores do Alto Alentejo e Ribatejo.

Além da seca, a retenção de águas em albufeiras, açudes e o "escrupuloso" cumprimento por parte das autoridades espanholas em relação aos limites acordados quanto aos caudais são outras das preocupações de quem vive entre Gavião (Portalegre) e Mação (Santarém).

Manuela Martins permanece há 56 anos junto às barracas dos pescadores, na zona do paredão da Barragem de Belver, em Ortiga, no concelho de Mação (Santarém) e, em declarações à agência Lusa, diz que o rio Tejo "está no fundo" porque "há três anos" que não chove.

O mesmo sentimento de tristeza de Manuela Martins, antiga vendedora de peixe do rio, é partilhado à Lusa pelo antigo pescador Camilo Vidal, que afirma que este período de seca está a ser difícil para os pescadores no ativo, uma vez que "não apanham peixe nenhum" para poderem sobreviver.

Ricardo Vermelho é um dos poucos pescadores ainda no ativo, está também ligado ao setor da restauração em Mação, e "aponta o dedo" a Espanha, sustentando que as autoridades do país vizinho retêm a água do rio nas suas barragens, situação que tem provocado um rio Tejo "sempre seco" naquela zona ribatejana.

"Há mais de um ano que o Tejo está sempre seco, sempre seco, de dia e de noite. Aí a 30 ou 40 metros de água, de manhã às sete horas mete um bocadito, às oito ou nove da noite mete mais um bocadito, o resto do dia sempre seco, de inverno, de verão, há mais de um ano está sempre seco", relatou à Lusa.

Arlindo Marques, conhecido como o "guardião do Tejo" pela sua luta em defesa do rio, distinguido em 2018 pela Confederação das Associações de Defesa do Ambiente com o Prémio Nacional do Ambiente, diz à Lusa que a situação "não é normal".

"Numa altura destas, acabou o inverno há meia dúzia de dias, e o rio já está assim, eu não prevejo nada de bom futuramente, e são mais seis ou sete meses sem chuva, a chover em outubro... Isto é uma questão para continuarmos a acompanhar, claro que não podemos fazer nada, mas a minha experiência de andar aqui com esta gente toda é que isto é um ano dramático", alertou.

Em pleno leito seco do rio Tejo, o ambientalista relata ainda que recentemente passou a pé entre as duas margens e que a água tinha uma altura "acima dos tornozelos".

"É um fio (caudal). Eu tenho um barco de coluna curta, nunca podia por ali o barco, bate nas pedras, não dá. Só com uma canoa ou um `caiaquezinho` e eu já ai passei com ele, tem uma barbatana por baixo que tive de tirar porque roça nas pedras", acrescentou.

O também dirigente do Movimento pelo Tejo defende que os acordos entre Portugal e Espanha deveriam estipular um valor diário de caudal, em vez de ser apenas enviado um determinado volume de água na época de inverno.

"Eles (autoridades espanholas) têm x para mandarem de caudal, eles mandam na parte do inverno e está mandado o caudal, que devia ser diário, um pouquinho de cada vez, porque a barragem de Alcántara (Espanha) ainda tem 60% de água. Alcántara é tão grande, basta um centímetro de água para nos meter aqui um bom caudal durante uns dias, agora se não há água em Espanha eles também não vão mandar", disse.

Para manter o caudal ecológico, Arlindo Consolado Marques espera que as autoridades portuguesas libertem alguma água armazenada nas albufeiras de Parcana, Belver e Fratel, para "evitar" que o rio seque nos próximos tempos.

O presidente da Câmara de Gavião (Portalegre), José Pio, mostra-se igualmente preocupado com a situação, principalmente com o cenário "dramático" em que se encontram os pescadores da região, numa altura em que a lampreia deveria "reinar" nas mesas dos restaurantes, mas por falta de água tem de ser adquirida noutras zonas do país e no estrangeiro.

