sábado, 30 de dezembro de 2023

"Todos somos turistas" / "Bye, bye Lisboa!" / “O bezerro de ouro” / Da “airbnbização” de Lisboa, do Porto e de "Todo" o Portugal

Título ambíguo, que ilustra as “preocupações” ambíguas, o acordar tardio da C.M.L. , e o reconhecimento tardio de Manuel Salgado de que a sua política de “laissez faire” sem planeamento e reflexão estratégica está a destruir a Identidade , Autenticidade e Equilíbrio de Lisboa para todos, Autóctenes e Turistas.
OVOODOCORVO

Todos somos turistas
VÍTOR BELANCIANO (Texto) e SIBILA LIND (Vídeo)
20/12/2015 - PÚBLICO

As cidades turisticamente atractivas do século XXI existem entre paradoxos, na fronteira entre serem metrópoles de sucesso e vítimas desse sucesso. O holandês Marc Glaudemans dedica-se a pensar como é que se podem criar ambientes urbanos coerentes e sustentáveis.

Todos somos turistas. Mesmo os que não se sentem forçosamente identificados com aquilo a que chamamos turismo. “E é bom termos essa noção, para que não olhemos para os turistas como se fossem extraterrestres”, diz-nos por entre risos o holandês Marc Glaudemans. É o fundador e director do Stadslab European Urban Design Laboratory, um think tank internacional sem fins lucrativos e também laboratório de design urbano, que tem actuado ao nível do impacto do turismo massificado no espaço público, no desenvolvimento urbano e no dia-a-dia dos cidadãos das cidades europeias. “O turismo não pode ser eliminado, é qualquer coisa à qual nos temos de adaptar”, acrescenta, “mas pode ser gerido, regulado ou sustentado.”

É a sua segunda vez em Lisboa. Foi a associação Academia Cidadã, fundada por activistas que pertencem a diversos movimentos cívicos portugueses, em conformidade com a Câmara Municipal de Lisboa, que o desafiou a desenvolver um programa de Master Class — que decorrerá em Abril de 2016 — que contará com participantes internacionais e portugueses, abordando a gentrificação e o turismo de massas em Lisboa, no sentido de serem desenhadas estratégias partindo de um caso concreto, o bairro da Mouraria.

A capital portuguesa, onde hoje circulam os tuc-tuc que se viam na Tailândia, constituiu, diz, um estudo de caso com interesse, ou não fosse uma das cidades europeias com maior crescimento turístico nos últimos anos — em 2014, cresceu cerca de 15,4% face a 2013, segundo a Associação de Turismo de Lisboa.

Segundo ele, nada de estrutural ainda foi colocado em causa, podendo aprender-se com os equívocos cometidos noutros territórios como Barcelona, ao mesmo tempo que Lisboa pode servir de embrião para outras cidades, num tempo histórico em que o turismo é uma das questões globais mais desafiantes.

Encontramo-nos no Chiado, coração de Lisboa, e percebemos logo que está por dentro do contexto do que se passa na cidade. “Os sintomas repetem-se de cidade para cidade. Por norma começa com o regozijo de ver chegar turistas, depois advêm preocupação e mais tarde a reacção a esse estado de coisas.”

É isso, sim. Inicialmente existiu satisfação pelos proveitos económicos e orgulho pelo reconhecimento. Depois adveio a apreensão de quem vive na zona histórica, e também nas adjacentes, pelas perturbações que foram surgindo. No presente já se percebeu que alguma coisa terá de ser feita. Não há alarmismo. Mas existe o confronto com uma realidade nova, com tudo o que isso acarreta de conflito.

Nos cafés, nas esplanadas, na rua, enfim, no espaço público, as marcas de hostilidade entre autóctones e forasteiros ainda são subtis, mas não é preciso ser vidente para antecipar que irão aumentar. Isso já se vislumbra nas expressões de enfado. Nas incompreensões.

Nunca se falou tanto de turismo em Portugal como nos últimos anos. Durante muito tempo parecia ser um tema sazonal, ajustando-se aos meses de Verão no Algarve. Foi uma longa época em que o país se pensava a si próprio como destino de Verão. Com o fluxo dos últimos anos a atingir algumas cidades portuguesas — com relevo para Lisboa e Porto —, já não é assim. “A ideia sazonal morreu. Hoje temos de pensar o turismo como fenómeno de todo o ano”, diz Marc. “Existe uma amplificação temporal do uso turístico do espaço. O turismo já não é ocasional, é constante. Se se tornou global, o tempo turístico é agora total.”
O holandês Marc Glaudemans, especialista em estratégias de desenvolvimento urbano e reitor da Academia de Arquitectura e Urbanismo em Tilburg, percorreu algumas zonas emblemáticas de Lisboa com o jornalista do PÚBLICO Vítor Belanciano. Da Baixa à Mouraria, trocaram ideias sobre o crescimento urbano, a indústria turística actual e aquilo que os turistas procuram: autenticidade e familiaridade, ao mesmo tempo. VÍTOR BELANCIANO, SIBILA LIND
A própria ideia de turismo mudou. Dizemos que estamos na era do turismo de massas, mas só se o pensarmos como algo possuído por uniformidade ao nível do tempo, dos lugares e das preferências, porque as ofertas são infindas, com uma variedade de lugares, paisagens e experiências à nossa espera. Assistimos a uma intensificação dos tipos de turismo conhecidos, a que não é estranha a revolução dos voos de baixo custo que amplificaram os utentes das companhias low cost.

