quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Retrato de um País em profunda crise no Presente, sem memória, sem defesa Institucional e respeito pelo seu Património.Sem Cultura de Preservação e Restauro./11/05/2012.



"Men of perfect genius are known in all centuries by their perfect respect to all law and love of past tradition: their work in the world is never innovation but new creation; without disturbing for an instant the foundations which were laid of old time."

John Ruskin
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Ausência de classificação ditou demolição de capela centenária


Por Romeu SousaOrlando Cardoso in Público

Arquitectos e defensores do património criticam decisão que levou à destruição de um templo em Leiria que dizem remontar ao século XVI, mas a população considerava o edifício "um mono e um estorvo"


A recente demolição da centenária capela da aldeia de Chãs, na freguesia de Regueira de Pontes (Leiria), fez recuperar uma polémica antiga. Os defensores do património lamentam a decisão, mas a autarquia e a paróquia dizem que era essa a vontade da população.
Apesar de a Câmara de Leiria já ter deliberado, há cerca de dois anos, pela demolição do templo, em honra de Nossa Senhora das Necessidades, só agora a licença foi concedida. O presidente da autarquia justifica que a autorização foi dada após parecer do Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (Igespar), o qual informou que a capela "não reúne os valores patrimoniais inerentes a uma distinção como valor cultural e importância nacional" (ver caixa). Raul Castro esclarece que, no entanto, "ficou determinado salvaguardar a torre sineira e o respectivo espólio, tendente à sua exposição num futuro museu, e que no largo da nova igreja ficará marcado o espaço ocupado pela antiga capela".
O Conselho Directivo Regional Sul da Ordem dos Arquitectos já fez saber que "foi com grande desagrado e tristeza" que soube da demolição, "culminando, da pior forma, um longo e polémico debate em torno da preservação da antiga capela, que remontava ao século XVI".
Num comunicado, aquela entidade recorda que já em 2010 esteve contra a demolição da ermida, tendo considerado tratar-se de "uma inestimável obra de arquitectura, testemunho da religiosidade do passado" e "elemento de uma vasta rede patrimonial que caracteriza as nossas paisagens e territórios e se concretiza localmente em arquitecturas construídas de diversas valias, muitas das quais já classificadas aos vários níveis: nacional, interesse público e concelhio".
A Ordem dos Arquitectos "lamenta que as autoridades tenham preferido demolir em vez de reabilitar, ignorando os apelos lançados pelas mais diversas entidades no sentido da preservação do imóvel e ignorando o facto de, hoje em dia, o património ser entendido como potenciador da qualificação dos nossos ambientes de vida, estabelecendo um elo de ligação entre o passado e o futuro e ancorando identidades locais". Assim, a demolição da capela passará a "integrar a vasta galeria de casos de demolição e/ou abandono até à ruína, de imóveis com validade histórica, patrimonial e arquitectónica"

Muitas críticas

Também a Associação de Defesa do Ambiente e do Património da Região de Leiria (Oikos) lamenta a decisão. Nuno Carvalho, presidente da direcção, refere que "um lugar sem história é como um livro com páginas em branco" e que a não demolição seria, neste caso, um "acto de sabedoria, pois a crescente preocupação pela preservação do património abre novas portas e novas opções para a viabilização destes edifícios".
Defendendo que o imóvel deveria ter sido "preservado e requalificado", Nuno Carvalho recorda que a capela datava do "século XVI e ao longo dos séculos foi acompanhando o desenvolvimento do lugar".
Opinião diferente tem Amílcar Gaspar, presidente da Junta de Freguesia de Regueira de Pontes. Na discussão do assunto em assembleia municipal, o autarca referiu que "a comunidade local nunca quis ali a igreja" e recordou que "foram feitos vários debates" em que a "população teve oportunidade de se expressar e não houve um único argumento a favor da manutenção da igreja no local".
O presidente da junta contesta, também, a data apontada como sendo a de origem da capela. "Na realidade, aquela igreja tem cento e poucos anos", disse, acrescentando que "existia uma antiga capela que quando foi construída a Linha do Oeste foi demolida" e da qual "vieram duas pedras com valor simbólico" para o novo templo. Amílcar Gaspar alegou, também, a falta de "afectividade" entre a capela e a população, afirmando que o imóvel era um "mono e um estorvo". E aponta o dedo ao seu antecessor por ter lutado pela manutenção da capela.
O antigo presidente da junta refere-se à demolição do imóvel como uma "triste notícia". Na sua página no Facebook, João Marques Pereira comentou que "mais um bocadinho da nossa memória e todo o património histórico de Chãs foi destruído". "Finalmente, a capela de Chãs foi abaixo para alargar as vistas da "obra" que lhes construíram nas traseiras", escreveu, considerando tratar-se de "mais um hino ao pato bravíssimo, à insensibilidade e à ignorância".
A Associação para o Desenvolvimento de Leiria (Adlei) também contesta a demolição. "Naturalmente que a Capela da Nossa Senhora das Necessidades não tinha valor nacional, mas era evidentemente de interesse concelhio, situação que caberia à autarquia defender", afirma Rosário Beja Neves, dirigente da Adlei. E recorda que a argumentação para a demolição foi baseada no "elevado custo da sua manutenção" face à construção de uma nova igreja. "Então não há dinheiro para a sua manutenção e há para a sua demolição e para a construção de um museu" para expor o "espólio de interesse", diz, questionando: "Não era a capela o museu mais completo e natural?"
Para o pároco de Regueira de Pontes, o assunto está encerrado. "A demolição correu bem e está tudo pacífico", diz Isidro Alberto. Foi retirado todo o espólio da Capela de Nossa Senhora das Necessidades - altares, coro, alguns azulejos e pedras trabalhadas -, que depois de restaurado integrará um museu a construir junto da nova igreja.
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 Texto publicado antes da demolição e em pleno processo de decisão, no blogue local "A nossa terrinha"
 PUBLICADO POR ANA EM QUARTA-FEIRA, AGOSTO 04, 2010