"Eu penso que, sobretudo, temos de melhorar as convenções que temos com Espanha", começou por referir à Lusa, defendendo ainda que os autarcas das zonas ribeirinhas devem unir-se em prol desta causa.

"Todos nós, autarcas das zonas ribeirinhas, devíamos começar a pensar de uma forma global e termos a capacidade de, em conjunto, fazermos aquilo que se impõe que é manifestarmo-nos junto do Governo português numa primeira instância e, de seguida, junto das entidades europeias para que o rio volte a ter a sua água normal", defendeu.



Tejo: “Não digo que o rio seque, mas tenho muito medo”

“Sequestrado” por quem decide quando se liberta água armazenada nas barragens e minguado pela ausência de chuva, o Tejo tem zonas em que parece mais uma ribeira do que o maior rio da Península Ibérica.
Patrícia Carvalho (Texto), Teresa Abecasis (Fotografia e vídeo), José Alves e Francisco Lopes (Infografia)  6 de Abril de 2019, 7:30

A vista que aguarda quem espreita pelo miradouro de S. Bento, em Santarém, não é tranquilizadora. Lá em baixo, está o Tejo, ou o que resta dele, entre os inúmeros bancos de areia que quase não deixam espaço para a água, na base da antiga ponte de ferro, que liga a cidade a Almeirim. Mas, se a vista parece trágica para um visitante menos avisado, ela não assusta uma das funcionárias do café do miradouro que, de pescoço esticado, espreita a paisagem à sua frente e sentencia: “Hoje até é dos melhores dias. Tem estado como nunca o vi.”

A grande tragédia do Tejo pode ser que estas pequenas tragédias já não surpreendam alguém. Há muito que os problemas de caudais, assoreamentos e poluição fazem parte da vida do rio. Mas, este ano, até Arlindo Marques – conhecido como o “guardião do Tejo” e que em 2018 ganhou o Prémio Nacional do Ambiente – afirma que se está perante algo mais grave. “Eu não prevejo nada de bom. Ando aqui neste rio desde pequeno, vou fazer 54 anos, e praticamente venho aqui todos os dias. Conheço como era o rio, quando eu era pequeno, e isto tem vindo a piorar, mas este ano, para mim, foi o pior, porque no Inverno não passou água.”

Arlindo Marques fala em cima das pedras arredondadas que são o leito do Tejo, junto à localidade de Ortiga, em Mação. No ponto onde se encontra, apenas cerca de um quarto do leito do rio está ocupado por água. O maior rio da Península Ibérica não parece ali mais do que uma ribeira larga.

Não é que isto não tenha acontecido antes, explica o ambientalista que integra o proTejo – Movimento Pelo Tejo, mas não durante um período tão extenso. “Já não me lembro [de ver todo o leito coberto de água]. Talvez tenha sido no ano passado, em Novembro”, diz. Houve uma excepção: no dia em que a TSF emitiu uma peça a denunciar o baixo caudal do Tejo, a água chegou de repente, durante a tarde, obrigando Arlindo a fugir à pressa com uma equipa de televisão que se tinha deslocado a Ortiga. Mas foi só por umas horas. Depois, o rio voltou a sumir-se para o pequeno curso de água que tem sido.


Em Constância, Gonçalo Neves, 47 anos, usa um termo para explicar estas variações tão grandes do Tejo: “Sequestrado.” O que o empresário da área do lazer diz é: “Nós todos, como sociedade, é que somos o dono do rio e estamos a ficar com um rio sequestrado por estas empresas que tanto lançam o mesmo caudal de Inverno, com o rio com muitos metros cúbicos por segundo, como agora, que o rio vai muito curto, com muito pouca água.” Com várias barragens ao longo do seu curso, e o grande transvase Tejo-Segura, em Espanha, o rio não vive só ao sabor das chuvas. Longe disso.