A multiplicação de tipos de turismo não tem fim: enológico, de sobrevivência, gastronómico, sexual, religioso, cultural, LGBT, de praia. O resultado é uma segmentação do mercado. Encontramos tantos destinos como potenciais segmentos de consumidores. O turismo actual não é de massas, embora seja mais massificado do que nunca, cumprindo-se a partir do consumo emocional de um certo lugar. “Enquanto turistas, sugamos a paisagem em função de ela nos devolver uma experiência, expor uma história ou garantir uma emoção. Por isso as cidades turísticas se vêm obrigadas a parecer-se com esse imaginário que o viajante espera encontrar.”

Às tantas, na nossa deambulação pelo Chiado, paramos ao fundo da Rua Garrett junto a uma dessas lojas de marca global que estão em qualquer parte do mundo. Quando se quer falar de homogeneização, recorre-se quase sempre a estes exemplos. Diz-se que as metrópoles perdem a sua identidade quando são tomadas por este tipo de lojas. “Em parte é verdade porque tendem a crescer de forma semelhante em todo o lado”, afirma Marc, “mas o segredo, como sempre, é conseguir equilíbrio entre este tipo de comércio global e o local. Neste caso, mantiveram a fachada do edifício, não é muito intrusivo, embora o que encontramos no interior seja o mesmo aqui ou em Roma.”

É verdade. Mas ao contrário do que se possa pensar, não são apenas os locais que apreciam este tipo de comércio. Os turistas, mesmo os que dizem estimar a diferença dos lugares que visitam, também não as perdem de vista. Apesar de tudo, tem de existir alguma familiaridade no ambiente que se visita. “Este tipo de pavimento, a calçada, os edifícios, as pessoas ou a comida, fazem parte do contexto português e são enaltecidos. Os turistas esperam de alguma forma encontrar essa identidade, mas ao mesmo tempo desejam o que têm em casa. O mesmo tipo de conforto, os seus cafés, a sua comida, as suas lojas. O turista gosta de sentir-se longe de casa, mas não muito longe.”

O que todas as cidades procuram é como preservar uma identidade genuína enquanto absorvem um número elevado de turistas.
O turismo, já se percebeu, vive entre tensões não resolvidas. Não é uma questão portuguesa. Em todo o mundo se discute como criar ambientes urbanos coerentes e sustentáveis. Como preservar a herança urbana. Ou como fazer com que uma maioria de cidadãos possa beneficiar dessa indústria em vez de apenas alguns grupos privilegiados. “Isso é o que todas as cidades procuram: como preservar uma identidade genuína enquanto absorve um número elevado de turistas. É difícil por causa da própria natureza transformadora do turismo que, mesmo quando é predominantemente individual, pode ter um impacto maciço. Em princípio, o turismo 2.0 ou 3.0 — como o Airbnb ou plataformas online semelhantes — têm um impacto reduzido. Baseiam-se no que existe e em propriedades individuais. Mas as áreas onde predomina podem perder o seu carácter distintivo e tornarem-se ‘turistificadas’, ficando menos atractivas, não só para os turistas como para os locais.”

Como garantir, então, a sustentabilidade ambiental, social e cultural das cidades? O diagnóstico é conhecido: sobreocupação do espaço público. Homogeneização do comércio. Banalização da paisagem urbana. Habitantes a abandonar o centro. Aumento dos preços de arrendamento motivado pela procura do alojamento temporário. Proliferação de hostels e outras formas de alojamento que põem em risco a função residencial da população autóctone. Não é apenas a qualidade de vida dos residentes que é posta em causa, mas a sua capacidade de viver na área. Quando o interesse dos residentes é suplantado pelos benefícios negociais, muitas vezes o efeito é paradoxal, acabando na degeneração daquilo que era atraente para os visitantes: a atmosfera única da cultura local.

