Opinião
Será necessária uma troika para a cultura e património?
Por António Sérgio Rosa de Carvalho in Público
O universo do património cultural foi perturbado por uma sucessão de graves acontecimentos, que infelizmente, vieram ilustrar sérias deficiências de programa, visão estratégica e gestão.
Em primeiro lugar, a decisão arbitrária de construir um novo Museu dos Coches, optando-se por um grande nome da arquitectura, que produziu um edifício caríssimo já em plena crise económica, desnecessário e inadequado para a sua função. Toda a polémica criada à volta deste projecto, em cadeia com uma possível deslocação do Museu de Arqueologia, levou posteriormente a possíveis represálias sobre o seu director, Luís Raposo, hipótese que, com ou sem fundamento, desencadeou um profundo mal-estar, desconfiança e medo no mundo dos museus.
Em segundo lugar, o então secretário de Estado da Cultura, Summavielle, determinou a retirada da lista de 946 monumentos em vias de classificação assumindo assim, não-oficialmente, a incapacidade do Estado de proteger o património nacional. Seguidamente, um inevitável relatório-ultimato do ICOMOS veio avisar para uma possível perda de estatuto como património mundial do Douro vinhateiro, colocando assim o Governo perante uma escolha. Aqui, entra pela primeira vez a EDP, que opta novamente pela receita de um arquitecto-vedeta, qual mago que num só gesto e momento tem que substituir todo um processo de gestão cuidada, adequada e a longo prazo, de toda uma região.
Como única notícia positiva, temos a nomeação de Guimarães como Capital Europeia da Cultura. Positiva, mas não surpreendente, pois em Guimarães optou-se há muitos anos por um abrangente e verdadeiro processo de restauro capaz de garantir a autenticidade e a identidade do seu centro histórico, mantendo as suas populações. A vedeta é a cidade e a magia foi conseguida concretamente num longo e coerente processo de execução, recuperação, conservação e restauro.
Poderia Lisboa representar Portugal a este nível no presente? A resposta seria negativa, não apenas no presente, mas em função do que está a ser desenvolvido no presente e preparado em direcção ao futuro (PDM, PPBC), seria categoricamente um grande Não!
Trata-se de uma questão de perspectiva mental e interpretação cultural dos desafios, urgências e prioridades estratégicas de uma cidade e das fórmulas e conceitos a aplicar para lhes dar resposta. Tomemos como exemplo o último caso de violação do PDM por parte do vice-presidente da CML e vereador do Urbanismo, Manuel Salgado, para forçar - impor - a aprovação do pedido de informação prévia da Fundação EDP para construir um centro cultural à beira-rio, em Belém. Este caso, juntamente com o da construção da sede da EDP na Avenida 24 de Julho que também pode ser considerado "ilegal" na sua aprovação sem consenso (a "ilegalidade" da falta do contrato de urbanização, que "visa apressar a intervenção da EDP" sem acautelar interesses municipais) ilustram uma grande e imprudente "pressa", e uma sofreguidão de decisão...
Para a própria imagem da EDP e do respectivo António Mexia, este processo não constitui um bom contributo e só confirma a tal atitude mental de "torre de marfim"; de isolamento irreal e dicotomia mental com as realidades da cidade e das suas verdadeiras necessidades...
Isto, quando o Largo de S. Paulo, arquétipo do pombalino, continua a apodrecer, e o Mercado da Ribeira a aguardar decisões (além do resto da Baixa pombalina). Tanto Manuel Salgado como António Mexia revelaram-se como mentes prisioneiras de perspectivas megalómanas, irreais e insensíveis ao verdadeiro estado de degradação e decadência da cidade e ainda agarradas à síndrome do grande gesto, de Babel e de arquitectos-magos.
Historiador de Arquitectura
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