Rodrigo Proença de Oliveira, especialista em Hidrologia, Recursos Hídricos e Alterações Climáticas e professor no Instituto Superior Técnico, explica o porquê de o caudal do Tejo poder variar tanto e tão rapidamente. “Se queremos garantir caudais em volume suficiente, é preciso armazenar em albufeiras. Isto tem sido feito ao longo dos anos e a capacidade de armazenamento tem vindo a crescer. O que existe é um regime de escoamento que é artificial e as águas são retidas para serem desviadas para vários usos. Em Espanha, muito para a agricultura. O que as alterações climáticas vêm trazer é um agravar desta assimetria de distribuição de águas entre períodos secos e húmidos.”


E essas alterações, no Sul da Europa, passam por chover menos e, quando chove, é em períodos mais concentrados, confirma o especialista. “Poucas pessoas têm noção de que chove mais em Lisboa do que em Londres. Só que em Londres, está sempre a chover. Quando a precipitação é distribuída, os caudais dos rios são distribuídos e não há necessidade de encher albufeiras”, diz.


Actividade em risco
Mas não é assim por cá e não é assim no Tejo. Uma das actividades principais da Aventur, de Gonçalo Neves, é a canoagem – há quinze dias abriu, em complemento, um fluviário, que permite aos visitantes passear entre as diferentes espécies do rio Zêzere. A descida do Zêzere e do Tejo é uma actividade que atrai à sua empresa “sete ou oito mil pessoas por ano”. Mas o baixo caudal dos rios, que tem sido muito frequente nos últimos anos, é uma ameaça ao negócio.

Um horizonte de nuvens eleitorais
Hoje, Gonçalo está no cais do Zêzere que fica a cerca de um quilómetro do local onde o rio se junta ao Tejo. À primeira vista, até parece possível que alguém passasse ali de canoa, aproveitando o sol, mas o empresário garante que isso não seria possível. “No rio Zêzere não conseguimos trabalhar. Parece-nos, olhando para trás de mim, que ainda existe algum leito, que até corre qualquer coisinha, até é um sítio afável e agradável para usufruir do rio, mas este bocadinho é muito pequeno. Mais para montante temos zonas em que o rio corre entre as rochas, em que se espraia em todo o leito e se esta pouca água que vemos atrás de nós a correr, em vez de correr em dez metros, correr em cerca de 50 metros, fica com meio palmo de altura. Ninguém passa.”

Para a frente, já no Tejo e nesta zona, as canoas conseguem sempre movimentar-se, diz. Mas também aí os atractivos diminuem. O Castelo de Almourol, tradicionalmente instalado numa ilha no meio do rio, está cada vez mais acessível a pé por uma das margens. É isso que acontece hoje, onde quase não há água a separar o monumento da margem, permitindo o acesso (desaconselhado em avisos ali colocados) a quem se arriscar a passar, simplesmente, pelas várias linhas de pedras que chegam à “ilha”. O cenário leva Branca Marques, 67 anos, a não conseguir reprimir uma expressão de espanto: “Ai, meu Deus, como isto está! A água chegava à rampa.”

Chegou de Lisboa, com o marido e o cão, para um passeio, e não consegue evitar a comparação com a última visita que ali fez, há alguns anos, quando a água era suficiente para quase arrastar o cão, aflito, que se aventurara no Tejo em perseguição de um pato. “Isto está caótico, não chove”, desabafa.

Não chove e a barragem de Castelo de Bode, diz Gonçalo Neves, “está vários metros abaixo do nível máximo que devia ter” (77% da capacidade, em Março, segundo o Sistema Nacional de Informação dos Recursos Hídricos). O Zêzere que ainda corre aos seus pés leva, sobretudo, “água do Nabão”. Mesmo assim, está longe do caudal que seria normal para o início da Primavera. “A água que vemos correr aqui é principalmente água do Nabão, que tem a sua foz quatro quilómetros a montante. Este cais foi feito há cerca de doze anos, e teve em conta o caudal normal que o rio devia ter. Neste momento, não estão reunidas as condições para que as pessoas consigam colocar-se dentro de uma canoa em segurança, dentro de água. O rio devia estar meio metro, pelo menos, acima disto”, diz.