Até agora, na maior parte das cidades, tem-se apostado, como reacção, em políticas de contenção, de restrição ou de deslocalização. Limitação do número de cruzeiros, construção de réplicas das atracções turísticas para deslocalizar a pressão dos visitantes, diversificação da oferta cultural de maneira a que não sejam apenas as zonas históricas a ser percorridas, limitação do número de noites permitidas de aluguer de casas privadas, controlo do número de visitantes ou regulação da utilização máxima do Airbnb, eis algumas das medidas tomadas nos últimos anos nos mais variados locais do globo. Numa das cidades onde o turismo tem tradição, Paris, os turistas são vistos como “cidadãos temporários” com direitos, mas também obrigações. Ainda assim, essas medidas não bastam. É preciso antecipar as mudanças, percebê-las na sua curva ascendente, para melhor as gerir.

Essas políticas de antecipação “devem incluir planos de zoneamento e áreas de desenvolvimento integrado para que o equilíbrio do desenvolvimento urbano seja salvaguardado a longo prazo”, afirma Marc, apontando para a participação de todos nessa dinâmica. “O desenvolvimento destes instrumentos de planeamento são um processo de co-criação, no qual os actores públicos e privados e os cidadãos têm de trabalhar unidos para formular uma visão estratégia dos seus bairros.”

BRUNO LISITA
Num processo colaborativo deste género, o desenvolvimento equilibrado pode ser definido por todas as partes interessadas, a partir de uma base de valores e interesses compartilhados. “As acções individuais que conduzem à gentrificação ou à sobrecarga do turismo são racionais, mas o seu efeito de conjunto pode ser potencialmente negativo para toda a comunidade”, aponta Marc. “É por isso que um plano de desenvolvimento para uma determinada área deve ser apoiado no longo prazo, para que todos os actores possam ver cumpridas as suas aspirações. Pelo menos até um certo ponto.”

Durante muitos anos, a indústria do turismo não foi levada muito a sério. Era consensual, junto de governos, organismos internacionais e meios de comunicação que a energia, o petróleo, as finanças, a ciência, a agricultura e, vá lá, a cultura, eram vitais para o desenvolvimento económico. O turismo não entrava nas agendas dos poderosos. Hoje, segundo Marc, já não é assim. “É uma das indústrias mais relevantes em termos económicos. E não é como a indústria do petróleo, onde existem talvez dez grandes players. No turismo é tudo muito mais disperso, individual e democrático.” Será verdade. Mas a competição entre destinos é também renhida. Hoje todas as cidades querem ser distintivas, únicas e aprazíveis.

Segundo o secretário-geral da Organização Mundial do Turismo (OMT), o jordano Taleb Rifai, citado pelo El País, o mundo de hoje vive duas revoluções: “A tecnológica, que conecta o mundo virtualmente, e a das viagens, que nos conecta fisicamente.” Em 2014, segundo essa organização dependente das Nações Unidas, 1138 milhões de turistas passaram pelo menos uma fronteira — o que significa que mais de um em cada sete habitantes do mundo realizou uma viagem internacional. Outro dado significativo: um em cada onze empregos no mundo foram criados graças ao turismo, embora também existam muitas vozes críticas a sugerir que esse tipo de ocupação é maioritariamente precário, de baixos salários e apoiado em contratos temporários.

É inegável: o turismo gera receitas e por vezes reabilita zonas urbanas. Mas também pode contribuir para a diminuição da qualidade de vida local. Esta é a encruzilhada das cidades atractivas. Por vezes fica-se com a ideia de que a indústria do turismo tira vantagem do que a cidade e a comunidade têm para oferecer (hospitalidade, ruas, monumentos, equipamentos) mas os resultados económicos nunca revertem para o colectivo, apenas para privados.

Para Marc, esta é uma verdade parcial. “Os turistas e as empresas da indústria pagam impostos específicos que podem acabar por beneficiar toda a comunidade se as autoridades municipais o souberem gastar sabiamente. Mas é verdade que esses instrumentos fiscais podem ser melhorados e adaptados para lidar com novos tipos de turismo, que nem sempre são abrangidos por sistemas fiscais desactualizados. A cidade de Amesterdão, por exemplo, fez um acordo com a Airbnb, em que um imposto de 5% é adicionado a todas as reservas feitas através desta plataforma. Esta é uma forma de criar condições de concorrência equitativas, não favorecendo um determinado tipo de turismo. Mas existem propostas mais radicais como as taxas de ingresso em Veneza ou as de alojamento.” Recorde-se que, esta semana, ficou a saber-se que Câmara de Lisboa não vai, ao contrário do que estava previsto, começar a cobrar em Janeiro a Taxa Municipal Turística a quem chegar à cidade por via aérea ou marítima. Mas quem dormir num hotel da capital vai ter de pagar um euro por noite a partir do primeiro dia do próximo ano.

