Tancos, os
militares e os políticos
A instituição
militar continua a considerar-se como um mundo à parte e o poder político
parece incapaz de lhe explicar que ela é apenas uma instituição com a função
específica de defender o país e servi-lo.
Teresa de Sousa
2 de Outubro de
2019, 19:59
Há um lado do
“caso de Tancos” que, curiosamente, está a ser pouco ou nada escrutinado no
debate omnipresente sobre o assunto. Refiro-me à responsabilidade dos militares
nesta história, que acabou por explodir na campanha eleitoral, secando tudo à
sua volta.
O roubo deu-se em
virtude do desmazelo e da incompetência da instituição militar, o que levanta
uma questão de fundo. Vasco Pulido Valente resumiu-a de forma lapidar no seu
Diário do último sábado. Depois de escrever que o “caso de Tancos” é sobre as
relações entre o poder civil e o poder militar, prossegue: “Ficámos a saber que
o dr. Azeredo Lopes desmaia perante uma farda. Já é péssimo, principalmente
porque sugere uma pergunta fatal: quem mais desmaia ou desmaiou perante uma
farda nos tempos que vão correndo?”
Por uma razão
inexplicável, a instituição militar continua a considerar-se como um mundo à
parte e o poder político parece incapaz de lhe explicar que é apenas uma
instituição com a função específica de defender o país e servi-lo nas missões
militares que lhes são atribuídas, que depende inteiramente do poder civil e
que deve sujeitar-se ao mesmo escrutínio de qualquer outra instituição, como é
próprio de uma democracia.
O problema é que
esse escrutínio não existe. Mais grave ainda, de cada vez que o Governo
manifesta a intenção de retirar aos militares alguma das muitas regalias de que
ainda hoje auferem (muito menos do que no passado, apesar de tudo), do sargento
ao general, todos se acham com direito de vir protestar publicamente e, por
vezes, dão-se ao desplante de deixar intuir uma vaga ameaça de quem detém a
posse das armas.
Isto acontece
mais de 40 anos depois do 25 de Abril. Comprovando mais uma vez este estranho
estado das coisas, os militares conseguem de novo passar incólumes na “guerra”
política travada em torno do “caso de Tancos”, sem que ninguém lhes aponte o
dedo. Continuamos a desmaiar perante uma farda? Parece que sim.
Compreende-se que
o Governo não queira falar do assunto nessa perspectiva. Não apenas não escrutinou
devidamente o funcionamento da instituição militar, como seria acusado de andar
à procura de desculpas. Já o PSD não teria qualquer impedimento em trazer ao
debate esse lado lamentável sobre o estado das nossas Forças Armadas. Não o
fez. Rui Rio, que se gaba de dizer o que pensa — mesmo que às vezes devesse ter
mais cuidado com o que diz —, agarrou-se a Tancos como uma verdadeira bóia de
salvação para retirá-lo do aperto a que as sondagens pareciam condená-lo.
Deixou em casa oportunamente as suas teorias sobre a justiça e não mais largou
o assunto. Faz todos os dias o possível e o impossível para mantê-lo à tona.
Rui Rio não tem a
mesma exigência e nem lança a mesma suspeição em relação ao Presidente, cujo
chefe da Casa Civil, que se demitiu pouco depois do roubo, é indicado pela
acusação como testemunha.
O seu alvo é o
primeiro-ministro e o seu alegado conhecimento do encobrimento. Curiosamente,
não tem a mesma exigência e nem lança a mesma suspeição em relação ao
Presidente, cujo chefe da Casa Civil, que se demitiu pouco depois do roubo, é
indicado pela acusação como testemunha.
Pensando dois
minutos, é possível chegar a algumas conclusões tão lógicas e tão legítimas
como quaisquer outras. Primeira, António Costa é suficientemente experiente e
hábil (os seus críticos preferem dizer habilidoso, mas é a mesma coisa) para
ter imediatamente impedido o encobrimento, caso o seu ministro o tivesse
informado.
É preciso ser
muito incompetente e politicamente impreparado para alinhar numa tramóia deste
género, se ela existiu nos termos em que a acusação a descreve.
Segunda, se
cometeu um erro do qual é o único responsável terá sido o de escolher Azeredo
Lopes para uma pasta como esta — que, para não haver desmaios, exige políticos
com experiência e com visão sobre qual é o papel das Forças Armadas numa
democracia.
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