O principal receio do empresário é que, sem a garantia de um caudal mínimo que permita a manutenção da actividade turística, os visitantes, simplesmente, deixem de aparecer. “Aos poucos e poucos as pessoas vão-se afastando desta forma de passar o tempo livre, não é? Porque se ao fim de dois, três anos, nunca têm caudais, isto causa uma transformação no nosso cliente, não é?” Essa mudança, garante, já começou. “Tem-se notado, devagarinho quase sem darmos conta.”

Quem já se deu conta das mudanças no seu trecho de rio, na zona de Ortiga, é João Durão. A tarde está quase a chegar ao fim quando o pescador lúdico de 50 anos traz o Corrécio até à margem. Diz que, este ano, foi a primeira vez que tentou apanhar algum peixe. Regressa com uma caixa cheia de muge. “Isto não é nada. Este peixe que aqui tem, não é nada. O ano passado por esta altura bastava uma rede aqui e íamos embora. A gente hoje foi a três sítios para apanhar isto”, diz, antes de descrever o estado do rio como “péssimo”. “Não me lembro de há quantos anos não via o Tejo assim.”

À sua volta, as pedras despontam de vários pontos, deixando-se ver entre as águas baixas. Acha que o rio pode secar nesta zona? “Secar nunca pode secar, mas que vai ser complicado, vai, disso não tenho dúvidas. Não só para a pesca como para tudo. Não vamos ter dúvidas disso.”

Um penedo a descoberto
Arlindo conduziu até ao ponto onde João pára o barco por uma estrada que, num Inverno normal, ficaria parcialmente submersa pelo Tejo. Junto à barragem de Belver, o espelho de água parece um indicador de normalidade, mas o guarda prisional feito defensor do rio, avisa logo: “Na barragem do Belver, não dá para ver. A verdadeira água do Tejo, praticamente, é esta. E eu praticamente nunca o vi mais baixo do que isto. Para fim de Inverno é muito pouco.”

De novo na zona onde o rio deixa à mostra a maior parte do seu leito, Arlindo Marques aproxima-se de um penedo entre as pedras. Diz que é conhecido como o Penedo de Santo António e que o habitual, no final do Inverno, era que a rocha que se ergue vários metros acima da sua cabeça estivesse quase submersa. “Às vezes, só vejo o bico da pedra.” Hoje só há umas poças em seu redor. “É isto, é isto o rio Tejo. Aqui, como a água concentra, pode ter se calhar dois palmos de altura, mas se formos ali [mais à frente] praticamente passa-se, a água não dá pelos joelhos, dá-me pelos tornozelos.”

Tendo sido, nos últimos anos, a voz mais crítica da poluição do Tejo, sobretudo causada pelas descargas das empresas de celulose, Arlindo não se cansa de salientar que, agora, ele está muito mais limpo. Mas os vestígios das descargas poluentes ainda são visíveis, já não nas águas, mas nas pedras do leito deixadas a descoberto. “Estas pedras eram todas branquinhas, cor-de-rosa… Estão todas negras, precisamos é de água para as lavar, ficou cá tudo metido.”

PÚBLICO -Foto
Entre os dedos, segura algumas que parecem cobertas por uma película negra, que faz lembrar um material plástico e se enrola, como uma casca a desfazer-se. “Isto é o que eu chamo as mazelas, o que ficou do rio [sujo]. Agora precisávamos de água. Infelizmente, está tudo contra nós.”

Mas, hoje, recorda, o tema não é a poluição, e caminha ligeiro até uma ribeira que desagua mesmo ali ao lado. São ribeiras como esta e os rios Ponsul, Sever e Ocreza que estão a alimentar o Tejo, insiste. Só que esta ribeira, haja ou não seca, desaparece sempre antes do Verão. Ele questiona-se sobre o que pode acontecer se as outras, fruto da ausência de chuva, também secarem. “Não digo que o rio seque, mas tenho muito medo.”