Para Marc Glaudemans, o importante é “certificarmo-nos de que os benefícios do turismo são investidos de forma igualitária por toda a cidade e criadas as soluções para manter uma certa simetria”, mesmo as zonas que ficam fora dos circuitos turísticos. “Essas áreas não colhem benefícios, mas podem sentir os efeitos negativos, ao nível do congestionamento do tráfego ou porque os preços de serviços e bens aumentaram, por exemplo.”

Nesse sentido, o governo municipal deve criar condições para uma distribuição justa para evitar o aumento de desigualdades devido aos benefícios económicos do turismo. “Preferia encarar isso como uma oportunidade para as cidades que atraem um grande número de turistas e não como um problema.”

As cidades secundárias talvez consigam um padrão de vida mais elevado para os seus cidadãos, na sua relação com o turismo, do que as capitais ou as zonas de atracção turística”
Na actualidade, já não é possível pensar nas questões do turismo a partir de um prisma local. Para o comprovar, Marc vai apontando para os imóveis que na Baixa ou Martim Moniz estão em obras, com anúncios de venda da parte de imobiliárias que operam no mercado internacional. “Este fenómeno é global”, reflecte. “Provavelmente, alguém em Londres acabará por comprar este edifício e daqui construirá um hotel. Este é um indicador de como o fluxo de capitais é global e de como a regeneração urbana não é um processo apenas local porque as partes interessadas são de diferentes origens e, na verdade, com interesses diversos. É necessário pensar nessas forças globais, e Lisboa, hoje, faz parte dessa comunidade mundial.”

Curiosamente, quando pensa em casos actuais de sucesso, ao nível das cidades que conseguem ter uma relação harmónica com o turismo, não lhe vêm à cabeça capitais. “As cidades secundárias talvez consigam um padrão de vida mais elevado para os seus cidadãos, na sua relação com o turismo, do que as capitais ou as zonas de atracção turística”, diz.

“Haverá sempre excepções, mas quando penso em San Sebastian, no País Basco espanhol, vislumbro uma cidade costeira atractiva, que é acima de tudo um local para viver e trabalhar, integrando especificidades turísticas, como a gastronomia, o festival de cinema ou o surf na sua identidade. Lyon, em França, é outro exemplo de uma cidade que mantém a sua matriz, combinada com a realização de eventos de expressão internacional. As cidades que são conhecidas por acontecimentos sazonais específicos, em vez de serem destinos de todo o ano, talvez estejam mais preparadas para evitar a espiral negativa dos excessos turísticos. Mas não existem fórmulas perfeitas e as situações mudam rapidamente.”

É a pensar na forma como se podem administrar as contradições que são hoje uma constante do turismo global que Marc está em Lisboa. Nas ruas do bairro da Mouraria diz sentir que ali ainda se distinguem as relações de proximidade e há um estilo de vida humanizado. Mas não foi isso que o levou a escolher o bairro para centro da sua intervenção.

“Escolhemos esta área porque há aqui muitos paquistaneses, indianos e chineses, ou seja, tem uma segunda camada para além de ser um bairro tradicional, o que lhe acrescenta complexidade. Em Barcelona, por exemplo, os bairros com estas características estão num acelerado processo de transformação e alguns perderam as suas características basilares.”

Um bairro é um ecossistema complexo. Não surpreende a tensão que se manifesta entre residentes e frequentadores ocasionais, entre comércio tradicional e novas actividades ou entre utilizadores diurnos e nocturnos. A harmonia é quase sempre instável. Mas é dessa conjugação de actuações, e da forma como os diferentes actores se relacionam entre si, que depende o equilíbrio. A coexistência nem sempre é fácil. Mas é possível. Exige-se actuação pública. Mas com pinças. Às vezes mais vale ser orientadora ou apenas reguladora, do que pró-activa.

O Stadslab é parte da Universidade Fontys, na Holanda, e tem ajudado a introduzir modelos inovadores de governança urbana. Na Mouraria a ideia é semelhante. “A nossa acção vai no sentido de ajudar municípios e agentes privados a salvaguardarem um desenvolvimento urbano equilibrado. Portugal não está familiarizado com o desenvolvimento em área e acreditamos que este modelo de co-criação colaborativa pode ser benéfico aqui.”

A Master Class de Abril será supervisionada por especialistas internacionais mas os participantes serão uma mistura de profissionais locais e internacionais, entre trabalhadores municipais, arquitectos, urbanistas e organizações comunitárias. O objectivo é trabalhar durante dez dias com um grupo de 15 profissionais e manter uma relação interactiva com os cidadãos e as organizações locais. A apresentação final das ideias e recomendações ocorrerá num evento público.