A demolição de uma igreja do século XVI

Tinha todas as condições para ser apenas mais uma das muitas demolições de património que vão ocorrendo continuamente na nossa terrinha perante a indiferença quase geral.
No entanto, o caso mudou de figura e transformou-se numa “polémica”, que já conduziu à intervenção da Ordem dos Arquitectos. É possível que neste caso o património sentenciado ainda se salve, apesar de a sentença já ter sido decretada.
O edifício cuja demolição já foi autorizada é uma igreja que remonta ao século XVI (embora com alterações posteriores), localizada em Chãs, concelho de Leiria:

"Tudo começou quando a Paróquia de Regueira de Pontes decidiu construir, no lugar da velha igreja, uma nova igreja - “um templo condigno” para Chãs, dado que a igreja quinhentista já não reunia “as condições necessárias” para as celebrações litúrgicas. A decisão tinha o aval da Comissão de Arte e Património da Diocese de Leiria – Fátima.
Após um processo “difícil”, foi obtido da Câmara Municipal de Leiria o desejado licenciamento para a construção do novo templo. A ideia era construir a nova igreja e demolir a antiga, algo que a autarquia não aceitara em 2005, chumbando o projeto. No ano seguinte, a nova igreja acabou por ser licenciada, mas não foi autorizada a demolição da antiga: o licenciamento terá sido concedido na condição de a igreja antiga ser mantida.
A nova igreja foi construída – nas traseiras da igreja quinhentista - e a velha foi votada ao abandono. E a questão da demolição voltou a ser suscitada, quer pela Paróquia de Regueira de Pontes, quer pela Junta de Freguesia, quer ainda pela população local.
Ao que parece, a "maioria" da população, satisfeita com o novo templo, queria que a igreja antiga fosse deitada abaixo. Também a Igreja o queria fazer. Afinal de contas, a velha igreja está a estragar as vistas do novo templo que custou tanto a erguer ("está a fazer má vista à nova", segundo se diz na povoação). Por outro lado, ambas – população e paróquia – querem um “adro digno da nova igreja” e a velha só ali está a atrapalhar.
De forma que se fizeram novas pressões sobre a Câmara Municipal de Leiria. Que acabaram por resultar: em 6 de Abril de 2010, a autarquia, indiferente ao facto de o PDM de Leiria propor a classificação da igreja antiga como Imóvel de Valor Concelhio, aprovou a sua demolição, com os votos favoráveis dos cinco vereadores do partido da maioria e do vereador de um dos dois partidos da oposição, três abstenções de vereadores do outro partido da oposição e apenas dois votos contra, também deste último partido. Dois votos contra no total de 11 vereadores que compõem a Câmara Municipal de Leiria.
Satisfeito ficou o padre Isidro Alberto (daquela paróquia), que nega, aliás, que a velha igreja seja do século XVI: teria era elementos dessa época que teriam vindo de uma ermida, os quais seriam levados para a nova igreja e, por isso, “nada de valor” se perderia com a demolição.
Satisfeito ficou também o Presidente da Junta de Freguesia de Regueira de Pontes. Embora não totalmente: obtida a autorização para demolir, agora era necessário “negociar com a Câmara” a demolição, pois é preciso maquinaria e dinheiro para deitar abaixo a igreja (e a junta não tem nem uma coisa, nem a outra).
[Isto é, estão a pedir-nos a nós, contribuintes, que paguemos a demolição desta igreja.]
Tudo estava, pois, bem encaminhado no sentido da demolição da igreja, quando alguns cidadãos resolveram "incomodar", contestando publicamente a decisão e fazendo até circular na internet uma petição contra a demolição (que em cerca de dois meses ainda só teve pouco mais de cem subscritores…).
Ainda em Abril de 2010, a OIKOS - Associação de Defesa do Ambiente e do Património da Região de Leiria reagiu por comunicado à decisão de demolição. Para a OIKOS (que insiste em que a igreja é do século XVI), independentemente do valor arquitetónico que a igreja possa ter, «os edifícios construídos, que serviram múltiplas gerações trazem consigo um património incalculável de história, vivência local e memória colectiva de um lugar. Ao perderem-se tais edifícios, peças únicas e insubstituíveis, são descaracterizados os lugares, com a consequente perda da sua identidade sócio-cultural, muitas vezes só valorizada quando é tarde de mais».
Os nossos autarcas têm, no entanto, muita dificuldade em entender este tipo de linguagem.