Resta a esperança que as barragens vão libertando água. O Governo português diz que Espanha tem cumprido os caudais mínimos decididos na Convenção de Albufeira, mas a necessidade de renegociar o acordo é um tema constante. Rodrigo Proença de Oliveira diz que, no modelo actual, basta que Espanha liberte a água acordada em seis horas de um dia, para que sejam considerados cumpridos os limites semanais estabelecidos. “É um problema que todos nós reconhecemos. Há muito que Portugal está a tentar ultrapassar isto, tentando incluir cláusulas adicionais nos acordos, mas não tem sido fácil.”

A decisão recente do Supremo Tribunal espanhol de anular parcialmente o Plano Hidrológico do Tejo, por causa do volume de água transvasada, e obrigando a fixar níveis de caudais ecológicos para os reservatórios, “pode vir a ajudar nas negociações”, diz o especialista.

Nas margens do Tejo, nem Arlindo, nem João, nem Gonçalo escondem as dúvidas sobre o cumprimento de Convenção de Albufeira. A seca é ainda pior em Espanha, porque haveria o país de libertar a água de que precisa, questionam? “Vamos culpar quem? Se chovesse, estava tudo bem”, diz Arlindo, com um encolher de ombros, junto ao seu Tejo despido de água.

Gonçalo Neves até pode perceber isso, mas a vida económica dele está umbilicalmente ligada às águas que correm nos leitos do Zêzere e do Tejo. Que os cursos de água estejam submetidos à necessidade de fazer electricidade ou ao desvio massivo de águas, é algo que lhe é difícil de digerir. “O rio tem uma outra função, que é ser rio. O rio que é de todos nós e não dos proprietários ou concessionários das barragens.”



Seca em Portugal deixa em risco produção de algumas espécies, alertam especialistas
Lusa
7 Abril 2019

Especialistas alertam para efeitos da seca em Portugal, que afeta sobretudo as culturas de regadio e ameaça a produção de algumas espécies de plantas, com impacto nas importações e alimentação animal.


A seca em Portugal, que afeta sobretudo as culturas de sequeiro, pode levar ao fim da produção de algumas espécies de plantas e as importações e a alimentação animal vão também ressentir-se, apontaram à Lusa alguns especialistas.


“A seca afeta fundamentalmente as culturas em regime de sequeiro. No entanto, as culturas de regadio não saem incólumes deste acidente climático”, disse, em resposta à Lusa, o professor do Instituto Superior de Agronomia (ISA) João Paulo de Melo e Abreu.

De acordo com o especialista em agrometeorologia, a precipitação média dos primeiros três meses do ano ronda os 200 milímetros (mm), porém, este ano, ficou em metade.

 “Como cada mm de água usada na evapotranspiração gera, aproximadamente, 13 quilos de grão por hectare, as perdas de produção que se verificam são cerca de 1.300 quilos de grão por hectare [kg/ha]. Ora, um solo espesso de barro que produzisse 4.000 kg/ha num ano normal ficará com uma produção que ronda os 2.700 kg/ha”, exemplificou.

"A seca afeta fundamentalmente as culturas em regime de sequeiro. No entanto, as culturas de regadio não saem incólumes deste acidente climático.”
João Paulo de Melo e Abreu
Professor do Instituto Superior de Agronomia

João Paulo de Melo e Abreu referiu ainda que o aumento da temperatura “acelera a taxa de aparecimento das fases das plantas” e pode fazer com que algumas espécies que necessitam de frio para florirem deixem de fazê-lo, pelo menos, em alguns anos.

“Quando uma planta tem um ciclo vegetativo mais curto, interceta menos radiação e produz menos. Por outro lado, plantas que não satisfazem as suas necessidades de frio têm florações anormais e produzem poucos frutos […]. O aumento da temperatura reduz a assimilação das plantas, a qualidade e pode conduzir à ocorrência do escaldão dos frutos”, afirmou.

Na sequência destas alterações há o “risco” de Portugal deixar de conseguir algumas espécies, no entanto, “também existe a oportunidade de implantar outras culturas”.

“No futuro mais próximo, parece-me que os maiores problemas terão a ver com a qualidade de algumas produções […]. Parece-me que temos ferramentas básicas para fazer a necessária adaptação. O conhecimento que nos falta, em Portugal, deveria ser adquirido com maior celeridade. Por exemplo, dever-se-ia obrigar as empresas que vendessem material vegetal a apresentarem parâmetros essenciais para possibilitar uma gestão mais técnica na agricultura”, apontou.

Por sua vez, o também docente do ISA Francisco Gomes da Silva notou que, numa perspetiva de longo prazo, o desafio provocado pelas alterações climáticas é maior.

“As consequências dos cenários de alterações climáticas estudados (nomeadamente para a Península Ibérica e especificamente para Portugal) apontam para a ‘deslocalização’ de algumas espécies vegetais (migrando de sul para norte), para a adaptação das tecnologias utilizadas para as cultivar, com especial ênfase para a imprescindibilidade de conseguirmos dotar o território nacional da capacidade de armazenamento de água proveniente da precipitação que continuará a ocorrer, embora de forma muito concentrada”, assegurou.

"No futuro mais próximo, parece-me que os maiores problemas terão a ver com a qualidade de algumas produções […]. Parece-me que temos ferramentas básicas para fazer a necessária adaptação. O conhecimento que nos falta, em Portugal, deveria ser adquirido com maior celeridade. Por exemplo, dever-se-ia obrigar as empresas que vendessem material vegetal a apresentarem parâmetros essenciais para possibilitar uma gestão mais técnica na agricultura.”
João Paulo de Melo e Abreu
Professor do Instituto Superior de Agronomia

Segundo o professor, as alterações climáticas acarretam inevitavelmente impactos no rendimento dos agricultores de sequeiro, enquanto na agricultura de regadio, “desde que exista água armazenada nas albufeiras e/ou nas massas de água subterrânea”, as consequências são minimizadas.

Porém, em períodos de seca mais ou menos prolongada a produção de alimentação forrageira para os animais “ressente-se muito”, passando os agricultores a ter como opções, quando a seca se prolonga, a compra de silagens, fenos e palhas, a diminuição do efetivo ou tentar complementar a alimentação dos animais com recurso a mais alimentos concentrados.

A isto acrescem impactos “de ausência de água para o abeberamento dos animais”, bem como na qualidade da carne.

“Não na qualidade vista como distinção entre carne boa e carne má (que faça mal à saúde), pois a legislação europeia é muito exigente em relação à qualidade dos alimentos concentrados para animais, mas as características da carne podem alterar-se ligeiramente, embora seja muito duvidoso que o consumidor sinta essas variações”, vincou.

Por outro lado, este fenómeno pode também ter reflexo nas importações, sobretudo nos produtos para os quais Portugal é, à partida, um país importador.

Já para “os grupos de produtos em que somos exportadores líquidos, o efeito será mais no volume e valor das exportações”, sendo esta uma das razões para que Portugal aposte “de forma clara em adequar o seu território em termos de armazenamento de água para rega”, disse.

Os impactos no preço dos produtos para o consumidor final “tenderão a ser sempre muito marginais”, com principal destaque para os frescos, caso exista um reflexo nos volumes produzidos.

Para Francisco Gomes da Silva, os impactos das alterações climáticas na agricultura e no rendimento dos agricultores exigem uma política “muito séria” concentrada em questões como o aumento da capacidade de armazenamento de água, o aumento da ligação em rede entre diversas albufeiras, bem como a capacidade de criar infraestruturas de distribuição eficiente de água.

“O regadio é um fator de coesão territorial. Portugal tem (e terá) água suficiente, mas tem que apostar em políticas centradas no seu armazenamento e distribuição. Enterrar a cabeça na areia e pensar que resolvemos este problema ‘não utilizando água’ é pura perda de tempo”, concluiu.

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