Apesar das lojinhas de recordações, dos novos cafés e mercearias que prometem invariavelmente “produtos tipicamente portugueses” e de alguns sintomas de gentrificação na zona histórica, Marc é da opinião que o seu carácter se mantém. “Sente-se que a regeneração urbana ainda é orgânica, não é artificial, o que é bom. Vimos poucas transformações de grande escala irremediáveis. Está a acontecer uma transformação, mas é lenta e orgânica, o que é bom para a cidade, ao mesmo tempo que o seu caracter histórico pôde ser recriado porque alguns edifícios estavam muito degradados.”


Mas esse equilíbrio é instável. Tem que ser reavaliado a todo o momento. A indústria do turismo vive processos disruptivos muito rápidos. Por exemplo, em Nova Iorque, estima-se que 50% da oferta de Airbnb já não se encontra nas mãos dos habitantes, mas sim de empresas que se servem do serviço para escaparem às normas hoteleiras. São assim as cidades do século XXI, a viverem entre paradoxos: sendo sedutoras, mas sem quererem ser esmagadas pelo seu desejo, assumindo que o turismo pode ser voraz, mas não prescindindo dele, compreendendo que a fronteira entre ter sucesso e ser-se vítima dele é ténue.

OPINIÃO
Bye, bye Lisboa!

ANTÓNIO SÉRGIO ROSA DE CARVALHO 13/09/2015 - PÚBLICO


A Câmara de Lisboa abdicou da sua responsabilidade planeadora e reguladora, abrindo a caixa de pandora.

Em 1990 Barcelona com 1,5 milhões de habitantes atraiu 1,7 milhões de Turistas. Em 2014 Barcelona recebeu 7,5 milhões de Turistas. Rendimento anual através do Turismo atingiu os 12 mil milhões de euros.

Nas Ramblas, em cada 10 transeuntes, 9 são turistas. 1991: 23,7191991 dormidas; 2003: 37,224 dormidas; 2013: 69,128 dormidas.

Assistiu-se assim, à tranformação de toda a cidade num Parque Temático Turístico e à redução de todas as actividades a uma única, omnipresente e obsessiva Monocultura. O Turismo.

Todo e qualquer sentido do Viver e Habitar quotidiano foi dominado e reduzido à erosão permanente do visitar, do residir temporário, do permanente happening nocturno e da festa contínua.

Ao permitir este consumir de forma erosiva, predadora e esgotante, de todas as características que, precisamente, constituíram o atractivo e o motivo da vinda e, originalmente, o apelo de vísita, Barcelona cada vez mais, e paradoxalmente, foi transformada num local onde Turistas apenas encontram outros Turistas. Uma plataforma globalizada, esvaziada dos seus conteúdos, dos seus moradores e autenticidade original.

Tudo isto levou a uma crescente revolta local, com movimentos cívicos e crescentes manifestações de rua, culminando este processo com a eleição de Ada Colau para presidir o Município.

A primeira medida de Colau foi instalar uma moratória durante 1 ano, de todo o licenciamento para novos projectos turísticos, incluindo hóteis, hostels, reconversões para alojamentos temporários, etc.

Levou também à produção do já famoso Documentário “Bye Bye Barcelona”, no qual, todas estas situações e desafios são ilustrados.

Entretanto, Colau entrou em confronto directo com a airbnb e a Booking.com, exigindo destas organizações especialistas em estadias temporárias, a relação completa das moradas e registos de ofertas dos seus sites.

A todos os endereços ilegais serão impostas multas de 15.000 a 90.000 euros, oferecendo Colau como alternativa ao pagamento das multas pelos proprietários destes alojamentos, a disponibilização pelos mesmos, destas moradas durante três anos, como habitaçào social, para os residentes locais.

A recusa das organizações referidas de disponibilizar as informações exigidas, poderá levar à proibição de acesso a estes sites especializados em oferta de alojamentos temporários, em todo o território da Catalunha.

Alfama recebeu recentemente, a visita do Secretário de Estado do Turismo e do Ministro da Economia, que triunfalmente e com um distanciamento “blasé” em relação a um possível papel regulador, equilibrador, planeador, recusaram qualquer reflexão ou dúvida quanto ao crescimento avassalador da oferta e transformação de todas as residências, em alojamentos temporários, sem qualquer tipo de regulamento ou limites, dedicados ao Turismo.

Nesta irrealista e irresponsável atitude caracterizada por um “laissez faire, laisser aller” in extremis, até criticaram uma tímida e tardia preocupação, formulada por um dos grandes responsáveis por esta ausência de gestão e planeamento, Manuel Salgado.