Em resultado da contestação,  a maioria que tinha aprovado a demolição na câmara  esfumou-se: o vereador da oposição que a tinha viabilizado, bem como aqueles que se tinham abstido, mudaram entretanto de posição: todos os vereadores da oposição são agora contra a demolição.
Esta nova situação levou a autarquia a reagir: por comunicado de 4 de Maio de 2010, a Câmara Municipal de Leiria, tendo em conta «a importância da opinião pública para perceber e corresponder ao sentido crítico da comunidade em geral, especialmente no que diz respeito à importância da salvaguarda e promoção do património histórico local», veio dizer que a licença de demolição ainda não estava emitida e que a autarquia está disposta a «apoiar a realização de um debate público, a promover pela Junta de Freguesia ou outras entidades locais», sobre “o conhecimento científico do bem cultural, a valorização da comunidade local, numa perspectiva transparente, despida de demagogia e emoções desprovidas de razão».
A notícia da decisão da demolição chegou, entretanto, ao conhecimento da Ordem dos Arquitectos, que, por comunicado de 1 de Julho de 2010, realçou que esta igreja «é uma estimável obra de arquitectura, testemunho da religiosidade do passado, tal como se pode observar pelo país fora», fazendo parte «de uma vasta rede patrimonial que caracteriza as nossas paisagens e territórios». A Ordem dos Arquitectos lembra também que muitos dos elementos arquitetónicos desta “rede” estão classificados e protegidos, desde o monumento nacional ao imóvel de interesse concelhio.


De acordo com a Ordem dos Arquitectos, a demolição desta igreja «constituiria mais uma machadada nessa rede, que é nacional, bem como na riqueza cultural do concelho de Leiria, da freguesia de Regueira de Pontes e do lugar de Chãs. Infelizmente vários têm sido os casos de demolição ou abandono (com consequente ruína) a começar pelo célebre exemplo da demolição da capela românica de Joanes para se construir um novo templo na passada década de 70, caso que alertou todo o país para estas acções, mas não impediu totalmente a sua repetição». O comunicado recorda que «o património arquitectónico é único e não se repete, e perante a avassaladora transformação das paisagens e povoações que se verificou a partir de meados do século XX em Portugal, está mais que na actualidade a conservação dos bens patrimoniais, sejam eles construídos (arquitectónicos) ou naturais».


Foi rápida a reacção do Padre de Chãs, que afirmou que «mesmo que a Ordem dos Arquitetos esteja contra, não é dona do edifício», que «a diocese também tem arquitetos que são a favor da demolição» e que «a Igreja não é constituída por pessoas analfabetas».
Reagiu também o Presidente da Junta de Freguesia, que afirmou: «Estamos a falar de uma capela que não tem valor patrimonial. Só quem não conhece é que pode estar com demagogias».
Curiosamente, no sítio da Junta de Freguesia, relativamente a “património e turismo”, são indicados como “locais a visitar” na freguesia apenas dois: a igreja matriz de Regueira de Pontes e… a Capela de Chãs (com direito a fotografia e tudo, ao contrário da igreja matriz!):"
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As imagens e outros textos foram acrescentados ao artigo do Público.
António Sérgio Rosa de Carvalho.

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