Com efeito, Manuel Salgado ao anunciar em 2008 “A Baixa nunca será um bairro residencial” e ao propor exclusivamente um investimento na hotelaria, residências universitárias e alojamentos de curta e média permanência, entregando a dinâmica do investimento únicamente às exigências dos “mercados”, abdicou da sua responsabilidade planeadora e reguladora, abrindo a caixa de pandora.

No início do processo, antes da crise e respectiva transformação, motivada pela mesma crise, da cidade num gigantesco negócio de estadias temporárias, e acima de tudo, do exôdo maciço de toda a juventude Portuguesa, estes, naturalmente os potenciais habitantes de uma Baixa ainda vazia , ainda teria sido possível planear / estabelecer um equilíbrio.

Assim também, a possível inserção da totalidade da Baixa num regulamento de rigor Patrimonial determinado pela Unesco não convinha à liberdade de manobra de intervenção e licenciamento de Manuel Salgado, pois iria impedir a sua política de “fachadismo” e de destruição sistemática dos Interiores Pombalinos pelos “investidores”.

Agora, dramaticamente é tarde, e provavelmente de forma irreversível Manuel Salgado e os dois ilustres visitantes de Alfama vão acabar perversamente por “ter razão” na sua irresponsável atitude e ausência de visão.

Entretanto, brevemente, em frente a Alfama vai surgir o novo terminal de Cruzeiros, aumentando o “potencial” e alargando, através das respectivas intervenções e arranjos da envolvente incluindo possivelmente a desejada desactivação da estação de Santa Apolónia, a plataforma da Monocultura.

Bye Bye Lisboa!

Historiador de Arquitectura



OPINIÃO
O bezerro de ouro”
ANTÓNIO SÉRGIO ROSA DE CARVALHO 22/05/2014 - PÚBLICO

Todo o centro histórico está, através de uma “gentrificação” especulativa, a ser transformado num “gueto” do turismo de massas.

Portugal submisso acordou “limpo”. Sentido-se culpado e tímido desde a descolonização, aceitou a condenação e a sentença impostas por outros. Sente-se agora aliviado por uma solução também imposta por outros, e restabelecido com plenas honras no clube a que deseja desesperadamente pertencer.

Esta saída foi comemorada simbolicamente por duas “entradas”.

A primeira foi ilustrada através de viagem iniciática ao Portugal renascido para a banca internacional, num barquinho viajando através de um Portugal de cartolina, agora já não dos “pequeninos” mas dos pequeníssimos.

A segunda, esta de maior escala, pela visita de três paquetes históricos, mensageiros das promessas do novo “bezerro de ouro”, o turismo de massas.

Foi com grande regozijo esperançado que recebemos este sinal de um futuro promissor.

Enquanto a juventude portuguesa parte, a tal que iria construir Portugal de forma sustentada, aqueles que irão trazer dinheiro de forma instantânea chegam.

De resto, Manuel Salgado e Costa já desenvolveram e garantiram o décor e palco para o culto deste “bezerro de ouro”.

Assim, todo o centro histórico está, através de uma “gentrificação” especulativa, a ser transformado num “gueto” do turismo de massas.

O planeamento e construção de hotéis não pára. A entrega de todo o património pombalino às imobiliárias, exclusivamente para habitação de luxo, está já vitoriosamente, ajudada pelos vistos gold, a aumentar os preços.

Há promessas de que muitos reformados do Norte da Europa se instalem, usufruindo da docilidade natural local, anestesiada pela crise e pela confirmação de dependência e inferioridade.

O mundo das imobiliárias e da construção espera agora desesperadamente que lhe entreguem todo o centro histórico, em nome da famigerada “reabilitação urbana”.

As poucas famílias locais que se instalaram nos “bairros históricos” são agora obrigadas a transformarem as suas habitações num gigantesco negócio de estadias temporárias, simultaneamente tentando escapar ao barulho e lixo permanentes, garantidos pela “animação do 'Zé'”, que estão a tornar Lisboa inabitável.

Está assim garantida a transformação de toda a Lisboa, não em cidade apropriada e vivida pelos residentes locais com identidade própria, mas sim em produto de consumo efémero e temporário, palco globalizado pronto a ser devorado pelo turismo de massas.

Barcelona produziu um documentário dirigido de forma muito crítica às consequências para a cidade e os seus habitantes de um turismo massificado.

São conhecidas as quatro fases progressivas das reacções locais aos efeitos do turismo de massas: euforia, apatia, irritação e antagonismo.

Estamos simultaneamente na fase de euforia e de apatia.

Apatia perante as consequências da estratégia delineada por Manuel Salgado, que não só destrói todos os interiores do património pombalino, mas leva a uma “demolição” sociológica de ocupação, muito mais grave. Um centro histórico ocupado apenas por ricos ou turistas, sem identidade ou famílias locais, produto temporário e décor efémero pronto a ser devorado.

Não tardará muito que se passe à fase da irritação. Se se passará à fase do antagonismo, duvido.

De qualquer maneira, este é um processo irreversível e imparável.

Por detrás do altar do “bezerro de ouro” esconde-se a plataforma de sacrifício onde milhares de cordeiros dóceis, com a corda ao pescoço, aguardam a matança.

Historiador de Arquitectura


Da “airbnbização” de Lisboa, do Porto e de "Todo" o Portugal,
António Sérgio Rosa de Carvalho

A 27 de Novembro vai entrar em vigor um novo Regulamento que define as condições de Aluguer de Alojamentos a Turistas. Quando comparado com outros Regulamentos Internacionais, este revela-se insuficiente e apresenta grandes lacunas.
Precisamente, a questão dos seus efeitos perversos no direito à Habitação Permanente nos Centros Históricos, na incapacidade de regulamentar a tendência crescente para a monopolização especulativa de habitações e consequente ocupação omnipresente de todos os espaços disponíveis para alojamento temporário, seja a Turistas ou “Expats”, é algo que preocupa as autoridades e estrategas das Cidades no Estrangeiro.
Aqui em Portugal, pelo contrário, afirma-se calmamente e de forma acrítica na Comunicação Social: “Em Portugal, não se impede que as casas estejam exclusivamente destinadas a este efeito, não se limitam períodos de estadia, não se limita o número de apartamentos que uma pessoa pode ter no mercado, não se estabelecem obrigações de prestação de serviços no apartamento, não se impõem capacidades máximas nem números de equipamentos a constar do apartamento. Um regime muito mais aberto do que em Madrid ou Barcelona ou Amesterdão, portanto.”
É precisamente neste contexto preocupante que surge a seguinte Proposta/ Convite:

UMA PROPOSTA AOS SENHORES JORNALISTAS.

Há cerca de duas semanas o jornal de referência Holandês , “Volkskrant” dedicou uma destacada reportagem ao fenómeno Airbnb e aos seus efeitos na cidade de Amsterdão.
Airbnb iniciou a sua actividade há cerca de seis anos. Tratava-se no início de um conceito simpático. Airbnb fornecia através do seu site uma plataforma para o aluguer de casas a particulares, garantindo assim uma estadia local personalizada em ambiente autêntico, numa inserção imediata no contexto de uma cidade e seus habitantes. Os preços variavam em função do nível da qualidade oferecida, mas o atractivo fundamental era poder usufruir de uma verdadeira casa de forma económica. Tudo isto se inseria no novo conceito da Economia Participativa da Troca e Partilha.
Desde logo surgiram reacções da indústria hoteleira alertando para uma concorrência desleal perante as questões fiscais e garantias de segurança dos hóspedes. No seguimento do grande êxito alcançado, ( entretanto oferta de 800.000 alojamentos com mais de metade neste número na Europa) as diversas cidades começaram a desenvolver regulamentos, não sem um grau de resistência da própria Airbnb e respectiva polémica.
Assim a reportagem foi motivada pelo facto que a filosofia inícial de cosmopolitismo e partilha foi acentuadamente corrompida pelo negócio especulativo e monopolizador. Assim surgiram verdadeiros Empresários e trocou-se o conceito privado da oferta pessoal e particular de uma casa, pela compra de prédios inteiros apenas dedicados às estadias temporárias.
Além da fuga aos impostos e da questão da garantia de segurança ( incêndios ) existe a questão da ocupação e da perda progressiva de espaços de habitação Local Permanente para os residentes e habitantes da Cidade.
O regulamento em Amsterdão estabelece que o periodo máximo de oferta de um alojamento por Ano é de 60 dias. O número máximo de hóspedes é de 4 pessoas. ( não apenas por alojamento mas por edifício ) . O alojamento tem que garantir segurança e a instalação de um sistema de prevenção e combate a incêndio é obrigatório. Os hóspedes não podem ser fonte de incómodo para a vizinhança e a envolvente. A autorização do Proprietário é necessária. Aquele que disponibiliza o alojamento para aluguer tem que pagar 5,5% como Imposto Turístico e declarar os seus rendimentos aos Impostos. ( a própria Airbnb cobra pelos seus serviços 6 a 12 % sobre a quantia paga pelo hóspede ).
Comparar com a versão Portuguesa que entra em vigor a 27 de Novembro. “Em Portugal, não se impede que as casas estejam exclusivamente destinadas a este efeito, não se limitam períodos de estadia, não se limita o número de apartamentos que uma pessoa pode ter no mercado, não se estabelecem obrigações de prestação de serviços no apartamento, não se impõem capacidades máximas nem números de equipamentos a constar do apartamento. Um regime muito mais aberto do que em Madrid ou Barcelona ou Amesterdão, portanto.”
Esta perda de espaços de habitação no Centro histórico é agravada por um grande número de oferta de residência permanente a “expats” e um intenso negócio especulativo à volta deste fenómeno, diminuindo acentuadamente a oferta residencial aos habitantes locais e inflacionando os preços de forma astronómica.
Uma das cidades onde esta tendência é mais gritante é Londres que se transformou num recreio permanente para multimilionários Russos e Árabes, exibindo de forma ostensiva a sua riqueza opulenta, enquanto que, mesmo para os Yuppies locais na herança “tatcheriana” tornou-se impossível de habitar o Centro. Mesmo um casal, ambos com um bom emprego, tem que se adaptar com esforço financeiro a habitar numa simples periferia, agora “gentrificada”.
Os “Yuppies” transformaram-se numa nova tribo, os “Endies” , ou seja aqueles que mesmo bem empregados não dispõem de rendimentos além do limite de sobrevivência. Se quiserem ter casa, têm que ficar diáriamente nela em frente da televisão e alimentar-se no Lidl, isto para não falar em ter filhos.
Como último exemplo Internacional, New York. Aqui o confronto entre as autoridades locais e a Airbnb foi fortíssimo. Deu artigo polémico e denunciador por parte do Procurador da Cidade no New York Times,( ERIC T. SCHNEIDERMAN APRIL 22, 2014 / New York Times) e depois de período de resistência por parte da Airbnb que terminou em processo jurídico movido pela Cidade, a Airbnb foi obrigada a disponibilizar a lista completa/ moradas/alojamentos/clientes/empreededores e a expulsar 2.000 como não dignos de confiança.
E em Lisboa? Por falta de espaço, deixo um convite aos jornalistas para uma possível investigação/ reportagem sobre este fenómeno e os seus efeitos para a Cidade no Presente e no Futuro.
Não, sem relembrar a “estratégia”que Manuel Salgado definiu no PDM : a Baixa “nunca será um bairro residencial” e as suas propostas reduziam-se exclusivamente a “ um investimento na hotelaria, residências universitárias e alojamentos de curta e média permanência.”
Assim, deixo mais uma proposta de investigação para os senhores jornalistas. Agora que o Império BES ruiu,”pilar” Imobiliário onde Manuel Salgado sustentava o seus planos de Investimento dos Projectos para a Cidade, o que vai acontecer ?
António Sérgio Rosa de Carvalho
Historiador de Arquitectura


VER ainda :
Da “airbnbização” de "Todo" o Portugal
OVOODOCORVO /19 de Agosto 2013.

A boa gestão do Turismo está intrísecamente e necessáriamente interligada com o Planeamento Urbanístico e Gestão do Espaço Público. Alojamentos alternativos sobem em flecha. Why Hotel Industry Lobbyists Want A Global Crac kdown On Airbnb.

Manuel Salgado elegeu a Baixa, coração estratégico da cidade de Lisboa, como palco globalizado de eventos e animação, e área apenas e exclusivamente de residência temporária através de mais de 100 projectos para Hotéis além dos inúmeros Hostels.
A ideia de residir, habitar, Identidade Local, assegurada por famílias, foi completamente posta de parte …
Agora, nos Bairros Históricos essas mesmas famílias, acossadas pela crise disponibilizam as sua casas, que se tornaram inabitáveis a partir de 5a Feira devido à “Animação” de rua, “boteillon” e afins, para aluguer, através de sites como o Airbnb.
Claro que este fenómeno sem planeamento e sem controle em termos de Hotelaria Paralela está já a concorrer já de forma determinante com a Hotelaria Clássica.
Adivinha-se neste conjunto de circunstâncias, inevitávelmente o desastre de saturação do mercado com uma oferta que vai largamente ultrapassar a procura.
Chama-se a isto mau Planeamento Urbanístico, assim como a ausência total de estratégia e planeamento na área do Urbanismo Comercial, tem vindo a provocar o desaparecimento de vários estabelecimentos Tradicionais que garantem a Identidade de Lisboa como Cidade Autêntica e não como palco /Globalizado de eventos e “Happenings”.
António Sérgio Rosa de Carvalho
OVOODOCORVO/ 19 DE AGOSTO DE 2013

Airbnb: we're here to stay, says billionaire as rental website is accused of evading rules and tax
Nathan Blecharczyk, co-founder of controversial global lodging startup, insists company is a force for good and wants to help authorities adapt to its new technology
Rory Carroll in San Francisco



Sem comentários: